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História de un Pasaje-mundo. El estrecho de Magallanes en el siglo de su descubrimiento | Mauricio Onetto

No ano de 2019, a rememoração de algumas datas traz para a discussão acontecimentos e suas consequências, as memórias que se construíram, os movimentos de legitimação e de contestação desenvolvidos. Há 500 anos, em 20 de setembro de 1519, Fernão de Magalhães e Juan Sebastián Elcano começaram a viagem de circum-navegação e, em 8 de novembro do mesmo ano, Fernão Cortez entrou na cidade de Tenochtitlán. Essas datas estão entre as mais significativas do início do período moderno e, para muitos estudiosos, contribuíram para conformar a própria modernidade.

Aliado a essas efemérides, verifica-se nos últimos anos o crescimento da atenção dos historiadores com o grande público, de todas as idades. O que é denominado história pública não é produzido apenas por historiadores de ofício, mas a participação desses estudiosos na problematização de questões históricas em diálogo com um público ampliado, externo à academia, está na ordem do dia. Trata-se de uma vertente de abordagens voltada às representações públicas do passado.

O livro de Mauricio Onneto Pavez, História de um Pasaje-mundo. El estrecho de Magallanes en el siglo de su descubrimiento, publicado em 2018, pode ser inserido nesses dois contextos. Pesquisador, entre outros temas, da história do Chile e do impacto geopolítico da descoberta da passagem do extremo sul da América pelos europeus, Onetto Pavez produz por meio deste livro um material que equilibra dados históricos, fontes escritas e visuais, conceitos que os interpretam e linguagem simples, acessível e atraente ao grande público.

Respeitando a proposta inicial do livro de divulgar uma ideia com base em um fato histórico conhecido e apropriado por todos, o autor não se propõe a desenvolver minuciosamente uma tese e comprová-la por meio do recurso exaustivo a evidências documentais. Mas a tese está presente, assim como as fontes documentais, mapas e relatos. O livro contém – e o demonstra já no título – uma chave de leitura, de interpretação do feito de Magalhães: ao passar pelo Estreito se teria criado uma “passagem-mundo”. A proposta é instigante e poderosa. Localiza na travessia do Estreito o acontecimento fundador da “mundialização” que vivemos até hoje. Talvez, porém, fosse preciso nuançar o efeito imediato e transformador desde acontecimento. Por meio do “descobrimento” do Estreito de Magalhães (as aspas são do autor), a “expansão e a conectividade encontraram seu apogeu”, operando de “maneira planetária e com uma velocidade moderna, tal como a conhecemos hoje” (Onetto Pavez, 2018: 14). Fato fundador, sim, mas o processo se estende por uma longa duração e considerar que todos os seus efeitos estavam ali em germe pode sugerir um percurso histórico uniforme e definido a priori.

A argumentação do autor e os documentos que oferece ao leitor, em uma cuidadosa programação visual, esclarecem mesmo para os olhos pouco habituados à linguagem cartográfica o papel indiscutível exercido pela viagem de Magalhães para a definição dos contornos do globo e de suas dimensões. O modo mais preciso de medir distâncias era a efetiva experiência da viagem. Se os europeus sabiam da existência do que iriam chamar de Mar do Sul desde a viagem de Vasco Núñez de Balboa em 1513, foi pela experiência da armada de Magalhães que se conheceu sua extensão e recebeu o nome de Pacífico.

Vinculado à questão prática e objetiva da dimensão da terra e dos mares, o autor trata de forma simples questões filosóficas bastante complexas, como o lugar do passado, do presente e do futuro no período, ou a conquista do mundo a partir e por meio da imagem, como diz o filósofo alemão Peter Sloterdijk, ou ainda o lugar da alteridade após a viagem.

Em relação a este último aspecto, o autor destaca a mudança na ideia do que seria monstruoso, o que caracterizaria a “monstruosidade”. Com a viagem de Magalhães e a leitura que dela faz o secretário de Carlos V, Maximilianus Transylvanus, é a empreitada espanhola que se torna monstruosa e não mais as populações desconhecidas, imaginárias ou não. Esta interpretação dos efeitos da viagem de circum-navegação é produtiva porque pode ser o fio condutor do entendimento de uma “nova consciência-mundo”, como chama o autor baseado no conceito de Sloderdijk. A proposta é convincente se consideramos que uma definição possível de monstruoso e monstruosidade é a que os considera fenômenos onde há ausência de limite, ou se coloca em risco a fronteira (Foucart, 2010: 46). O termo “monstro”, do latim monstrum, traz consigo o sentido de “o que está por vir”, coisa funesta, desgraça, mas também maravilha, prodígio. Vem do verbo mostrar, designar, indicar.

É difícil afirmar se essas ideias estavam contidas na intenção de quem as utilizava para se referir ao Estreito de Magalhães – uma pesquisa mais aprofundada poderá indicar outros usos contemporâneos do termo. Mas se a descoberta da América representou profundas mudanças na concepção que os europeus tinham de si mesmos e da humanidade, é interessante pensar que as mudanças aconteceram também nas relações entre os homens e a geografia. Como seria possível pensar novos elementos da geograficidade dos europeus após a primeira volta ao mundo? Talvez, porém, quando nos debruçamos sobre o início do período moderno, seja precoce falar do papel da subjetividade dos indivíduos na relação que estabelecem com os espaços, mesmo depois de Petrarca ter descrito os efeitos que lhe causaram a visão do alto do monte Ventoux (Besse, 2006).

A abordagem do autor destaca, no entanto, uma outra vertente da geografia, a da geopolítica. Com base em diferentes evidências, entram em jogo os usos práticos e simbólicos que a coroa espanhola, durante o reinado de Carlos V, projetou para o Estreito de Magalhães. Muitas propostas fracassaram frente às dificuldades impostas pela própria geografia da área, como a de colonizar a região, objetivo da expedição de Diego Flores de Valdes e Pedro Sarmiento de Gamboa em 1581. A investigação da componente geopolítica não é um aspecto aleatório do livro, mas ocupa um lugar central entre os interesses do autor, uma vez que a obra se insere no projeto mais amplo, por ele coordenado, da Rede Geopolíticas Americanas nos séculos XVI e XVII (GEOPAM), que se concentra no estudo da geopolítica da América na primeira modernidade.

Um dos pontos altos da obra é o conjunto de imagens nela inseridas: mapas-múndi, mapas regionais, portulanos e frontispícios. Elas respondem à proposta do autor de articular o local – o Estreito de Magalhães – ao global – seu impacto no movimento planetário. As legendas que as acompanham ajudam a compreender o contexto de produção e guiam o olhar do leitor para elementos específicos ali figurados.

O livro se divide em dez capítulos que tratam da viagem de Magalhães e de El Cano a partir de diferentes perspectivas. São desenvolvidos, em linguagem acessível e em textos curtos, tanto os aspectos objetivos da viagem, como sua preparação e as motivações iniciais dos navegadores, quanto seus efeitos no plano da exploração geográfica e da consciência do espaço planetário. Esta obra de Onetto Pavez é um exemplar inspirador das possibilidades abertas pela atenção do historiador acadêmico com a divulgação de interpretações mais qualificadas de fatos, sejam eles históricos ou geográficos.

Referências

Besse, Jean-Marc (2006). “Petrarca na montanha: os tormentos da alma deslocada”. In: Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. Trad. Vladimir Bartalini. São Paulo: Perspectiva, pp. 1-16.

Foucart, Jean (2010). “Mostruosité et transversalité. Figures contemporaines du monstrueux”. Pensée plurielle, n. 24, pp. 45-61.


Resenhista

Andréa Doré – Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. E-mail: andreadore6@gmail.com


Referências desta resenha

ONETTO PAVEZ, Mauricio (2018). História de un Pasaje-mundo. El estrecho de Magallanes en el siglo de su descubrimiento. Santiago: Universidad Autonoma de Chile; Biblioteca Nacional de Chile; Centro de Investigaciones Diego Barros Arana. Resenha de: Andréa Doré. Uma visão global do Estreito de Magalhães. Terra Brasilis (Nova Série), 11, 2019. Acessar publicação original

Itamar Freitas

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