É com imensa satisfação que apresentamos uma seleção de trabalhos envolvidos com temáticas relacionadas à História do Esporte e da Comunicação. A proposta de organizarmos o presente dossiê surgiu de nosso envolvimento em ambas as disciplinas e da percepção de que existem imensas lacunas e possibilidades na intersecção entre elas. Não obstante, a adesão de pesquisadores nos surpreendeu, tanto pela quantidade de submissões, quanto pelo atendimento a algumas das sugestões e provocações que fizemos na chamada de trabalhos.[3] Neste sentido, foi possível organizar um dossiê com temas diversificados, fato que reforça nossa perspectiva de que existe uma via em construção nos estudos do esporte para pesquisadores de diferentes áreas que dialogam com a História do Esporte e a Comunicação.
Isto posto, convidamos os leitores a apreciarem os artigos. Primeiramente, destacamos três trabalhos que abordam o evento Jogos Olímpicos e dois sobre os Jogos Paralímpicos. Elcio Cornelsen e Izidoro Blikstein escreveram “A utilização da mídia em estratégias de marketing político no contexto da Olímpiada de Berlin” buscando identificar a construção da imagem que a imprensa alemã estabelece no momento da realização do evento utilizando um arcabouço conceitual das áreas de Marketing Político, Mídia e Análise do Discurso. Intitulado “Olimpíadas Rio 2016: A (In) Sustentabilidade do nosso Legado”, o trabalho de Roberta Ferreira Brondani e José Carlos Marques apresenta uma crítica ao suposto legado olímpico a partir de uma comparação entre o que apresenta a página “Rio 2016” no Portal do Comitê Olímpico Internacional e o conteúdo de reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo, dois anos após os jogos. O artigo “Os Jogos Olímpicos jamais foram modernos: um ensaio da antropologia simétrica ao longo da história olímpica”, de Carlos Roberto Gaspar Teixeira e Roberto Tietzmann, se utiliza da perspectiva teórica da antropologia simétrica para problematizar a questão da presença dos “não-humanos” nos Jogos Olímpicos, bem como questionar o caráter moderno desses eventos utilizando como referência conceitual a proposta de Bruno Latour em sua obra Jamais fomos modernos (1994).
No que concerne as Paralimpíadas, o artigo de Tatiane Hilgemberg apresenta o desenvolvimento histórico do evento paralímpico em diálogo com as transformações ocorridas nos jogos, no próprio esporte e nas representações da ideia de deficiência. A autora estabelece também um paralelo com estudos críticos da deficiência e apresenta dados de sua pesquisa sobre a cobertura das Paralimpíadas pelo diário O Globo. Em “Paralimpíadas Escolares (2006-2018): evidências em mídias digitais acerca do evento esportivo”, Giandra Anceski Bataglion e Janice Zarpellon Mazo abordam o tema a partir de uma perspectiva local, descrevendo detalhadamente as composições históricas para a organização das Paralímpiadas Escolares no Brasil e buscando identificar agentes importantes, bem como sua repercussão em mídias digitais.
Dois trabalhos que relacionam a Economia com temáticas histórico-comunicacionais não apenas trazem discussões importantes, mas apontam promissoras e pouco exploradas sendas de investigação. Anderson David Gomes dos Santos apresenta uma pesquisa sobre os direitos de transmissão em eventos esportivos no Brasil articulando o tema com um estudo sobre a legislação desportiva no país. Trata-se de uma abordagem inovadora no âmbito da discussão de políticas públicas e econômicas sobre esporte que faz parte de um trabalho comparativo mais amplo com outros países latino-americanos (Argentina e México).
O trabalho coletivo capitaneado por Ana Carolina Vimieiro parte de uma perspectiva histórica da economia política do futebol para analisar criticamente as transformações, contradições e conflitos na mais recente “onda” do processo de mercantilização do futebol no país. Para tanto, as autoras utilizam conceitos como neoliberalização, comodificação e hibridação e uma análise empírica de tradicionais aspectos da organização estrutural e das relações de poder na conformação do futebol brasileiro no século XXI.
Quatro trabalhos se voltam para países latino-americanos, utilizando diferentes fontes para debater aspectos relativos aos próprios países ou à relação com outras nações.
Andrés Morales apresenta aspectos de sua atual pesquisa de doutorado sobre a representação simbólica da final de 1950 no imaginário coletivo dos uruguaios. Trabalhando com o conceito de hibridação de Néstor Canclini para analisar o discurso em diversas fontes da imprensa do país, o autor aponta também a importância do rádio e os vínculos politicos presentes nos diferentes meios de comunicação. Uma reflexão sobre a hipótese de “Maracanização” da sociedade uruguaia e sua influência no próprio futebol do país complementam o artigo, que aponta novos caminhos de investigação sobre um tema paradigmático nos estudos que relacionam Copas do Mundo e identidade nacional tanto no Brasil quanto no Uruguai.
O artigo de Gastón Laborido apresenta uma contextualização histórica dos fatores que possibilitaram a introdução do futebol na cidade de Montevidéu e a entrada desse esporte nos veículos da imprensa no início do século XX. A hipótese de um processo de “criolização” do futebol uruguaio, que teria surgido a partir da formação de um estilo de jogo híbrido, marcado pela presença de imigrantes que se contrapunham à forma britânica de praticá-lo, é reforçada e analisada nos discursos dos periódicos citados.
A partir de uma perspectiva da Nova História Política, o artigo de Alvaro do Cabo aborda questões sobre a Copa do Mundo de futebol realizada na Espanha em 1982. A primeira parte do trabalho é uma contextualização da conjuntura histórica que possibilitou a realização do torneio no país europeu: a transição democrática após a longa ditadura franquista. O segundo item utiliza os periódicos argentinos Clarín e El Gráfico para analisar as expectativas em torno da participação da seleção argentina, então campeã do mundo, na Copa de 1982, em meio a um contexto político marcado pelo conflito bélico com a Inglaterra, conhecido como Guerra das Malvinas.
Leda Soares e Carlos Guilherme Vogel analisam a série de ficção Club de Cuervos, uma produção latino-americana ambientada no México. Além de uma interessante contextualização da propagação do espaço midiático ocupado pelos seriados televisivos nas últimas décadas, com uma nova dinâmica estética e moral a partir do aumento das televisões fechadas e os canais a cabo, os autores observam uma questões de gênero, preconceito e homofobia no enredo da série. Tendo como tema central o futebol, a série possibilita a discussão de representações sociais em um ambiente latino-americano masculinizado.
Os dois trabalhos que complementam este seleto dossiê versam sobre o futebol e os estudos das crônicas da imprensa. A pesquisa de Nei Jorge dos Santos Junior ressignifica a perspectiva crítica do cronista Lima Barreto sobre a prática do futebol no início do século XX. O olhar a partir de diversas fontes impressas demonstra que a crítica ao esporte se insere em um contexto de defesa e tensionamento mais amplo que enxerga o futebol como uma prática até então elitista e excludente inserida em um discurso preconceituoso sobre as classes menos favorecidas e o “ethos” suburbano. Antes de ser um inimigo do futebol, o literato suburbano seria um crítico das representações geradas pelo futebol amador e os ”sportsman”.
O trabalho de André Couto sobre os cronistas do Jornal dos Sports conjuga uma análise temática que problematiza as principais características do jornal no período estudado, destacando o direcionamento para questões clubísticas e denuncistas e desenvolvendo uma espécie de taxonomia sobre as especificidades dos articuladores. Trata-se de um modelo que pode servir aos estudos que relacionam cronistas esportivos e imprensa em função da tipologia proposta.
O dossiê se completa com uma entrevista realizada por Silvana Goellner com a jornalista Isabelly Morais, que marcou as transmissões sobre Copas do Mundo na televisão brasileira ao narrar a estreia da seleção brasileira no torneio realizado na Rússia em 2018. A conversa explora a trajetória profissional da narradora, desde o período em que cursou Comunicação Social/Jornalismo o trabalho como narradora de futebol no rádio e na televisão.
Agradecemos aos autores que submeteram trabalhos e ao precioso trabalho de avaliação realizado pelos pareceristas. Boa leitura!
Notas
3. A chamada encontra-se em https://historiadoesporte.wordpress.com/2018/09/14/revista-recorde-chamadapara-dossie-historia-do-esporte-e-comunicacao-para-alem-da-imprensa-e-da-midiacomo-fontes/ .
Rafael Fortes – Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Comunicação. E-mail: rafael.soares@unirio.br
Álvaro do Cabo – Professor da Universidade Cândido Mendes. Doutor em História. E-mail: alvarodocabo@yahoo.com.br
FORTES, Rafael; CABO, Álvaro do. Apresentação. Recorde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, jan. / jun., 2019. Acessar publicação original [DR].
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