O conjunto de textos que compõem o presente dossiê tem como espoco analítico abordar o campo de estudo da “historiografia” a partir de temáticas, temporalidades, prismas teóricos diversos. Há abordagens, por exemplo, que variam desde o estudo do trato dado a noção de história por Hannah Arendt até as configurações da historiografia regional de Mato Grosso. Como o leitor poderá observar, a riqueza das discussões reside justamente na tentativa de aproximação desta diversidade de olhares e de concepções sobre Teoria, Historiografia e História.
Dentro deste cenário, a proposta de Ricardo Gião Bortolotti, eminente filósofo de formação densa nos quadros da UNESP e PUS-SP e professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista (UNESP–Assis), em seu estudo “Vagueza e indeterminação na noção de História de Arendt” centra-se na análise de alguns escritos de Hannah Arendt a respeito da narrativa histórica à luz das leituras das teorias da cognição e do signo de Charles S. Pierce, numa lógica de aproximação entre o “modo de conceber o pensamento e a linguagem” em ambos como frutos da experiência e da indeterminação, o que lhes conferiria status de narrativa livre para além das “regras transcendentais”.
Em seguida, somos brindados com uma perspicaz discussão sobre o papel dos intelectuais no mundo social, feita com clareza ímpar pelo historiador Rodrigo Davi Almeida, professor do Departamento de História da UFMT, autor de um doutoramento e de um livro (Sartre no Brasil: expectativas e repercussões, UNESP, 2009) a respeito de ninguém menos que Jean-Paul Sartre, certamente um dos intelectuais mais expressivos e combativos do século XX. A discussão feita por Rodrigo Davi Almeida sobre esta temática contribui para os estudos historiográficos na medida em que delimita, com clareza, as posições de três importantes teóricos a respeito deste campo, a saber: o historiador Jean-François Sirinelli; o filósofo Jean-Paul Sartre e o cientista político Norberto Bobbio. As noções de engajamento e fazer político são centrais neste estudo.
Milton Carlos Costa, historiador com formação sólida entre a escola europeia (Leuven-Bélgica) e a brasileira (USP), com um diálogo inicialmente forte com o marxismo e posterior aproximação com a historiografia da Escola dos Annales, é professor Livre-Docente do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP-Assis, e nos apresenta aqui um estudo intitulado “Duby: uma perspectiva histórica sobre as mulheres medievais”. Neste texto o autor aborda, de forma detalhada, uma das temáticas mais instigantes do medievo no século XII, o casamento e o papel social das mulheres. Desenvolve tal temática por meio de interpretação e análise minuciosa do livro Heloísa e Isolda e outras damas do século XII, obra de um dos mais importantes historiadores do período, Georges Duby, medievalista que expressa uma forma de historiografia francesa proveniente da Escola dos Annales e que, nesta obra, demonstra com sutileza “como as mulheres medievais foram submetidas às mentalidades e práticas de controle de uma sociedade profundamente misógina”.
O quarto texto deste dossiê é de Cândido Moreira Rodrigues, historiador vinculado ao Departamento e ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMT, autor de A Ordem: uma revista de intelectuais católicos-1934-1945 (Autêntica, 2005) e Intelectuais & Comunismo no Brasi: 1920-1950 (EdUFMT, 2011). Formado na escola historiográfica paulista e com forte diálogo com a historiografia francesa, política e cultural, o autor apresenta aqui o texto “Notas sobre a ‘fortuna crítica’ do intelectual Alceu Amoroso Lima”, onde mapeia e descreve os alguns dos principais trabalhos (teses, dissertações e livros) a respeito do crítico literário, político e religioso Alceu Amoroso Lima produzidos recentemente. O texto serve como uma das muitas referências para os pesquisadores e estudiosos da trajetória deste importante intelectual das letras e da pólítica brasileira, embora não se pretenda e nem apresente uma recensão completa e absoluta dos trabalhos sobre este intelectual.
O estudo que encerra esta seção é fruto do trabalho coletivo dos historiadores Vitale Joanoni Neto, Maria Adenir Peraro, Otávio Canavarros e Fernando Tadeu de Miranda Borges: todos professores do Programa de Pós-Graduação em História da UFMT e com importante produção sobre a história do Brasil, com ênfase na sua interface com as especificidades do regional, neste caso a historiografia de Mato Grosso. Os autores são formados nas tradições intelectuais das escolas, paulista (USP, UNESP) e paranaense (UFPR), com trabalhos que transitam nos campos da história econômica, história social e história cultural. O texto apresentado é fundamental para a compreensão de parte da formação do campo dos estudos historiográfico sobre o Mato Grosso, neste caso com destaque para a produção dos historiadores vinculados às instituições universitárias de Mato Grosso: Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade do Estado de Mato Grosso. Destaca-se a análise a respeito do processo de construção de parte do campo historiográfico mato-grossense, expresso tanto por meio da formação dos quadros profissionais, entre as décadas de 1980 e 2000, quanto pela consolidação das Instituições de Ensino e Pesquisa no Estado. Sendo assim, este dossiê é encerrado com este texto classicamente exemplar, onde o leitor poderá visualizar a formação do “campo” historiográfico mato-grossense por meio do olhar de alguns dos seus expoentes e igualmente depreender as mudanças no seu interior a partir das aproximações e distanciamentos, teórico-epistemológicos, entre os agentes e gerações.
Cândido Moreira Rodrigues – Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: candidorodrigues2024@gmail.com
RODRIGUES, Cândido Moreira. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.5, n.1, jan / jul, 2012. Acessar publicação original [DR]
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