História e Direitos Humanos / Em Tempos de Histórias / 2012

Apresentação

O diálogo intelectual, quando fundado em postura reflexiva é sempre instigante e desafiador. Orientada por essa perspectiva, para apresentar o dossiê História e Direitos Humanos, da Revista Em Tempo de Histórias, dos estudantes do Programa de Pós-Graduação em História da UnB, recorrerei à interlocução, sempre estimulante, com a cientista política Maria Vitória Benevides, que tem se dedicado nos últimos anos a estudos sobre cidadania e direitos humanos.

No que diz respeito aos direitos humanos, sólida compreensão sobre suas características nucleares têm orientado as reflexões de Benevides. São elas: historicidade, universalidade e dignidade da pessoa. Às três acrescenta a qualidade de serem os direitos humanos naturais e, portanto, diferenciados dos direitos da cidadania, que são inscritos em sociedades específicas e orientados por opções políticas e ideológicas.

Dessa forma, conforme análise por mim apresentada no texto intitulado Cidadania e república no Brasil: história, desafios e projeção do futuro, é possível identificar, na história do mundo ocidental, nos tempos da modernidade, diferentes modelos de cidadania, com destaque para: o liberal, o liberal democrático, o da social democracia e o socialista. Cada um deles caracteriza-se por valorizar com maior ou menor ênfase, direitos civis, políticos, sociais e, como definem alguns autores, direitos difusos. A opção, embora equivocada – pois não deveriam ser tomados como contrapostos – pela adesão aos princípios da liberdade ou da igualdade, também orienta esses modelos específicos.

Benevides, todavia afirma que, quando os temas são os direitos humanos e não os direitos dos cidadãos a perspectiva ampla e universal prevalece sobre as especificidades das formações históricas. Nesse sentido, o homem como ser ontológico e histórico deveria, sempre e em qualquer lugar e independentemente de suas escolhas e condições religiosas, étnicas, de gênero, de nacionalidade, de idade e de ideologia, ser respeitado em sua dignidade.

Mas entre o dever ser e realidade concreta usualmente o hiato chega ser intransponível. Por decorrência, nas sociedades democráticas a respeitabilidade ao ser humano e a promoção dos direitos humanos, são melhores incorporados ao cotidiano das pessoas como valor e como prática. O mesmo não ocorre quando predominam experiências políticas autoritárias ou  Trata-se dos direitos sociais, como: educação, saúde, habitação, mobilidade. Esses direitos ganharam maior visibilidade e efetividade com as experiências do Estado de Bem Estar Social.

A terceira geração, dos direitos humanos, refere-se aos direitos coletivos da humanidade. Dizem respeito:

Ao meio ambiente, à defesa ecológica, à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à partilha do patrimônio científico, cultural e tecnológico. (BENEVIDES, s/d: 10)

São considerados, na acepção de Boaventura de Souza Santos como direitos transversais ou sem fronteiras e desde o início do terceiro milênio têm sido identificados como direitos de solidariedade ou fraternidade mundial.

A todos esses direitos, devemos acrescentar o direito à memória e à história que são fundamentos das identidades sociais. Nesse sentido, é preciso criar formas e estratégias de rompimento com o silêncio que usualmente interdita o registro de práticas de violências – caso típico das experiências políticas autoritárias, e de diferentes práticas históricas de exclusão social de: mulheres, homossexuais, minorias étnicas, populações pobres, deficientes, despossuídos, flagelados, crianças abandonadas, idosos, minorias religiosas, minorias tribais, entre outros. Para tanto, o registro documental das experiências históricas e o acesso à documentação à informação são imprescindível.

O Brasil – onde a vigência de um regime autoritário deixou sólida herança de interdição, constrói, no tempo presente, uma fase singular e especial de sua história. Isso porque, após forte esforço coletivo, iniciativas como a da lei de acesso à informação e a da criação da Comissão da Verdade, já estão contribuindo para que o direito humano ao passado e à história ganhe melhor e maior efetividade.

Nessa conjuntura movida por esperança e iniciativas concretas em prol do direito à História e à memória, a escolha do tema História e Direitos Humanos, para o presente dossiê da Revista em Tempo de Histórias é oportuna e sintonizada com relevantes demandas da sociedade brasileira.

A composição do dossiê, por sua vez, demonstra uma especial sensibilidade histórica de seus organizadores. Os artigos que o compõem, em sua heterogeneidade de abordagens e análises, estão altamente sintonizados atual fase da história brasileira de maior valorização dos direitos coletivos da humanidade pessoas têm direito de ouvir e de contar histórias, compartilhando suas memórias e recontando a História”.

Com certeza, a leitura desses artigos em muito contribuirá para reflexões sobre a questão dos direitos humanos, em uma perspectiva abrangente que nos faz protagonistas da história e cidadãos do mundo.

Referências bibliográficas

BENEVIDES, Maria Victória. Direitos humanos e cidadania. Disponível em www.iea.usp.br/textos/benevidescidadaniaedireitoshumanos.pdf.

SANTOS, Boaventura Sousa. “Para uma concepção intercultural dos direitos humanos.” In: A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Cidadania e república no Brasil: história, desafios e projeção do futuro. In: Flávio Henrique Unes Pereira; Maria Tereza Fonseca Dias. (Org.). Cidadania e inclusão social. Cidadania e inclusão social. 1º. Ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Fórum, 2008, v. 1, p. 321-337.

MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

Lucília de Almeida Neves Delgado – Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (UnB).

Acessar dossiê

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.