Em 1950, São Paulo era o mais importante centro econômico populacional do país. No século XXI, o estado de São Paulo poderia ser classificado como a 36a maior economia do mundo em termos do PIB gerado (450 bilhões de dólares, em 2010) e a 31a nação do mundo, em termos da população (41,2 milhões, em 2010).
Essas constatações, trazidas por Luna e Klein nas primeiras páginas do livro, tornam-se mais surpreendentes e contrastantes, quando os autores destacam que, um século antes, em 1850, São Paulo não tinha qualquer relevância econômica, populacional e política no Império ou na nação brasileira. Em menos de um século, São Paulo ascendeu à principal estado do país, posição consolidada com a República.
Essas evidências foram o motivo que levou os autores a empreenderem o estudo dos 100 anos da economia e sociedade paulistas exposto no livro História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850-1950, lançado em 2019. A publicação dá continuidade ao trabalho anterior Evolução da sociedade escravista de São Paulo de 1750 a 1850 (LUNA; KLEIN, 2016), e completa o projeto de análise de dois séculos da sociedade e da economia de São Paulo 1750-1950.
O livro de Luna e Klein História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850- 1950 nos conduz por uma história de São Paulo Imperial e de São Paulo Republicano. As diversas formas de organização política do Estado brasileiro – Império (1850-1889), Primeira República (1889-1930), período da Revolução de 1930 (1930-1934), período Constitucional (1934-1937), ditadura do Estado Novo (1937-1945) e Redemocratização (1945-1950) – refletem-se na política e na economia da província e do estado de São Paulo. Além do cruzamento das diferentes formas de exercício do poder, os autores interpretam as transformações econômicas e sociais ocorridas entre 1850 e 1950.
Para São Paulo, a segunda metade do século XIX marca o momento de transição da economia açucareira exportadora para o café, cultura destinada ao mercado internacional. O período é crucial, pois a província alça a posição de uma das maiores produtoras e exportadoras de café.
Para além das plantações, os anos finais do século XIX marcam o surgimento das indústrias têxtil, de alimentos e de vestuário, atividades desencadeadas pelo transbordamento dos lucros da economia exportadora cafeeira. Além da indústria, participam da cadeia propiciada pela expansão cafeeira, a construção da infraestrutura de serviços de transporte, as ferrovias, as estradas de rodagem, a modernização do porto de exportação e importação, a formação da metrópole paulistana e das cidades de um vasto interior: Campinas, Ribeirão Preto, Rio Claro, São Carlos etc.
Embora a escravidão tenha sido o principal regime de trabalho entre 1850 e 1888, a elite proprietária de terras e escravos passa gradualmente a ceder ao movimento abolicionista e, em paralelo à manutenção do trabalho compulsório, essa mesma elite concebe a mais audaz e inovadora política de formação do mercado de trabalho livre, por meio da imigração subsidiada pelo estado de São Paulo. De 1880 a 1930 chegaram a São Paulo dois milhões de imigrantes europeus expulsos de seus países pela miséria e pelas distorções do avanço do capitalismo. Esse contingente de europeus incorporou-se ao crescimento populacional, ao processo de urbanização e de crescimento da indústria, transformando a capital de São Paulo na mais branca e europeia capital do Brasil.
Para explicar o salto da província inexpressiva ao estado grandioso, os autores analisam um aspecto que lhes é central – as características das finanças públicas em três momentos – no Império; na República Velha, nos anos da Revolução de 1930 até a Constituição de 1946. Esse tópico é bastante instigante por mostrar a montagem do aparelho do estado de São Paulo e por evidenciar o pioneirismo do estado de São Paulo na formação do mercado de trabalho, na saúde pública, na educação pública, na construção de instituições públicas de pesquisa em ciência e tecnologia (Instituto Bacteriológico, depois Adolf Lutz, Butantan, Biológico etc.), na infraestrutura de transporte e portuária, na política de defesa do café. Dada a importância atribuída pelos autores, o tema das finanças públicas ou da política fiscal é tratado em três capítulos (2, 4 e 5), nos quais a análise desloca-se entre três planos – federal, estadual e municipal –, descrevendo a repartição das receitas tributárias entre as províncias no governo imperial e entre os estados após a primeira Constituição Republicana de 1891, que conferiu autonomia às 21 unidades federadas na gestão fiscal, econômica, financeira e política.
A crise política e econômica – superprodução de café – dos fins da década de 1920 e primeiros anos da década seguinte – levou à perda da hegemonia política da elite paulista, desfrutada por longos 41 anos (1889-1930), mas a perda da hegemonia política não implicou a perda da hegemonia econômica. O café perdeu importância como centro da dinâmica econômica paulista, mas continuou a ser o principal produto de exportação da economia brasileira e São Paulo, o principal produtor e exportador. Outros setores econômicos tomaram à frente do café para manter a liderança econômica de São Paulo: indústria, comércio e serviços voltados para o mercado interno e o investimento público nas áreas da educação, saúde, infraestrutura. Esses são os temas centrais para explicar o salto dado pela província de 1850 para 1950. São Paulo de um lugar sem importância em 1850 passou em um século, em 1950, a ser “uma das mais destacadas regiões agrícolas e industriais do mundo” (p. 26).
Nos cinco capítulos iniciais repousa o núcleo interpretativo. Os autores abordam a evolução da agricultura e a construção das finanças públicas no Império (capítulo 1 e 2) e na República (capítulos 3 e 4). No capítulo 5, as finanças públicas são abordadas no âmbito do rompimento do princípio federalista instituído pela primeira Constituição Republicana de 1891, nos anos 1930, pela revolução (1930-1934) e pelo Estado Novo (1937-1945). Por fim, a análise da política fiscal é feita sob o impacto da Constituição de 1946, a qual reestabeleceu o federalismo, mas não mais aos moldes da Constituição Republicana de 1891.
Nos quatro últimos capítulos, o esforço dos autores foi analisar a evolução de alguns setores selecionados: comércio nacional e internacional; indústria, infraestrutura e urbanização e crescimento e estrutura da população. Foram abordados temas relativos à educação – evolução da estrutura de ensino e a queda do analfabetismo – e à saúde pública – queda da mortalidade infantil e da mortalidade geral, epidemias e, finalmente, a queda da fecundidade e a tardia transição demográfica etc.
O salto de São Paulo
O período 1850-1950 foi crucial no processo de transformação econômica e social de São Paulo – uma transformação que pode ser comparada com outras áreas de fronteira nessa mesma época Canadá, Argentina e Austrália. (p. 26).
Luna e Klein consideram que as principais causas do crescimento já foram extensivamente discutidas por diversos autores, mas falta uma análise minuciosa das etapas desse crescimento e do modo como os vários fatores interagiram para propiciar o crescimento. É isso que os autores se propõem a fazer no livro e, dessa forma, contribuir para a historiografia do Estado de São Paulo.
Os autores não têm a pretensão de apresentar uma história definitiva e completa de São Paulo no século estudado. Precisamente, a intenção “é definir as instituições básicas que foram criadas e o modo como elas mudaram no decorrer do tempo, oferecendo assim um arcabouço básico para que outros possam refinar e aprofundar o conhecimento sobre essa importantíssima região do mundo” (p. 28).
A proposta dos autores é concretizada por meio da reunião de um conjunto de estatísticas e de uma análise minuciosa dos dados à luz da historiografia1. Das fontes estatísticas, os autores extraíram as principais variáveis: quantidade produzida de produtos de exportação e para mercado interno, valor de produção, área cultivada, número de trabalhadores (escravos, livres e imigrantes) em ordem cronológica e distribuída por uma nova regionalização do espaço territorial e administrativo do estado de São Paulo. Ao todo os autores trabalharam com 10 regiões paulistas. Nos capítulos 1, “A agricultura no século XIX”, e 4, “Agricultura Paulista de 1889-1950”, podemos acompanhar a expansão cafeeira e seguir o roteiro do café, deslocando-se das regiões Central e da Mogiana à zona de fronteira – Araraquarense, Douradense e Paulista, Noroeste e Alta Paulista, Alta Sorocabana. Em 1940, a fronteira agrícola estava totalmente ocupada. Não restavam mais “as terras desconhecidas”, “inexploradas” e ocupadas pelos Caingangues.
Ao lado das fontes estatísticas, os autores apresentam um extenso levantamento da bibliografia desde a mais remota até a tese ou dissertação defendida no ano anterior à publicação. É difícil apontar algum livro, artigo, tese, dissertação que não foi citado. Os trabalhos indicados nas referências e, por vezes, comentados, permitem ao leitor formar uma ideia do que se produziu sobre determinado tema.
Algumas questões para o debate
A primeira questão que gostaria de chamar a atenção diz respeito ao posicionamento do historiador diante dos fatos, dos objetos e dos sujeitos de sua pesquisa e análise porque, quando o historiador assume acriticamente o discurso da elite, a história perde, fica distorcida e não se faz história. Por vezes, os autores assumem a justificativa das elites como a verdade: “… os fazendeiros não tinham recursos para pagar salários e custos de transporte que tornassem o Brasil atrativo para imigrantes europeus” (p. 71). Aceitar esta assertiva é aceitar a escravidão como eterna.
Não só em relação à imigração subsidiada pelo estado de São Paulo que a razão da elite aparece de forma acrítica. Ao tratarem da política de valorização do café, os autores aceitam a justificativa da elite para a intervenção estatal no mercado de compra e venda do café que beneficiava os cafeicultores. Afinal, a valorização do café evitou que os preços do café despencassem, mesmo diante da superprodução e da demanda internacional estável ou em declínio.
Outro tema que destaco para uma agenda de debate – a política de valorização do café que se tornou a política oficial do governo de São Paulo em 1906 e depois do governo federal até às vésperas da crise de 1929.
A superprodução cafeeira, que vinha desde 1896, foi continuada, recriada e tornou-se um problema crônico para a sociedade brasileira em função da política de valorização do café imposta pela elite paulista e implementada pelos governos de São Paulo e da União.
Por vezes, como já se mencionou, os autores justificam a política intervencionista no mercado cafeeiro, usando as razões dos cafeicultores, os principais beneficiados. Justificar a intervenção no mercado porque os cafeicultores eram desprovidos de mecanismos para evitar a superprodução não nos parece adequado. A questão tem de ser colocada em outros termos – os cafeicultores foram apoiados e incentivados a continuar a expansão da cultura do café, em razão da política econômica dos governos estadual e federal. Logo, a assertiva a seguir parece-nos equivocada:
Entretanto, os produtores de São Paulo tinham dificuldades de responder a esses sinais de mercado e acabariam necessitando de substancial assistência do novo governo estadual para controlar a produção. A intervenção direta dos Governos Estadual e Federal na economia cafeeira define a agricultura paulista no século XX (p. 159).
Um tema que merece ser debatido é a questão da concentração da terra e desigualdade social. Luna e Klein mostram a existência secular da concentração agrária em São Paulo. Os índices de GINI são para propriedades 0,794 e para proprietários 0,801, indicando a alta concentração da propriedade da terra por famílias.
Em 1817, o índice de GINI era de 0,86 e continuou em 2003, quando o índice de GINI foi de 0,801. (p. 178). Desde a economia açucareira paulista (1790-1850), a terra era propriedade de poucos, sendo o acesso à propriedade da terra restrito.
Se há concentração agrária como mostram os índices de GINI, logo, a conclusão que os autores chegam não é de se surpreender “… eram as grandes propriedades as responsáveis pela maior parte da produção agrícola” (p. 178).
Os autores apontam a fazenda de Veridiana Prado e Filhos como uma exceção ao baixo uso da terra para a produção agropecuária, porém em termos de exploração econômica, a propriedade era mal utilizada como tantas outras grandes propriedades. A fazenda dos Prado, em Sertãozinho, possuía uma área de 33.850,96 hectares, dos quais eram cultivados apenas 1.588 hectares (p. 178). Uma prova cabal da presença da grande propriedade improdutiva, mesmo nessa considerada pelos autores como a exceção.
O censo agrícola de 1905 mostra um quadro complexo da economia cafeeira – altamente concentrada, porém não há a presença da monocultura, há a plantation associada à produção de alimentos. O que o censo nos indica de mais relevante é a baixa utilização da terra. A exploração das áreas da propriedade era muito baixa, consequentemente, a produtividade estava destinada a ser baixa também. A lógica da ocupação da fronteira seguiu a lógica da concentração da propriedade por poucas famílias e a disseminação da desigualdade social dado o restrito acesso à terra.
Outro tema que merece entrar na agenda de discussão é o liberalismo versus intervencionismo. Os autores mostram-se complacentes com intervencionismo dos governos da primeira república e implacáveis com o intervencionismo dos anos de 1930 do governo de Vargas. “Vargas realizou uma grande intervenção nessa indústria que culminou com a criação do IAA em 1933” (p. 204). Não parece que o intervencionismo da política de valorização do café tenha sido menor do que o estímulo dado à produção de álcool carbureto, em decorrência da falta de combustível provocada pela II Grande Guerra. De fato, o Instituto do Açúcar e do Álcool, IAA, fixou os preços e as cotas de produção por usina para evitar a superprodução. Essa intervenção foi totalmente distinta da política de valorização do café, que representou a mais brutal intervenção no mercado de um produto – compra safras invendáveis ou compra e queima de café pelo governo estadual e federal. A criação dos institutos de fomento à produção seguiu a lógica de uma política econômica setorial e nacional. Cada produto – cacau, borracha, algodão, açúcar, álcool, aço e ferro siderúrgicos e outros – recebeu por parte do governo da união incentivo à pesquisa e cuidados técnicos para preservar a qualidade da produção e evitar a superprodução.
Com respeito às finanças públicas, os autores trouxeram uma contribuição original pela abrangência temporal da análise que permite acompanhar as mudanças na origem das receitas e no destino das despesas desde o Império, por meio do levantamento de dados junto às leis fiscais do império de 1831-1832 e das leis orçamentárias da província de 1835, seguindo ao final do período imperial. As leis orçamentárias do estado de São Paulo serviram de fonte de análise para o período republicano até meados do século XX.
Durante o século XIX, o imposto sobre exportação (dízimos ou direitos de saída), as taxas das barreiras e o imposto sobre animais entrados na província dominaram as receitas. O imposto sobre exportações continuou e elevou sua participação nas receitas totais por causa do café, chegando a corresponder 50% a 60% das receitas estimadas. Enquanto isso, ao longo do século XIX, as taxas das barreiras e a de entrada de animais reduziram a participação nas receitas em decorrência do advento das ferrovias, sendo substituído pelo novo imposto de trânsito pelas ferrovias (mercadorias e passageiros) criado em 1872, que atingiu mais de 20% das receitas estimadas.
Quanto às despesas estimadas entre 1835 e 1889, elas se distribuíam em serviços de segurança pública, educação, obras públicas e a própria manutenção da estrutura para arrecadação. Outros itens orçados eram secundários: iluminação, abastecimento de água, imigração, saúde, estradas.
Os autores concluem que a província atuou como uma fonte líquida de fundos para o império, pois arrecadou 5,3% da receita imperial e recebia em troca 1,8% das despesas efetuadas pelo poder imperial na província. Em outras palavras, São Paulo gerava maiores recursos para o poder central do que o Tesouro Imperial lhe repassava. Somente a Corte absorvia 66% dos recursos líquidos totais do Tesouro.
O tema finanças ganharia mais conteúdo se fosse analisado o modus operandi da cobrança dos impostos no Império e na República. Os estudos de Maria Thereza Schorer Petrone (1968a;b; 1976) mostram que as grandes fortunas, como a da família Prado, foram gestadas por meio da arrematação da cobrança de imposto. Antonio da Silva Prado, mais tarde, Barão de Iguape, foi coletor de imposto, tendo essa atividade exercido papel relevante na formação do seu patrimônio. Portanto, as finanças públicas abriram oportunidades de negócios e de acumulação de capital.
Os resultados da análise das finanças públicas paulistas nos remetem a outro tema para o debate – a defesa do federalismo – ponto central do movimento republicano paulista. O Partido Republicano Paulista, PRP, fundado em 1873, sustentava o federalismo para estancar a sangria dos recursos gerados na província e gastos na Corte. A República e a Federação eram inseparáveis para os republicanos, pois representavam autonomia fiscal, econômica e política para as províncias. Em 1891, a primeira Constituição Republicana selou a autonomia dos estados (antigas províncias). Como afirmam os autores: “A revolução republicana de 1889 introduziu uma nova era de governo de finanças estaduais em São Paulo” (p. 12). Ou melhor: “A primeira Constituição Republicana criou o mais completo sistema federativo já existente no Brasil e concedeu autonomia substancial aos estados” (p. 119).
A república permitiu a criação pelos estados de uma estrutura tributária autônoma, um sistema judiciário forte, uma força policial independente e um complexo sistema de instituições nas áreas da educação, saúde e pesquisa científica básica. São Paulo foi o estado da federação que mais frutos extraiu do federalismo republicano. As receitas previstas nas leis orçamentárias indicavam que o principal tributo era o imposto sobre exportações que atingiu 71% das receitas geradas pelo estado. Isso se deveu à expansão da produção cafeeira.
Isso significava que os novos recursos disponíveis, agora sem as restrições impostas pelo poder centralizador do Império, permitiram a São Paulo financiar seus avanços como, por exemplo, a criação da Secretaria de Finanças, muito bem descrita pelos autores; na promoção da gestão operacional, financeira, econômica e de sustentação da política de valorização do café (1906-1930).
No capítulo 5, os autores tratam a perda de hegemonia da elite cafeeira e o impacto sobre as finanças públicas da Revolução de 1930, que rompeu com o princípio federativo instituído na Constituição de 1891 e retirou dos estados a prerrogativa de escolher o governante, eliminando a autonomia política.
Entretanto, verifica-se que nas finanças públicas não houve perda de autonomia, ao contrário, foi concedido maior poder aos estados para tributarem sobre propriedade rural, vendas, transferências e heranças de propriedade, consumo de gasolina. De fato, em São Paulo, na década de 1930, houve uma mudança na estrutura das receitas em decorrência da queda dos preços e das exportações de café e da elevação da receita advinda do Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) que se tornaria o principal imposto até sua extinção com a reforma tributária de 1965.
A partir de 1930, a receita do estado de São Paulo passou a depender cada vez menos dos impostos sobre as exportações e mais das rendas geradas pelas atividades internas.
A Constituição de 1946 e a redemocratização encontraram a economia paulista voltada para as atividades econômicas ligadas à demanda interna, consequentemente, cada vez mais o IVC e outros impostos ligados às atividades econômicas internas ganhavam participação na receita.
Em termos de finanças públicas não se pode concordar com a afirmação dos autores de que durante o governo Vargas: “O liberal sistema federalista foi substituído pelo autoritário sistema centralizador e intervencionista” (p. 217).
De forma insistente os adjetivos “autoritário e centralizador” foram atribuídos a Vargas. Isso se aplica aos governos da primeira república que não primavam pelo espírito democrático e federalista.
Segundo os autores, Vargas instituiu reformas destinadas a modernizar o Brasil, porém, eram “autoritárias e conservadoras”. Se as reformas eram modernizadoras e visavam o desenvolvimento da indústria nacional, por que eram autoritárias e conservadoras?
A política econômica da elite cafeeira paulista e dos estados produtores e exportadores de café, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santos vigorou monocraticamente por mais de 40 anos. Era o domínio autoritário da política cafeeira. Houve apenas um interregno no governo de Campos Salles (1898-1902) com Joaquim Murtinho, ocupando a pasta da Fazenda, que impôs a não desvalorização cambial, o que levou a grita dos cafeicultores. Aliás, a austeridade e a “política dos governadores” instituída por Campos Salles foram os motivos que levaram a primeira cisão do Partido Republicano Paulista (PRP) (RIBEIRO, 2019).
Afora este curto intervalo, vigorou a mais fragorosa defesa da economia cafeeira e no campo político – o pacto oligárquico da elite cafeeira. Brasil era café e os outros estados permaneciam à míngua. Jamais na República Velha houve uma política nacional capaz de promover nos estados da federação o desenvolvimento da produção agrícola e industrial. O café foi soberano, o Brasil era o café e café era São Paulo.
A elite paulista não era somente local com a República tornou-se Nacional. A estrutura do estado construída por essa elite local e o modo como ela foi financiada (p. 120). O café agora dominava São Paulo e também a República incipiente (p. 121).
A elite cafeicultora que assumiu o controle político e administrativo do estado de São Paulo, assumiu o controle do estado da República federativa impondo seus interesses econômicos. O governo federal foi estruturado à imagem e semelhança dos interesses da cafeicultura. A locomotiva conduzia 20 vagões vazios porque a política econômica não era nacional. Não se orientava a política econômica para outra atividade geradora de renda que não fosse o café. O federalismo, que se instalou era às avessas, fez o interesse de um membro da federação se impor aos dos demais. Os vagões eram vazios porque não havia a ideia de nação.
Os autores reconhecem que os governantes de São Paulo e da primeira república:
Por mais conservadores e neoliberais que fossem esses líderes em sua ideologia política, no fim das contas serviram-se da ação do estado para controlar o mercado tanto quanto teriam feito economistas keynesianos (…)
(…) os regimes liberais da República Velha foram, na verdade, intervencionistas e criaram numerosas instituições e programas distintamente não liberais em sua abordagem do mercado.
O estado tanto no nível federal como no local, sobretudo, no caso de São Paulo empenhou-se na defesa do café mesmo quando isso implicou intervenção direta na esfera econômica (p. 156).
Outra questão referente ao tema do liberalismo versus intervencionismo. Os autores colocam a intervenção no mercado cafeeiro, o subsídio à imigração e às ferrovias no mesmo nível do investimento público em educação, saúde, ciência e tecnologia (RIBEIRO, 1997)
Não se pode equiparar a política de defesa do café – intervenção direta do governo no mercado de café – contrária a qualquer princípio da teoria do equilíbrio entre oferta e demanda da escola de pensamento neoclássica – com o investimento público em educação, saúde e ciência e tecnologia. Nesses programas, os republicanos paulistas, pelo menos, os “republicanos históricos”, foram exemplares por entenderam que educação, saúde, ciência e tecnologia deveriam ser investimentos públicos. Não se pode criticar essa opção como sendo intervencionismo. Eles entenderam que o estado de São Paulo exigia investimentos em escolas primárias, em ginásios e no ensino superior – Direito, Engenharia e Medicina para superar seus atrasos. Embora a abrangência das políticas educacionais fosse restrita à elite e a uma parcela da classe média. Não tinha caráter universal, não atingia toda a população e, em especial, as populações marginalizadas, os pobres e os negros.
Os capítulos seguintes são bastante interessantes e completam a historiografia dos temas abordados com a incorporação de dados estatísticos e mais informações de fontes variadas. Assim, para comércio internacional e nacional; indústria, infraestrutura e urbanização e crescimento da população, o leitor encontrará uma síntese da revisão da historiografia e uma minuciosa e trabalhosa compilação, preparação e tratamento de dados estatísticos de origem diversa.
Há certa confusão na concepção do capital estrangeiro na página 322. Mais especificamente entre capital estrangeiro investido na indústria e a participação de estrangeiros imigrantes, que iniciaram seus negócios na indústria, aproveitando as oportunidades abertas por uma sociedade em processo de crescimento populacional. Uma coisa é a firma estrangeira que abre filial no Brasil, como a Ford, Light, Bayer, etc., outra é o estrangeiro, imigrante, que constrói fábricas, empresas industriais, companhias etc., como: Crespi, Matarrazzo, Scarpa, Jafet, Siciliano etc. (RIBEIRO, 1988).
Esses não podem ser considerados como capital estrangeiro, pois eram imigrantes e não representantes do capital estrangeiro investido na indústria paulista. Muitos desses imigrantes vieram com poucos recursos e aqui amealharam capitais para investir na indústria.
Por fim, uma breve observação sobre o capítulo 9 – Crescimento e estrutura da população. De acordo com a tabela 9.3, para o ano de 1872, a população escrava de Campinas corresponde a 38% da população total (p. 400). Como a população total é de 45.862, segundo o cálculo feito pelo Cebrap e apresentados na tabela, a população de cativos era de 17.427,56. Esse número está superestimado, pois segundo o recenseamento do império de 1872, revisto por Bassanezi (1998), o total da população escrava para Campinas era de 13.685.
A análise minuciosa proposta pelos autores, a reunião de um conjunto de estatísticas, preparadas e trabalhadas nas 91 tabelas, 49 gráficos, e mais os 11 mapas tornam História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850-1950 um livro de leitura obrigatória para os pesquisadores e estudiosos de São Paulo e do Brasil.
Nota
1 Algumas das fontes estatísticas sistematizadas pelos autores: Lista Nominativa de 1829; Daniel Pedro Müller de 1836; O quadro estatístico de alguns estabelecimentos rurais da província de São Paulo de José Antonio Saraiva, de 1855; Recenseamento Geral do Império de 1872; Almanak da Província de São Paulo 1873; Brazil and Java de Van Delden Laerne (1881-1883); Relatório da comissão central de estatística de 1886; Censo agrícola do estado de São Paulo de 1905 (1898-1904); Recenseamentos Gerais do Brasil de 1920, 1940 e 1950; Boletim do Departamento de Indústria e Comércio (1910-1927).
Referências
BASSANEZI, Maria Silvia C. B. (Org.). São Paulo do passado: dados demográficos. Campinas: NEPO/UNICAMP, 1998.
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Evolução da sociedade escravista de São Paulo de 1750 a 1850. São Paulo: Edusp, 2016.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Um comerciante do ciclo do açúcar paulista. Antonio da Silva Prado (1817-1829) – II. Revista de História, São Paulo, v.37, n. 76, p. 315-343, 1968a.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. Um comerciante do ciclo do açúcar paulista. Antonio da Silva Prado (1817-1829) – I. Revista de História, São Paulo, v.37, n. 73, p. 115-138, 1968b.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Barão de Iguape. São Paulo: Nacional; Brasília: INL, 1976.
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870- 1930). São Paulo: Editora Hucitec/Editora da Unicamp, 1988.
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. História, Ciência e Tecnologia – 70 anos do Instituto Biológico de São Paulo na defesa da agricultura, 1927-1997. São Paulo. Instituto Biológico de São Paulo, 1997.
RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Adolpho Affonso da Silva Gordo: um homem e o seu tempo. Catálogo da exposição virtual. [recurso eletrônico]. Campinas, SP: Unicamp/ Centro de Memória, 2019. Disponível em: https://issuu.com/centrodememoriaunicamp/docs/catalogo_expo_gordo_22102019
Resenhista
Maria Alice Rosa Ribeiro – Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1974), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1980) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1991). É Professora aposentada do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, Campus de Araraquara e Pesquisadora Colaboradora do Centro de Memória-Unicamp. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: economia, história, industrialização, empresas e tecnologia. E-mail: mariaalicerosaribeiro@gmail.com
Referências desta Resenha
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. História Econômica e Social do Estado de São Paulo 1850-1950. São Paulo: Imprensa Oficial, 2019. Resenha de: RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Por que são Paulo passou de uma província pouco importante a uma das mais destacadas regiões agrícolas e industriais do mundo? História (São Paulo). Franca, v.39, 2020. Acessar publicação original [DR]
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