História e Linguagens / Albuquerque: Revista de História / 2016
É com imensa satisfação que apresentamos a@s leitor@s de albuquerque: revista de história o dossiê História & Linguagens, conjunto temático de textos proposto com vistas à socialização e debate de pesquisas referentes ao amplo campo de contato interdisciplinar dos estudos da História e das mais distintas Linguagens, em suas diferentes facetas e suportes.
A História, tomada como forma específica de se conhecer e compreender o mundo, passa por transformações, na medida em que a sociedade se transforma e ela não é outra coisa que não um produto humano. É possível que essa seja uma afirmação óbvia, entretanto, em um período como esse no qual estamos inseridos, tão afeito a naturalizações, talvez não seja algo ruim retomar algumas premissas.
A História tem sido elaborada muito próxima a outras formas de compreender o mundo, por vezes sendo confundida com elas. Não somos @s primeir@s, claro. Na construção das hegemonias no vasto campo do ato de conhecer o mundo as tensões entre pensador@s, suas escolhas, suas incursões até outros campos, são percebidas.
Assim, a História já esteve muito próxima das artes, da filosofia, de outras narrativas e ciências. Num rasgo de necessidade, entretanto, inseridos no processo de cientificização da sociedade ocidental característico de fins do século XVIII e do século XIX, seus artífices buscaram o afastamento. Retirados, se impunham a tarefa de elaborar as fronteiras do campo, acompanhado de seus modos específicos de analisar, compreender e narrar as sociedades humanas no tempo. E isso foi feito.
Entretanto, o interesse em dialogar com outros campos, de nos aproximarmos de outras leituras de mundo e suas ferramentas, tem sido uma constante. As fronteiras, que em um primeiro momento foram tomadas como muros servindo para nos separar, foram sendo modificadas e tornadas zonas de contato. ´
Em diálogo com as Ciências Sociais os conceitos foram ampliados, o conjunto de fontes foi tornado quase ilimitado. Tomar de empréstimo à Antropologia o seu largo conceito de Cultura possibilitou um século de avanços robustos na compreensão das ações humanas no seu embate cotidiano com a natureza e entre sujeitos. Os estudos da psiquê, aqueles da economia, da política e tantos mais foram sendo observados e, em alguma medida, apropriados no fazer histórico e historiográfico.
Quando observamos dessa maneira a elaboração do conhecimento histórico, não causa estranheza que, à medida em que novos objetos foram introduzidos no corpo social, eles foram também tomados como forma de acessar os sujeitos e suas ações, agregados a tantos outros que estavam ali há mais tempo. Historiador@s que utilizam a arte para elaboração de suas interpretações podem ser observados desde o século XIX, a exemplo de Jacob Burckhardt e sua Cultura do Renascimento na Itália.
Na produção histórica brasileira, entretanto, é possível perceber a partir de meados dos anos 1990 o aparecimento cada vez mais frequente de trabalhos elaborados a partir do diálogo com as Linguagens e / ou que tomaram / tomam objetos estéticos como corpus documental, exclusivo ou não.
A difusão de autores como Edward P. Thompson, Raymond Williams, Roger Chartier, entre outros, nos cursos de História, foi um movimento importante, responsável por parte dessa ampliação do paradigma histórico nestas plagas. Mas, a partir de fins dos anos 1990, esse tipo de produção historiográfica se torna mais comum no Brasil, possibilitando um continuado incremento desta zona de contato, alargada.
Assim ansiamos, nesse dossiê, verticalizar reflexões e debater teórica e metodologicamente a relação entre história e as linguagens artísticas, a produção virtual, os movimentos de cultura, em suas diversas temporalidades e feições e representações, e os embates intelectuais que de tais expressões surgem.
O dossiê História & Linguagens foi composto como segue: o texto de abertura é de Janaina Cardoso de Mello, intitulado Os crimes contra mulheres nas fontes do Arquivo Geral do Poder Judiciário em Sergipe (1878-1935): cotidiano de poder, denúncias e impunidade; fruto de pesquisa da autora baseada na análise e cotejamento de cinco documentos encontrados naquele arquivo e que possibilitam a compreensão de um cotidiano de violência contra mulheres e impunidade de seus algozes em Sergipe, na passagem do século XIX para o século XX.
O artigo seguinte, Turismo literário: uma análise sobre autenticidade, imagem e imaginário, de autoria de Fernanda Naves Coutinho, Diomira Maria Cicci Pinto Faria e Sergio Donizete Faria, foi escrito com vistas a ampliar o conhecimento sobre esse segmento turístico, inserindo-o em uma teia ampliada de relações advinda da produção, circulação, ressignificação, apropriação de bens culturais, materiais e imateriais.
Já Alessandro Henrique Cavichia Dias busca compreender o processo de travessia de Sérgio Reis de uma carreira de cantor romântico ligado à Jovem Guarda para o mundo do cancioneiro rural, alterando toda a sua performance, inclusa sua indumentária, mas, sobretudo, no que tange ao próprio ritmo, instrumentação, etc. No artigo “O caminho do sertão”: a construção e a concretização da imagem de Sérgio Reis como intérprete da moderna música rural, Dias analisa como uma nova estética caipira seria elaborada pelo cantor, aproximando campo e cidade.
Ceildes da Silva Pereira & Fernanda Correa Silveira Galli tomam como objeto de análise um dos mais relevantes acontecimentos da história recente do país, a aprovação da PEC 241 / 2016, por meio da qual foram limitados os gastos governamentais pelo prazo de vinte anos. Discursos da / na mídia digital: efeitos de sentido sobre a PEC 241 é a análise das autoras, baseada na Análise do Discurso de linha francesa, sobre a construção discursiva daquele fato.
O texto de Wallace Lucas Magalhães, O imaginário social como um campo de disputas: um diálogo entre Baczko e Bourdieu, volta-se para a compreensão teórica das ciências humanas e sociais a partir dos conceitos de imaginário social (de Baczko) e campo (de Bourdieu), inserindo tal processo nas transformações sociais e intelectuais a partir dos anos 1960 na Europa, considerando o permanente imbricamento entre o real e o simbólico.
O artigo de Elite Borges Lopes, intitulado Comunidade da Ilha do Bananal: auto-organização da população em situação de rua na cidade de Cuiabá-MT, encerra esse dossiê. A autora transita pelas ruas da Ilha do Bananal, no centro da capital mato-grossense, e percebe ali a organização da população em situação de rua por meio de seus arte-fatos. Uma bela análise de vivências expressas também na arte pouco observadas pela academia brasileira, ou, ainda, pouco observada por quem quer que seja.
Esperamos que @s leitor@s apreciem as presentes reflexões que reafirmam os diálogos entre as áreas do conhecimento que elaboram análises sobre as sociedades contemporâneas por meio dos mais distintos suportes e com várias nuances, considerando a produção intelectual e artística como expressão relevante da sociedade global.
Na Seção de Artigos Livres, estão quatro outros trabalhos.
Partindo da interpretação de que, desde o período imperial, notadamente a partir da guerra contra o Paraguai (1864-1870), a fronteira oeste se tornaria objeto de interesse e de políticas do Estado nacional, Carlos Alexandre Barros Trubiliano escreve seus Apontamentos sobre as frentes pioneiras na Zona da Mata Rondoniense (1970-2000).
Eduardo Giavara compreende a fronteira como espaço de tensionamento; considerando essa premissa, no artigo As fronteiras do desconhecido: civilização e barbárie no oeste paulista, analisa os processos migratórios do século XIX e as transformações sociais havidas no oeste paulista em decorrência delas, no período que vai da publicação da Lei de Terras (1850) até a aquele da reorganização política daquela região por meio da chegada dos trilhos na cidade de Salto Grande.
Cesar Magolin, no artigo Política operária no pré-64: história e crítica, busca compreender a construção de uma política operária a partir das formulações do Partido Comunista Brasileiro (PCB), inserindo tal fenômeno no amplo e complexo processo político nacional e internacional que precederia o golpe de 1964.
Finalmente, Isabel Camilo de Camargo analisa o processo de formação de Sant’Ana de Paranaíba baseada no âmbito da história ambiental, considerando os embates e apropriações do corpo social com a natureza no tempo, no artigo intitulado Fontes históricas e a ocupação de Sant’Ana de Paranaíba no século XIX: possibilidades para se pensar a História Ambiental.
Miguel Rodrigues de Souza Netto – Doutor em História pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: miguelrodrigues.snetto@gmail.com
Edvaldo Correa Sotana – Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: sotana.ufms@gmail.com
Carlos Martins Junior – Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Docente do Curso de História do Campus de Aquidauana da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: martinscjr@gmail.com
SOTANA, Edvaldo Correa; MARTINS JUNIOR, Carlos; SOUZA NETTO, Miguel Rodrigues de. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.8, n.16, 2016. Acessar publicação original [DR]