A revista Tempo e Argumento, do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina, contribuirá para o adensamento dos estudos e debates sobre o Tempo Presente, como foco da historiografia. Se retomam algumas atitudes da historiografia clássica, que se voltava para o relato das experiências vividas pelos próprios autores, os historiadores do Tempo Presente o fazem, contudo, de modo inteiramente novo. Isso se dá porque as temporalidades do que chamamos de presente possuem outras características e pressupõem apropriações socioculturais marcadas por processos e eventos que alteraram os modos de vida de enormes contingentes populacionais, afetados pelo impacto das tecnologias criadas a partir da industrialização e das sucessivas ondas de modernização que refazem cotidianos, experiências e valores.
O tempo presente, como tempo histórico, diz respeito tanto a experiências quanto a expectativas, o que entrelaça passado e futuro. A experiência remete ao passado, a expectativa remete ao futuro. Ambos, passado e futuro, fazem parte do presente, mas de modos diferentes e tensos. Para Reinhart Koselleck, na era moderna “a diferença entre experiência e expectativa aumenta progressivamente, ou seja, só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”. A assimetria entre experiência e expectativa permitiu a instauração de um novo horizonte: o progresso e a crença de que “o futuro será diferente do passado, vale dizer, melhor”. 1
O presente alargou-se: antes, um pequeno lapso, um instante, entre um passado deixado para trás e distinto de um futuro a ser construído, passou a ser experimentado como um “extenso presente”. A História do Tempo Presente, a partir dessa acepção, pode ser entendida como História das intensas mutações culturais que presidem as novas acepções do “tempo histórico”. 2
As guerras totais, a velocidade dos movimentos populacionais em grande escala, a urbanização, a restrição aos modos de vida chamados tradicionais, a defesa de direitos humanos considerados universais e, em especial, a reinvenção de cotidianos pela inserção na vida privada de novas sociabilidades e identificações, fazem com que se renovem sobremaneira os objetos de interesse dos historiadores. O tempo presente apresenta-se, então, sob a forma de práticas, linguagens e discursos que traduzem processos políticos relativos ao âmbito não apenas do Estado, mas das sensibilidades, as quais demandas análises históricas que lhes atribuam densidade, para além do senso comum.
Nesta edição de estréia, a revista Tempo e Argumento, apresenta o dossiê História do Tempo Presente. Este é composto por cinco artigos, escritos por François Dosse, Paulo Kauss, Enrique Serra Padrós, Maria Antonieta Antonacci e Yonissa Marmitt Wadi acerca dos complexos processos de edificação de memórias no campo do político, de imagens do urbano, bem como de discursos historiográficos e institucionais. Na seção de Artigos temos quatro estudos onde temáticas relativas à sociedade brasileira estão em foco: Carla Simone Rodeguero discute a anistia política entre 1974 e 1979; Sonia Menezes a relação entre mídia e a memória; Manoel Dourados Bastos a modernização musical de Mario de Andrade; e Paulo Rogério Melo de Oliveira o turismo histórico. O livro, resenhado por Tiago Losso, aborda a construção do conceito de América Latina pelos norte-americanos. Na seção de Traduções temos o artigo do historiador francês Paul-André Rosental, acerca da historiografia relativa a história das populações, publicado na Revista Annales. Por fim, na seção Fontes para o Tempo Presente temos uma entrevista realizada por Silvia Maria Fávero Arend e Fabio Macedo com o historiador francês Henry Rousso, que dirigiu o Institut d’Histoire du Temp Present (IHTP) entre 1995 e 2004 e uma conferência do historiador espanhol Manuel Peres Ledesma sobre a (des) construção da memória do Franquismo.
Notas
1 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 305-327.
2 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 23-27.
Os Editores.
Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.1, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]
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