História & Fotografia | ArtCultura | 2008

A partir dos anos 1990 e, sobretudo, dos EUA, se desenvolveu um campo de pesquisa chamado de Estudos Visuais, articulando Artes, Comunicação, Antropologia, História e Sociologia. As pesquisas que daí emergiram problematizaram numa perspectiva multidisciplinar, a centralidade das imagens e a importância do olhar na sociedade ocidental contemporânea, a forma como os diversos tipos de imagens perpassam a vida social cotidiana (a visualidade de uma época), relacionam as técnicas de produção e circulação das imagens ao modo como são dados a ver os diferentes grupos e espaços sociais (os padrões de visualidade), propondo um olhar sobre o mundo (a visão), mediando a nossa compreensão da realidade e inspirando modelos de ação social (os regimes de visualidade).

No Brasil, a pesquisa acadêmica sobre o fotográfico se desenvolveu muito a partir das décadas de 1970 e 1980, seja por meio de traduções de textos fundamentais, seja pela pesquisa pioneira de certos autores como Boris Kossoy, seja por parte de uma nova agenda de trabalho na pósgraduação. Além disso, o tema do fotográfico alcança hoje áreas diferenciadas do conhecimento, que vão das artes às ciências humanas, dos programas de pós-graduação às novas graduações ou ainda aparece no lugar central que ocupa nos museus, nas bienais, nas exposições de arte e tecnologia.

Neste dossiê reunimos artigos de reconhecidos especialistas na abordagem da fotografia-documento (a fotografia dos fotógrafos), da fotografia-expressão (a fotografia dos fotógrafos-artistas) e da fotografiamatéria (a fotografia dos artistas)1 . O presidente da Société Française de Photographie e ex-diretor da revista Études Photographiques, Michel Poivert, em “A fotografia francesa em 1900” discute a pretensão dos fotógrafos de talhe pictorialista de obter o reconhecimento do estatuto artístico da fotografia na Exposição Universal de 1900. Tal busca de legimitação se deu, porém, na contracorrente das práticas artísticas das vanguardas. O cerne do artigo evidencia as estratégias do movimento pictorialista na França e sua forma de temporalizar-se. Assim, o autor fala de uma espécie de antivanguarda. Já Annateresa Fabris traz uma contribuição acerca da produção teórica sobre a da fotografia no campo da História da Arte. Aborda um momento crucial para a criação de um novo espaço para a fotografia no campo artístico. A partir da arte conceitual, a fotografia, esse autre de “l’Art”, permite colocar em questão uma série de noções e de práticas da arte moderna. Aí, e ao contrário do pictorialismo, ela se centra no presente e provoca uma reformulação do campo da arte e uma nova visualidade. Ana Mauad trata da fotografia documental, com base nas noções de prática fotográfica, de fotógrafo como mediador cultural, de engajamento do olhar do fotógrafo como projeto social e político. Sublinha, então, que a fotografia resulta de um jogo de expressão e conteúdo que envolve três componentes: o autor, o texto visual e um leitor. Ela estuda a obra de dois fotógrafos documentais (a norte-americana Genevieve Naylor e o brasileiro Sebastião Salgado) que percorreram o interior do Brasil nos anos 1940 e 1990. A autora trata da tradição das concerned photographs como registro visual das questões sociais que remonta aos precursores da fotografia documental, que denunciaram as péssimas condições de vida dos trabalhadores e a exploração do trabalho infantil no início do século XX, e as relaciona às obras dos fotógrafos analisados. Por sua vez, Alexandre Santos aborda a obra de dois artistas-fotógrafos, um estadunidense (Duane Michals) e outro brasileiro (Alair Gomes), que utilizaram a fotografia como uma linguagem de escrita de si (autobiográfica), configurando um exercício de “escrita fotográfica”. Aborda a fotografia em sua relação com a ficção e com a construção de uma linguagem e uma narrativa autobiográfica que dialogam com a própria ficção. No interior dessa produção de sentidos biográficos, desponta ainda o lugar do corpo. Noutra perspectiva, Zita Possamai examina os álbuns de vistas produzidos em Porto Alegre no final do século XIX e nas revistas ilustradas das primeiras décadas do século XX. O que se constata é que as fotografias veiculadas construíram uma imagem grandiosa de uma cidade bela e ordenada, com alterosos edifícios públicos e privados, novas avenidas e novos espaços de lazer e sociabilidade.

Destaque todo especial merecem os documentos enfeixados sob o título “Fotomontagem na Rússia da década de 1920”, uma reunião de dois textos, um de Varvara Stepanova (esposa de Aleksandr Rodchenko) e outro de autor anônimo (antecedidos de nota introdutória da tradutora Erica Zerwes), sobre os processos de fotomontagem que revolucionaram a comunicação visual e situaram a fotografia num novo lugar no movimento de renovação das artes visuais pelas vanguardas européias nos anos 1920. Textos de difícil acesso, sua tradução permite compreender o processo técnico e a concepção do novo papel que a fotografia desempenharia naquele contexto. A breve introdução flagra o debate entre composição, ligada à pintura tradicional, e construção, produzida pela utilização da técnica e da máquina, defendida pelos partidários da vanguarda construtivista em oposição a uma arte tida como de caráter burguês.

Nota

1 Ver ROUILLÉ, André. La photographie: entre document et art contemporain. Paris: Gallimard, 2005.


Organizadores

Charles Monteiro

Iara Lis Franco Schiavinato


Referências desta apresentação

MONTEIRO, Charles; SCHIAVINATO, Iara Lis Franco. A importância do olhar. ArtCultura. Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 7-8, jan./jun. 2008. Acessar publicação original [DR]

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