Quando se toma a história como acumulação crítica de fatos e experiências vividas, fácil se torna perceber sua importância para o estudo do fenômeno jurídico-político. É impossível analisar as instituições jurídico-políticas sem situá-las em um plano histórico, fator de sua justificação e legitimação em determinada época e lugar. Da mesma maneira, o estudo dos fenômenos históricos necessita da análise do ordenamento jurídico vigente à época, condicionante e também condicionado pelo movimento histórico.
No Programa de Pós-Graduação em História, a interdisciplinaridade é fator desejável, com vistas a conjugar duas áreas do conhecimento que apresentam constante interpenetração entre si: a história enquanto ciência humana e o direito enquanto ciência social aplicada. Para tanto, fazem parte da grade curricular do curso as disciplinas História das Instituições Jurídico-Políticas e História e Poder Local.
A primeira tem como objetivo geral fornecer ao aluno embasamento teórico relativo ao fenômeno jurídico enquanto instrumento racional de poder, investigando o processo histórico de formação das instituições jurídico-políticas até culminar em sua análise a partir de um Estado democrático de direito, baseado no fenômeno constitucional.
A segunda visa estudar o fenômeno do poder local e do municipalismo na história regional brasileira, bem como a relação entre a sociedade civil e a sociedade política. Parte-se da análise histórica do poder local, a qual está vinculada ao fenômeno do coronelismo, patrimonialismo, personalismo e clientelismo no exercício do poder político, para chegar à abordagem do poder local em um Estado democrático de direito, inaugurada com a Constituição Federal de 1988. Nas palavras de Rui Barbosa, “não há corpo sem células. Não há Estado sem municipalidades. Não pode existir matéria vivente sem vida orgânica. Não se pode imaginar existência de nação, existência de povo constituído, existência de Estado, sem vida municipal”.
Neste número, História – Debates e Tendências definiu a temática História e direito. Intencionou-se reunir uma amostragem das pesquisas de estudiosos nacionais e estrangeiros, estes fruto dos contatos travados pela organizadora deste dossiê por ocasião do pós-doutorado cursado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no período 2010 / 2011, com apoio da Capes.
Da Itália traz-se o artigo de Fausto Vecchio, intitulado “El procedimiento de codecisión y el principio de subsidiariedad: ¿Un ‘cortocircuito’ democrático?”, que parte de uma análise do constitucionalismo multinível e do princípio da subsidiariedade, abordando a evolução histórico-institucional da atuação do Parlamento europeu nas decisões de âmbito comunitário. O autor tenciona verificar as contradições desse novo processo decisional e seus reflexos na qualidade democrática supranacional.
De Portugal tem-se a contribuição de Jorge Bacelar Gouveia, no artigo intitulado “A abolição da enfiteuse relativa a prédios rústicos à luz da Constituição da República portuguesa de 1976”. Trata-se a enfiteuse de um direito real que se dá quando o proprietário de qualquer imóvel transfere seu domínio útil para outra pessoa, obrigando-a a pagar anualmente pensão determinada, a qual se chama foro ou cânon. O autor faz uma análise histórica do instituto da enfiteuse, confrontando-a com a recente legislação portuguesa, que a aboliu, e apontando as possíveis inconstitucionalidades materiais da legislação ordinária relativa a prédios rústicos.
A contribuição de Angola está presente com o artigo “Administração e governação local em Angola”, de Carlos Teixeira, o qual aborda o poder local na atual Constituição da República de Angola, fazendo uma análise comparativa sobre a temática na anterior lei constitucional angolana. Seu texto consiste na verificação da eficácia do processo de desconcentração, rumo à descentralização em Angola. Para o autor, a desconcentração e, até mesmo, a descentralização e as medidas de políticas públicas destas decorrentes apenas se manifestam eficazes e efetivas, se forem acompanhadas da necessária transferência não só de recursos humanos, mas também de recursos financeiros.
Da Espanha tem-se “La independencia de las repúblicas ibero-americanas en el siglo XIX: rememorando las grandes fechas históricas”, de José Escribano Úbeda-Portugués, em que o pesquisador analisa os processos de independência das repúblicas latino-americanas durante o século XIX, os focos de luta, as bases sociais e ideologias predominantes, enfatizando o nascente republicanismo, para, por fim, analisar as fronteiras políticas e as tendências integracionistas.
Na perspectiva da análise do binômio história / direito numa perspectiva brasileira, o dossiê apresenta três artigos. O trabalho de Ironita P. Machado “História e direito: possibilidades metodológicas” tem a proposta de fomentar uma reflexão sobre as possibilidades teórico-metodológicas e temáticas de pesquisa histórica por meio do diálogo entre a história e o direito, tendo como base as fontes judiciais na perspectiva civil e criminal, bem como o próprio Poder Judiciário na condição de meio e agente à formatação do estado do Rio Grande do Sul.
Em “A família porto-alegrense pelo ‘direito’ e pelo ‘avesso’: a influência do Juizado de Órfãos na organização social”, de José Carlos da Silva Cardozo, é abordada a organização da família popular porto-alegrense no início do século XX e a influência que o Juizado de Órfãos exercia na organização social tendo como parâmetros valores da elite local.
Por fim, o artigo de Janaína Rigo Santin e Lilian Hanel Lang, intitulado “Apontamentos históricos e reflexões acerca do papel do bacharel em Direito na formação das instituições jurídico-políticas brasileiras”, analisa o bacharelismo como fenômeno político e social, cujas raízes históricas estão em Portugal. Isso porque o Brasil não herdou somente a cultura e os costumes de Portugal, mas também a educação ministrada em seus moldes, por meio dos padres jesuítas, e a forma de organização do Estado contribuiu para a relevância do papel de bacharel na sociedade brasileira. Assim, o artigo aborda, inicialmente, a estruturação do aparelho estatal português-brasileiro, no qual o bacharel em Direito passa a ter papel determinante, para, num segundo momento, analisar a conjuntura e a implantação dos cursos jurídicos no Brasil.
Na seção Artigos livres, veicula o trabalho “A dominação na República Velha: uma análise sobre os fundamentos políticos do sistema oligárquico e os impactos da Revolução de 1930”, de Sydney Ferreira de Vasres, que trata do funcionamento e da derrocada da máquina política oligárquica vigente de 1889 a 1930, destacando, de forma panorâmica, a participação popular neste processo.
Por sua vez, Costa, Bezerra e Mendonça assinam “O destino das unidades de produção familiares no meio rural: um estudo sobre a juventude no município de Morro Redondo – RS”, artigo que se debruça sobre a problemática da transmissão do patrimônio fundiário e do êxodo rural.
Encerrando este volume, Cintia Lima Crescêncio resenha a obra Veja sob censura: 1968-1976, da jornalista Maria Fernanda Lopes Almeida.
Os editores, organizadores e autores dos artigos que integram este volume da revista História, Debates e Tendências esperam que os estudos e reflexões nela contidos possam contribuir para a produção de conhecimentos multidisciplinares que envolvam as áreas do direito e da história.
Janaína Rigo Santin – Professora Doutora
SANTIN, Janaína Rigo. Editorial. História – Debates e Tendências, Passo Fundo- RS, v. 11, n. 1, jan / jun, 2011. Acessar publicação original [DR]
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