História e filosofia da ciência: Produção científica e circulação de repertórios | Temporalidades | 2021
A Revista Temporalidades, edição número 36 contempla o dossiê, “História e Filosofia da Ciência: Produção Científica e Circulação de Repertórios” e apresenta uma abordagem transdisciplinar conjugando as epistemologias científicas com o processo de produção, divulgação e circulação do trabalho científico, sobretudo para a sociedade em geral. Assim, entendemos a importância de buscar reflexões sobre tais eixos temáticos (ciência, história, epistemologia e divulgação científica), haja vista o entendimento de que, historicamente, a produção científica está associada a um projeto de divulgação do desenvolvimento tecnológico e técnico assim como da ampliação dos saberes científicos.
É neste processo, que percebemos a importância da linguagem na produção deste conhecimento e na sua divulgação, uma vez que a linguagem de cada pesquisador se encontra protegida pela especificidade de seus próprios códigos. Sobremodo, interrogar o uso e a finalidade dessa linguagem em seu desdobramento político e social torna-se imprescindível para perscrutar os sentidos do trabalho do pesquisador e de sua produção, assim como entender o alcance da contribuição desta atividade para a sociedade. Nesse caso, é preciso repensar a linguagem e a mobilização de repertórios do discurso científico articulado por meio de uma linguagem hermética e específica, a qual cria dificuldades de intepretação até mesmo para os seus principais interlocutores (membros da comunidade científica).
Se entre os ditos pares tal linguagem torna-se uma dificuldade para a promoção de um determinado conhecimento, ressalta analisar os efeitos desse discurso na população em geral, que é suscetível à cenários de negacionismo e divulgação de falsas informações. Com efeito, faz parte desta edição tentar compreender sobre a perspectiva da Filosofia, da Historicidade e da Linguagem como essas dificuldades de comunicação e divulgação científicas poderiam ser superadas. Qual o lugar do conhecimento científico na sociedade? Ser algo hermético, inacessível ao cidadão comum para além do uso acrítico deste conhecimento? Como conviver com a própria natureza da ciência em seu inexorável caminho da especificidade, que gera abismos profundos na comunicação entre comunidades científicas e na comunicação e o público em geral?
Não se pode olvidar de que o conhecimento produzido sobre os fundamentos de uma sociedade de elevada desigualdade econômica e dividida em classes, que se antagonizam por interesses diversos, também se localiza distribuído de modo assimétrico e excludente. Por conseguinte, os reconhecidos avanços na produção científica e tecnológica contrastaram com um cenário de analfabetismo e pobreza. Desse modo, não podemos nos eximir deste debate. Ao contrário, nosso intento é fomentar movimentos reflexivos sobre a questão da linguagem científica e os seus usos sociais. Apesar de haver ainda quem defenda o rigor da trama discursiva restrita apenas ao entendimento de seus pares, há aqueles que buscam uma democratização permanente do acesso ao conhecimento científico e tecnológico, percebido como um patrimônio universal da cultura. Também é de interesse realizar o debate sobre a questão da invasão cultural e do respeito a outras formas de produção de saberes, confrontando o multiculturalismo a uma possível uniformização da cultura pela ciência e pela tecnologia.
Buscamos colocar em análise as perspectivas históricas da produção do conhecimento científico e suas epistemologias face a questão da divulgação desse saber para a sociedade e seus desdobramentos na esfera pública, tomando em especial a questão do negacionismo científico (vigente hoje assim como no passado). A ideia é procurar pensar para quem e o porquê da produção do conhecimento científico discutindo os critérios da racionalidade científica em sua ambivalência, considerando o estudo dos fenômenos naturais e como os mesmos são interpretados pelas comunidades científicas localizadas na especificidade do tempo e do espaço social.
Para tanto, nesta edição da Revista Temporalidades buscamos dialogar com as diversas faces da produção e da divulgação do trabalho científico, considerando seus aspectos filosóficos, sociais e culturais. Não obstante, importa observar que estes diálogos se inscrevem segundo uma gramática (Wittgenstein), estilos de pensamento (Fleck) e os léxicos (Kuhn) que funcionam como aportes teóricos e metodológicos, além de servirem como aparatos culturais para a interpretação dos fatos e fenômenos da natureza. A afirmativa destas perspectivas de interpretação dos fatos se impõe posto que a cultura não é apartada do fato, e sem o fato o homem se distancia da cultura.
Boa Leitura !!!!
Referências
FLECK, Ludwik. Gênese de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum Editora Ltda, 2010.
KUHN, Thomas. As estruturas das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
Organizadores
Elizabeth Rouwe – Mestranda em História Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rouweelizabeth@gmail.com
Bárbara Penido – Doutoranda em História Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: bragapenido@gmail.com
Referências desta apresentação
ROUWE, Elizabeth; PENIDO, Bárbara. Apresentação. Temporalidades. Belo Horizonte, v. 13, n. 2, p.29-31, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]