“definir uma posição singular pela exterioridade de suas vizinhanças; mais do que querer reduzir os outros ao silêncio, (…)”[1]
A opção por História Política como tema central do presente dossiê não tem qualquer relação com uma tentativa de “reduzir” os outros campos da história ao “silêncio”. É preciso ressaltar que a História Política não é uma área fechada, com fronteiras rígidas e inflexíveis. Ao contrário, pautado numa postura interdisciplinar, seu pesquisador vale-se de métodos, técnicas, conceitos, vocabulários e problemas gerados (e germinados) do contato com outras disciplinas e / ou áreas do conhecimento. Desse modo, entendemos que o cultural, o econômico e o político se “influenciam mutua e desigualmente segundo as conjunturas, guardando ao mesmo tempo cada um sua vida autônoma e seus dinamismos próprios.”[2] E de acordo com René Rémond: “se o político tem características próprias que tornam inoperante toda análise reducionista, ele também tem relações com outros domínios.” Conferindo centralidade à postura interdisciplinar, Rémond salientou que o político “liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços, a todos os outros aspectos da vida coletiva.”[3] Portanto, o político “não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social.”[4]
É certo que a postura interdisciplinar contribuiu para o alargamento do campo da história e, particularmente, da chamada “história política renovada.”[5] Nas últimas décadas, objetos até então pouco pesquisados no Brasil passaram a despertar maior interesse dos estudiosos brasileiros. Mídia, intelectuais, opinião pública, discursos e cultura política são apenas alguns exemplos.[6]
Convém observar, igualmente, que a própria noção de política se ampliou. Como, então, definir a política? Sem a pretensão de oferecer uma resposta definitiva e inquestionável, podemos recorrer às formulações de René Remond: “Já que não se pode definir o político por uma coleção de objetos ou um espaço, somos levados a definições mais abstratas. A mais constante é pela referência ao poder.”[7] Por sua vez, Rosanvallon [8] sublinhou com relação ao político: “Pode ser definido como o processo que permite a constituição de uma ordem a que todos se associam, mediante deliberação das normas de participação e distribuição.” Ressaltou, ainda, que devemos considerar a “atividade política” como “subordinada à pluralidade da atividade humana.” [9]
Referências ao poder [10] e postura interdisciplinar são algumas das características dos onze textos reunidos no presente dossiê, além, é claro, de instigantes discussões e reflexões historiográficas sobre a própria constituição da história política como campo de estudos.
No primeiro artigo, o leitor encontrará uma discussão de cunho historiográfica. Em seu texto, Moisés Stahl abordou o chamado “retorno do político” discutindo as formulações de autores como Roger Chartier, Pierre Rosanvallon, Christian Edward Cyril Lynch e René Rémond.
Na publicação seguinte, Juliana Cristina da Rosa analisou a contribuição de Jürgen Habermas para a Nova História Política, enfocando, sobretudo, a relação entre Dignidade Humana e Direitos Humanos. De modo contundente, demonstrou como o teórico alemão criticou o “mau uso” dos direitos humanos como discurso legitimador para ações intervencionistas – e imperialistas – empreendidas por governantes dos Estados Unidos da América.
Já Raphael Silva Fagundes procurou analisar os discursos proferidos pelos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), descortinando peças de retórica que buscavam legitimar, a partir da noção de progresso, a presença da associação oitocentista no cenário político. Para tanto, enfocou pronunciamentos nas sessões de aniversário do IHGB.
No quarto texto, Pedro Henrique de Mello Rabelo e Cláudia Maria das Graças Chaves trataram da Abertura dos Portos (1808) e do comércio britânico no Brasil tendo como fonte a correspondência do cônsul estadunidense Joseph Rademaker com o governo luso. Refletiram, igualmente, sobre os conceitos de metrópole, colônia, império e sistema colonial.
As biografias acerca de D. Pedro II constituem o escopo do artigo veiculado na sequência. Nele, Mauro Henrique Miranda de Alcântara discutiu o trabalho da antropóloga Lilia M. Schwarcz (As Barbas do Imperador, 1998), bem como os livros dos historiadores José Murilo de Carvalho (D. Pedro II, 2007) e Roderick J. Barman (O Monarca-Cidadão, 2013).
Já os primeiros momentos da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial foram abordados por Paulo Sérgio da Silva e Honorato C. Chagas. Dentre outros temas, trataram da implantação e execução das medidas tomadas pelo governo de Getúlio Vargas em busca dos recursos financeiros, abastecimento de materiais, reorganização produtiva e treinamento da defesa passiva civil.
Os resultados obtidos em dois diferentes estudos ensejaram as reflexões de Douglas Souza Angeli e Marcos Jovino Asturian. No trabalho, os autores abordaram o papel exercido por jornais nas campanhas eleitorais no Rio Grande do Sul. A partir de periódicos de circulação local e / ou regional, analisaram as estratégias discursivas adotadas nas campanhas eleitorais de cidades gaúchas na década de 1950.
No oitavo artigo, Samuel da Silva Alves e Cleusa Maria Gomes Graebin examinaram um discurso de Leonel de Moura Brizola, proferido num evento organizado por acadêmicos da Faculdade de Ciência Política e Econômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em meados de 1961, momento em que o político ocupava o cargo de governador do Estado.
Já no nono texto, os pesquisadores estabeleceram relações entre literatura, política e ditadura militar no Brasil. Marcio Luiz Carreri e Francislaine A. Carvalho discutiram a peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, escrita em 1933 e encenada, três décadas depois, no Teatro Oficina.
Rock e política compõem o mote para o texto publicado na sequência. Em seu artigo, Paulo Gustavo da Encarnação procurou abordar a relação entre rock e política interpretando versos e acordes de canções como O adventista (banda Camisa de Vênus) Fé nenhuma (banda Engenheiros do Hawaii) e Ideologia (Cazuza).
O último texto da presente edição foi redigido pela pesquisadora argentina Magdalena López. No artigo, López refletiu acerca da história política do Paraguai contemporâneo, buscando compreender, principalmente, os fatores que influenciam a formação e o modelo atual de democracia paraguaia.
Além dos onze artigos, publicamos uma entrevista realizada com a professora Alisolete Antônia dos Santos Weingartner. Na conversa, a pesquisador tratou dos estudos sobre o Movimento Divisionista, a Divisão do Estado de Mato Grosso e a criação de Mato Grosso do Sul. Dentre outros temas, também abordou o seu novo livro, intitulado “Mato Grosso do Sul: a construção de um Estado”.
Por fim, desejamos uma excelente leitura para todos / as que tenham interesse numa publicação de história sem, obviamente, abrir mão do contato com outras disciplinas e / ou áreas do conhecimento, como bem enseja à referência aos escritos de Michel Foucault na epígrafe aqui reproduzida.
Aquidauana-MS, 2016.
Notas
1. FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. 6.ed. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 2000, p. 20.
2. RÉMOND, René. (org.) Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / FGV, 1996, p. 10.
3. Idem, ibidem, p. 35.
4. Idem, ibidem, p. 35-6.
5. BORGES, Vavy Pacheco. História e política: laços permanentes. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH, n.º 23 / 24, set 91 / ago 92, p. 16.
6. Não se pretende afirmar que os pesquisadores brasileiros começaram a trabalhar com os objetos citados nos últimos anos. Tomemos, por exemplo, o caso da mídia. Há muito tempo a imprensa escrita é objeto de estudo para os historiadores, como podemos observar a partir dos estudos de SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Civilização Brasileira, 1966, CAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Lígia. O Bravo matutino: imprensa e ideologia: o jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980 ou CAPELATO, Maria Helena Rolim. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista (1920- 1945). São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. Procuramos salientamos somente que os historiadores tem se ocupado com maior frequência de tais objetos.
7. RÉMOND, René. Do Político. _____. (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / FGV, 1996, p. 443-444.
8. Considerar a proposição do autor para uma história conceitual do político. Cf. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político. Revista Brasileira de História. v.15, n.º 30, p. 9-22, 1995.
9. ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010, p. 42.
10. E aqui pensamos em poder também tendo em mente as formulações de Bourdieu. Cf. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
Edvaldo Correa Sotana – Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: sotana.ufms@gmail.com
Carlos Martins Junior – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: martinscjr@gmail.com
Miguel Rodrigues de Souza Netto – Doutor em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: miguelrodrigues.snetto@gmail.com
SOTANA, Edvaldo Correa; MARTINS JUNIOR, Carlos; SOUZA NETTO, Miguel Rodrigues de. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.8, n.15, 2016. Acessar publicação original [DR]
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