“O que me interessa não é tanto a relação do texto com a sociedade, é a transformação da sociedade em texto.” [1]
Faz décadas que críticos literários, historiadores, antropólogos, filósofos e sociólogos participam, juntos, do debate interdisciplinar sobre as relações entre história e ficção. Essa discussão assumiu diversas formas: sondou as aproximações da história com a(s) verdade(s); explorou as textualizações da vida social; refletiu sobre mecanismos de construção e invenção de contextos; reconheceu diferenças e semelhanças nos procedimentos narrativos; percebeu a contaminação que todo diálogo implica; reiterou a autonomia conceitual e estética das representações ficcionais e historiográficas.
Intelligere propõe-se a contribuir para esse debate: neste número e no próximo – dois dossiês – a revista apresenta textos que percorrem obras ficcionais e historiográficas, que partilham a inquietação, a angústia e o fascínio de contrastar perspectivas diferentes, perceber como elas se encontram e divergem, do mesmo modo que se constroem reciprocamente.
O primeiro dossiê é composto por sete textos e uma entrevista. Na entrevista (inédita), o escritor Milton Hatoum discute aspectos da construção literária, seus vínculos com a memória e a história e o lugar da ficção no mundo, seus esforços e compromissos. Júlio Pimentel Pinto reflete sobre os signos da arte e o trabalho da memória num romance de Milton Hatoum. Francine Iegelski interpreta as diversas faces do tempo, particularmente a trágica e a melancólica, a partir da literatura de Raduan Nassar e de Milton Hatoum. Stefania Chiarelli propõe uma visão da presença dos emigrantes em determinadas obras da literatura brasileira, percebendo como estas narrativas contribuem para promover um ponto de vista específico sobre o próprio conceito de nação. Ingrid Robyn analisa barroquismo e maravilha na obra do cubano Alejo Carpentier e do brasileiro Euclides da Cunha. Alberto Schneider apresenta um estudo sobre as polêmicas entre Silvio Romero e Machado de Assis, lançando luz sobre o ambiente intelectual brasileiro do fim do século XIX. Daniel Puglia e Débora Reis Tavares tratam de textos de George Orwell que estabelecem nexos entre história, socialismo e literatura no entre-guerras. Eduardo Ferraz Felippe explora as relações entre futuro, experiência e sentido na obra do argentino Ricardo Piglia.
No próximo número, a discussão continua. Inclusive porque Intelligere sabe que ela é longa, necessária e prazerosamente infinita.
Nota
1. Antonio Candido. Entrevista 30 / 09 / 1996. In: Luiz Carlos Jackson. A tradição esquecida: Os parceiros do rio Bonito e a Sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2002. p. 170.
Julio Pimentel Pinto (USP)
Francine Iegelski (UFF)
Stefania Chiarelli (UFF)
Comitê organizador
PINTO, Julio Pimentel; IEGELSKI, Francine; CHIARELLI, Stefania. Apresentação. Intelligere – Revista de História Intelectual. São Paulo, v. 2, n. 2, 2016. Acessar publicação original [DR]
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