História e Historiografia do Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2012
As últimas décadas do século XX colocaram em pauta o instante, o presente em contraposição ao “império do passado”. A hipertrofia do presente, resultado de outras formas de experimentação e interpretação do tempo, operou mudanças substantivas na escrita da História. A narrativa histórica configura o tempo histórico ao pautar percursos possíveis de horizontes de expectativas e futuros tornados presentes. A recusa de uma relação antiquária com o passado e o entrecruzamento de temporalidades apresentou à História um passado com novas potencialidades. Mas esse deslocamento na relação com o tempo apresenta armadilhas e exige cuidados ainda mais atentos por parte do historiador. Potencialidades e limites de uma escrita da História sob o domínio do presente foram amplamente discutidos nas conferências, mesas redondas e simpósios temáticos no I Seminário Internacional História do Tempo Presente, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina e ANPUH-Seção-Santa Catarina, realizado entre os dias 07 e 09 de novembro de 2011, na cidade de Florianópolis / Brasil.
Entendemos que a discussão está apenas começando. Nesse sentido, como contribuição ao debate, apresentamos aos leitores um Dossiê especial o qual chamamos História e Historiografia do Tempo Presente, composto por reflexões expressas nas conferências apresentadas, naquela ocasião, pelos autores convidados e que tiveram participação significativa nas discussões em pauta no Seminário de 2011.
O historiador francês François Dosse abre o dossiê com o tema de sua conferência de abertura: História do tempo presente e historiografia. Dosse apresenta um conjunto de reflexões que visa, por um lado, historicizar a emergência do tempo presente como campo historiográfico e, por outro, inferir sobre os problemas e desafios presentes na escrita da História do Tempo Presente.
Na sequência trouxemos a conferência de encerramento feita por Michèle Lagny, professora da Universidade Paris III. No texto Imagens audiovisuais e história do tempo presente apresentam-se discussões sobre o interesse pelo audiovisual por parte dos historiadores, no momento em que emerge o conceito de história do tempo presente, na França.
O texto Narrativas del yo y memorias traumáticas de Leonor Arfuch, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), foi alvo do debate proposto pela Mesa Redonda História e narrativas. Partindo da premissa que as narrativas do eu invadem e dilatam o horizonte cultural contemporâneo, a autora problematiza o sujeito e sua fala, evidenciando o testemunho como narrativa, e as muitas formas possíveis nas quais a experiência traumática traduz-se em narrativas do eu.
Por sua vez, Pablo Pozzi, professor e diretor do Programa de História Oral da Universidade de Buenos Aires (UBA) e Presidente da Associação de História Oral da República Argentina, assina o texto Esencia y práctica de la historia oral que fez parte da Mesa Redonda Memórias e Identidades. O autor se propõe discutir a relação entre história, história oral e a história do presente. Parte-se do pressuposto de que as fronteiras entre essas áreas não são fixas, posto que estão articuladas e que se distribuem e se organizam por meio dessa articulação.
Fechando o dossiê temos o historiador Hernán Ramírez que participou da Mesa Redonda Culturas políticas e tempo presente. O texto Política e tempo presente na historiografia das ditaduras do Cone Sul da América Latina abordou a relação entre política e tempo presente que se estabeleceu em torno da produção historiográfica sobre as ditaduras do Cone Sul da América Latina. O autor se dedicou a analisar de que formas o presente vivido pelos pesquisadores e a sua relação com a política interferiram nas pesquisas sobre as ditaduras que tiveram lugar nessa região.
Dos artigos de demanda contínua selecionamos aqueles que possuem relações ou que possibilitam o diálogo com o tema do Dossiê. Exemplo são as questões levantadas pelo historiador Fábio Henrique Lopes, professor da UFRRJ, no artigo Reflexões sobre a operação historiográfica: diálogos e aproximações possíveis sobre a operação historiográfica no tempo presente. O autor se propõe a identificar e analisar as implicações políticas do fazer histórico, os limites e desafios desse saber, bem como as referências epistemológicas que orientam a produção do conhecimento historiográfico.
Cláudio Pereira Elmir, professor da UNISINOS, analisa o livro Uma vida em trânsito. Memórias de um homem entre duas culturas (1998), do intelectual argentino / chileno naturalizado americano desde 2004, Ariel Dorfman, no artigo As palavras que cabem no trânsito da vida: memórias de Ariel Dorfman. Com base na leitura do livro de memórias de Dorfman, busca-se verificar de que maneira o autor traça as razões da aproximação de um homem vinculado a projetos de esquerda na América Latina com as referências culturais norte-americanas.
O Povo Novo Brasileiro: Mestiçagem e identidade no pensamento de Darcy Ribeiro, de Flávio Raimundo Giarola, analisa a obra de Darcy Ribeiro, sobretudo o livro O Povo Brasileiro (1995), enfocando a relação entre mestiçagem e identidade no pensamento do autor. O objetivo é dotar de inteligibilidade a identificação do Brasil como um povo novo, ou seja, uma entidade étnica ímpar, surgida da mistura de povos distintos e com diferentes características raciais, culturais e linguísticas.
Relações internacionais são abordadas de formas e temas distintos em dois artigos que encerram essa seção. Nova Varsóvia, laboratório de ocupação ou ninho de terroristas? A Faixa de Gaza e a vida nua, de Fábio Bacila Sahd, que problematiza a política securitária de Israel em relação à Faixa de Gaza, por meio de análise da pertinência de considerar Gaza como imunitas, campo e homo sacer, tendo por base conceitos que pensam a política na modernidade. A guerra ao terror e a privatização da força: uma primeira análise do uso de companhias militares privadas nas intervenções estadunidenses no pós-onze de setembro, de Priscila Borba da Costa, discute historicamente as companhias militares privadas e sua progressiva presença nas intervenções militares, promovidas pelos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria, a partir de um recorte específico – o período da “Guerra ao Terror” promovida pelo governo Bush.
A seção Resenhas é iniciada por Gabriela Dalla-Corte Caballero sobre o livro organizado por QUIJADA, Mônica (ed.). De los cacicazgos a la ciudadanía. Sistemas políticos en la frontera, Río de la Plata, siglos XVIII -XX. Berlin: Gebr. Mann Verlag, 2011. A resenha destaca a utilização do termo “Cacicazgo” vinculado à antiga “República de Índios” no período colonial hispânico e central na investigação histórica sobre a independência e a construção da nação argentina.
Marilda Marques, mestranda em História pela UNIOESTE, apresenta a resenha do livro de STEIN, Marcos Nestor. “O Oitavo Dia”: produção de sentidos identitários na Colônia Entre Rios-PR (segunda metade do século XX). Guarapuava: UNICENTRO, 2011. O livro aborda a identidade étnica alemã por meio da investigação sobre como a identificação “suábios do Danúbio” foi elaborada, imaginada, e por meio de quais marcos cristalizados nos discursos sobre a história do grupo é fomentado o sentimento de pertencimento, de (re)criação de um “eu” coletivo na colônia Entre Rios, localizada no município de Guarapuava, Centro Sul do estado do Paraná.
Como uma homenagem à historiadora que contribuiu significativamente para a difusão do conceito e ampliação das pesquisas sobre cultura política no Brasil, o mestrando em História da UDESC Felipe de Sousa Lima Vasconcellos resenhou a nova edição do livro organizado por GOMES, Ângela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. 3. ed. Rio de Janeiro: Ponteio, 2011. Ângela de Castro Gomes é reconhecida como um dos principais nomes da historiografia nacional quando se trata do período getulista e da abordagem historiográfica utilizando conceitos como cultura política e cultura histórica. A obra, composta por artigos escritos por estudiosos de várias áreas do conhecimento, trata dos anos 1950 por meio de uma perspectiva plural. Lançada pela primeira vez em 1994, chega a sua terceira edição, para a satisfação de quem busca abordagens diferenciadas acerca desse período conturbado e importante da História do nosso país.
Outra homenagem, dessa vez a Walter Benjamin, foi feita por Chrystian Wilson Pereira ao resenhar o livro de MARX, Ursula; SCHWARZ, Gudrun; SCHWARZ, Michael; WIZISLA, Erdmut (eds.). Archivos de Walter Benjamin. Fotografías, textos y dibujos. Tradução de Joaquín Chamorro Mielke. Madrid, (Círculo de Bellas Artes / Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales), 2010. Publicado inicialmente na Alemanha em 2006, para acompanhar uma mostra da Academia de Artes de Berlim, o livro também foi divulgado juntamente com uma exibição de arquivos de Benjamin realizada pelo Círculo de Belas Artes de Madrid. Os autores da publicação espanhola organizaram 13 capítulos, cada um deles precedido por citações do próprio Benjamin e acompanhado de pequenos textos introdutórios ao material apresentado no original alemão. Destaca-se, na edição espanhola, a qualidade de reprodução das imagens e digitalizações dos manuscritos. Grande parte do material não ganhou tradução para o espanhol, salvo algumas legendas de fotografias, notas explicativas e bilhetes, além de listas de frases e palavras proferidas por Stefan, filho de Benjamin, e anotadas por este.
Organizamos este volume 4, volume 1 de 2012, como contribuição ao adensamento das discussões relativas à escrita de uma história consequente dos temas relacionados ao presente, e esperamos que os leitores aproveitem a leitura!
Os Editores
Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.4, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]