História do Paraná: séculos XIX e XX. | Angelo Priori

Recentemente, muitos pesquisadores têm se debruçado e lançado novas luzes ao estudo da história paranaense. Incentivados pela presente obrigatoriedade do ensino de história do Paraná na rede pública estadual, através da Lei nº 13.381/2001, vários historiadores procuram investigar a fundo temas até então relegados da maioria dos intelectuais da terra das araucárias. Assim, vêm se buscando, além de ampliar os horizontes temáticos, teóricos e documentais, desconstruir as visões pragmáticas e estereotipadas que permeiam, muitas vezes, o estudo e o ensino de história do Paraná.

Desse modo, é nessa perspectiva que leva em conta as novas pesquisas e experiências historiográficas – procurando se distanciar de uma história tradicional de caráter puramente oficial – que se localiza e se filia o presente livro, “História do Paraná: séculos XIX e XX”, de autoria de Angelo Priori, Luciana Regina Pomari, Silvia Maria Amâncio e Verônica Karina Ipólito.

De início, na apresentação da obra, os autores se preocupam em deixar claro o objetivo que o livro procura alcançar. Assim, não pretendendo esgotar as análises referentes aos temas selecionados, procura-se “contribuir para o entendimento de história do Paraná, sempre levando em consideração as experiências sociais, econômicas, políticas e culturais do nosso povo, no tempo e no espaço” (PRIORI et al, 2012, p. 11).

Formado por 15 capítulos, que seguem uma estrutura e um roteiro flexivelmente cronológico, a obra vislumbra, de certo modo, um panorama geral da “história vista a partir de seus movimentos sociais, políticos e econômicos. Daí a ênfase nos mais importantes movimentos sociais e políticos que marcaram os séculos XIX e XX” (PRIORI et al, 2012, p. 11).

O primeiro capítulo trata da emancipação política do Paraná. Abordando as inúmeras tentativas (fracassadas) ao longo do século XVIII para a emancipação do Estado paranaense, os autores argumentam que a chave-central da emancipação, só realizada em 1853, foi a preocupação eminente do governo de D. Pedro II com as regiões de fronteira, as quais, vinham constantemente sofrendo assédio político e cultural de argentinos e paraguaios. Já o capítulo seguinte, “A Revolução Federalista e o cerco da Lapa”, trata de analisar, pontualmente, um grande conflito político e militar em que o Paraná (sobretudo geograficamente) desempenhou papel fundamental para o desfecho do referido conflito. Apesar de realizada por gaúchos prós e contras ao governo de Marechal Floriano Peixoto, a Revolução Federalista (1893-1895) ganhou corpo quando os opositores (Maragatos) do então Presidente da província do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, marcharam sobre o Estado gaúcho e posteriormente sobre Santa Catarina e Paraná. Assumindo o controle de Curitiba e do litoral paranaense, os maragatos, sob o comando de Gumercindo Saraiva, só foram parados depois de intensos combates em Lapa, quando “A resistência articulada pelo General Carneiro na cidade de Lapa permitiu que os reforços governistas se organizassem contra os revoltosos” (PRIORI et al, 2012, p. 33). De modo geral, esta seria a atuação política e geográfica do Paraná na Revolução Federalista.

Na sequência, o terceiro capítulo intitulado “A imigração”, discute a importância dos diferentes afluxos migratórios que povoaram e colonizaram o Paraná a partir de meados do século XIX e início do XX. Desdobrando a análise sobre a formação de várias colônias de imigrantes, principalmente de alemães, italianos, poloneses, ucranianos e espanhóis em território paranaense, os autores salientam o fundamental incentivo do governo brasileiro (e estadual) no século XIX para promover a imigração europeia no Paraná e no Brasil de uma forma geral. Além disso, recortando um caso específico de imigração, a obra repercute sucintamente a experiência anarquista no Paraná – intitulada Colônia Cecilia – que foi levada a cabo próxima da atual cidade de Palmeira, às margens do rio Iguaçu, pelo médico veterinário italiano Giovanni Rossi em 1890 (e extinta em 1894).

Já o quarto capítulo, nomeado de “Comunidades quilombolas no Paraná”, traz à tona uma discussão bastante atual. Desnaturalizando a visão de que no Brasil só existiria um quilombo – o de Palmares fundado por Zumbi – os autores definem que quilombo é um “espaço de resgate e afirmação de identidade étnica e cultural” (PRIORI et al, 2012, p. 49). Do mesmo modo, apoiados por significativo material estatístico (mapas e tabelas)1 e construindo ideias gerais da escravidão brasileira amparados pela noção de resistência thompsoniana – os mesmos mostram a interessante e ampla dimensão que os remanescentes de quilombos assumem no Paraná.2 No entanto, o maior crédito do capítulo fica por conta do alerta (e crítica) dos autores para a falta de políticas públicas envolvendo as comunidades remanescentes de quilombos. Isso porque tais grupos vivem em condições extremamente precárias – de habitação, alimentação, saneamento básico e outras estruturas mínimas de sobrevivência – e tornam-se profundamente marginalizados perante a sociedade. Assim, a marginalização aliada ao descaso do poder público faz com que ocorram sérios problemas de legalização e reconhecimento de suas propriedades.

Mudando o tema, no quinto capítulo nomeado “Território Federal do Iguaçu”, é realizada uma análise sobre a criação e as implicações geradas pelo referido território. Sendo forjado no Oeste e Sudoeste do Paraná em 1943, o Território Federal do Iguaçu foi fruto da campanha nacionalista de Getúlio Vargas pela “Marcha para o Oeste” durante a década de 40. Nesse bojo, o presente capítulo levanta questões pertinentes para o aprofundamento do debate, como os supostos benefícios às imobiliárias gaúchas para venda de lotes no novo “Estado” idealizado pelo sul-rio-grandense Getúlio Vargas e a repercussão do caso que incitou várias manifestações de apoio e protesto à criação do território por parte de políticos e de jornais paranaenses.

Sobre o Oeste do Estado ainda, o sexto capítulo denominado “História do Oeste paranaense”, propõe uma discussão que se filia, em partes, ao quinto capítulo referente ao Território Federal do Iguaçu. O que liga ambos é a persistente ideia do “vazio demográfico” e da “marcha para o Oeste” que marcou a colonização da referida região. Nesse sentido, o que mais prende a atenção, tendo em vista a ideia de o Oeste ser uma região de fronteira internacional, são os apontamentos referentes às características de atuação das obrages a partir do fim do século XIX e, posteriormente, das empresas colonizadoras e imobiliárias.

Adiante, o sétimo capítulo intitulado “Cafeicultura no Paraná”, aborda questões relativas ao mais renomado e conhecido produto paranaense em outros tempos, o “ouro negro”, ou seja, o café. Fazendo toda uma trajetória do café no Estado (entenda-se Norte e Noroeste), os autores salientam a influência que o café assumiu na economia brasileira na primeira metade do século XX, sendo responsável por alargar imensamente as fronteiras agrícolas para sua produção e gerar riqueza proporcionada pelo seu cultivo, desenvolvendo cidades, mobilizando a imigração no país e modernizando a agricultura. Já o oitavo capítulo, “Relações de trabalho: colonos, parceiros e camaradas”, vem diretamente ao encontro do sétimo. Isso se deve porque os autores analisam as relações de trabalho na produção cafeeira paranaense. Aliado a isso, denotando uma preocupação constante com o ensino, já que relações de trabalho se remetem às diretrizes curriculares do Paraná, a obra evidencia que essas relações de trabalho, envolvendo as diferentes modalidades (colonos, parceiros e camaradas) além de serem complexas e heterogêneas, abriam margem para todo um debate jurídico em torno da regulamentação de leis referentes aos trabalhadores rurais, os quais não eram contemplados pela CLT na década de 40.

Continuando na temática rural, no nono capítulo intitulado “A modernização do campo e o êxodo rural”, são discutidas, em linhas gerais, as implicações e mudanças políticas e econômicas decorrentes da transição de uma economia agro-exportadora para uma economia urbano-industrial que atingiu o Brasil e de maneira enfática o Paraná na segunda metade do século XX. Nesse contexto, elucidaram-se as questões que ganharam destaque, como o debate sobre a reforma agrária e a perda da autonomia da agricultura (transformada em refém da indústria) que impulsionava o êxodo rural e o desemprego no campo.

Já os capítulos subsequentes destacam as duas revoltas camponesas de maior impacto político e social, ocorridas em solo paranaense no século XX. O décimo capítulo nomeado “A revolta camponesa de Porecatu”, discute como a disputa pela terra entre posseiros e grileiros no extremo Norte do Estado fomentou a fundação de ligas camponesas e instigou a participação ativa do PCB no objetivo de defender e legalizar as terras dos pequenos agricultores. Por outro lado, o 11º capítulo, “A revolta dos posseiros de 1957 no Sudoeste do Paraná”, analisa como os posseiros da referida região – residentes na área incentivados pela instalação da Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO) em 1943 – atuaram em um contexto de intensos litígios territoriais, nos quais, várias companhias colonizadoras (CITLA, Comercial e Apucarana), a União e o próprio Estado do Paraná disputavam judicialmente a propriedade das terras sudoestinas.

O 12º capítulo, intitulado “O Partido Comunista e os movimentos sociais no campo”, desvela entre outras coisas, o processo de criação e consolidação dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais no Norte do Paraná. Mostrando que os sindicatos rurais – mesmo não legalizados perante o Estado, mas legítimos perante os trabalhadores rurais – funcionavam como “válvula de escape” para inclusão e participação social, os autores defendem que tais instituições eram consideradas ameaças comunistas para os grandes latifundiários. Por outro lado, o 13º capítulo, “A Igreja Católica e a Frente Agrária Paranaense (FAP)”, faz o contraponto do artigo anterior. Visando combater o avanço do partido comunista nos movimentos sociais do campo e competir com o mesmo na criação de associações e sindicatos rurais, a Igreja Católica e a FAP construíam “imagens negativas em relação aos sindicatos comunistas, enfatizando o perigo dessa ameaça diante da ‘inocência dos trabalhadores’” (PRIORI et al, 2012, p. 193).

Por fim, os 14º e 15º capítulos encerram a obra discutindo sobre as implicações da ditadura militar nos movimentos sociais paranaenses. O 14º artigo, intitulado “A Ditadura Militar e a violência contra os movimentos sociais, políticos e culturais”, apresenta dentro de um amplo contexto de cessão das liberdades democráticas, como a repressão foi empregada aos movimentos sociais através da Doutrina de Segurança Nacional e dos Atos Institucionais, e como os mesmos grupos e organizações sociais, normalmente ligados à esquerda, resistiam, protestavam e negavam a ordem estabelecida. E o 15º artigo, “A Operação Marumbi no Estado do Paraná”, suscita o debate sobre uma ação empreendida em 1975 pelos militares no Norte do Estado que visava, em linhas gerais, ligar supostos membros subversivos do MDB ao PCB. Assim, lembrando que o MDB era o único partido da oposição legalizado e que no momento havia saído vitorioso nas eleições de 1974, Brunelo analisa as estratégias políticas e ideológicas fomentadas pelos militares para prejudicar politicamente o MDB por um lado e incriminar o PCB, por outro.

Logo, verifica-se finalmente que “História do Paraná: séculos XIX e XX”, reunindo alguns dos mais emblemáticos movimentos políticos e sociais paranaenses, constrói e elenca uma série de temáticas, abordagens e métodos historiográficos que o torna um interessante e profícuo instrumento para o ensino da história do Paraná. Revelando um consistente espírito crítico dos autores, a presente obra torna-se fundamental para expandir o horizonte interpretativo e ampliar o conhecimento dos interessados na história paranaense.

Notas

1. Os estudos e dados estatísticos foram resultado das pesquisas do grupo de trabalho Clóvis Moura e da Fundação Palmares.

2. Até esse ano foram identificadas 34 comunidades de remanescentes de quilombos. O GTCM entende que esse número é inferior a quantidade real de grupos familiares de escravos no Estado. Segundo relatório feito por tal grupo de estudo há mais 20 comunidades esperando certificação (PRIORI et all, 2012, p.56)


Resenhista

Jonathan Marcel Scholz – Mestre em História pela UEM. E-mail: johnnypeavy@hotmail.com


Referências desta Resenha

PRIORI, Angelo et al. História do Paraná: séculos XIX e XX. Maringá: Eduem, 2012. Resenha de: SCHOLZ, Jonathan Marcel. História do Paraná em debate. Diálogos. Maringá, v. 17, n.1, p. 353-359, jan./abr.2013. Acessar publicação original [DR]

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