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História de Roma | Mikhail Ivanovich Rostovtzeff

História de Roma – cujo título original é Rome – foi publicado pela primeira em 1927 e, desde então, passou por cinco revisões. A obra foi escrita pelo historiador russo Mikhail Ivanovich Rostovtzeff, o qual, em 1918 – à luz da Revolução de Outubro de 1917 -, fugiu da Rússia a fim de evitar ser perseguido pelos bolcheviques. Essa informação é de extrema valia para a possível compreensão do livro, uma vez que, indubitavelmente, o autor foi influenciado pela Revolução Russa, de modo a transportar os efeitos dela para sua análise sobre as causas da queda de Roma.

Contudo, antes de partir para as razões da queda, o escritor busca trabalhar os motivos da ascensão. Ele estabelece isso logo na página 11: “como foi possível em solo italiano […] criar um poder único […] enquanto Atenas e Esparta não conseguiram?”. Em outras palavras, por que Roma, uma cidade-Estado assim como outras, tornou-se uma potência tão formidável, e as poleis gregas não? Diante desse questionamento, ele utiliza o primeiro capítulo para fazer uma história comparativa entre Roma e Grécia. Disso, pode-se destacar o fato de Rostovtzeff expor o problema das fontes usadas para se estudar Roma. Isso porque boa parte das informações sobre o passado romano ou é escassa ou sofreu influências políticas. Portanto, a forma mais adequada de se alcançar o conhecimento a respeito da sociedade que floresceu no Lácio seria por meio da arqueologia, a qual o autor faz amplo uso.

Sendo assim, nos capítulos seguintes, ele discorre sobre as origens da cidade e a sua estrutura social. Dentre esses elementos, a proximidade com o rio Tibre é de fundamental importância, pois ela permitiu o desenvolvimento comercial romano. Nesse ponto em específico, já é possível visualizar o início da teoria que Rostovtzeff elabora sobre a ascensão romana. Além disso, o capítulo três possui um fato marcante: o Saque de Roma em 400 a.C. É marcante porque, até aquele momento, o exército era composto quase que inteiramente por patrícios, que não eram suficientes para defender a cidade de grandes inimigos. Por isso, os plebeus passaram a ser admitidos de maneira sistemática nas fileiras militares, o que lhes deu força suficiente para enfrentar as classes altas. É de suma relevância destacar isso, pois, a partir dessa análise, torna-se evidente que, na história de Roma, Rostovtzeff confere grande importância aos conflitos sociais como sendo a motivação para as transformações pelas quais a sociedade passa.

Nesse sentido, já se vê a influência da Revolução Russa em sua análise, posto que nela há uma grande semelhança com a dialética marxista, a saber: a história é feita de lutas de classes; nesse caso, de patrícios contra plebeus. Essa metodologia – por mais que possa ser criticada – é, sem dúvidas, inovadora, porquanto o historiador tencionou dar mais foco à sociedade do que aos grandes líderes em si. Nesse contexto, os capítulos V, VI, VII e VIII focam nas Guerras Púnicas, que tiveram importância mor para a República Romana. Isso porque, a partir desses conflitos, Roma garantiu o controle total do mar Mediterrâneo – batizado de mare nostrum (nosso mar) – e, com isso, obteve supremacia comercial, uma vez que controlava o transporte marítimo. Não somente isso, a guerra contra Cartago estimulou também o surgimento de uma nova classe, a qual investia no conflito por meio, por exemplo, da construção de navios. A ela Rostovtzeff deu o nome de “capitalista” (p. 89). No entanto, apesar do desenvolvimento econômico que as Guerras Púnicas causaram, o autor afirma que, de modo geral, a situação política continuou a mesma, ou seja, nas mãos da elite. Isso aconteceu porque, ao contrário da democracia ateniense criada por Clístenes e instituída – de fato – por Péricles, a República Romana não remunerava os cidadãos que tomavam parte nos assuntos públicos. Destarte, apenas os patrícios e alguns poucos plebeus enriquecidos com os espólios da guerra participavam de forma ativa da política e eram eleitos magistrados. Ademais, um efeito grave, para a plebe, do embate contra os cartagineses foi a afluência de escravos para Roma, os quais tomaram o trabalho das classes inferiores, de modo a arruiná-las. Esse conjunto de fatores formará o início de uma mudança radical na estrutura romana.

Essa mudança é explorada no capítulo nove, “Os Gracos e o começo da revolução política e social em Roma”. Nessa parte, discorre-se sobre como a ruína dos plebeus significava, também, a ruína do exército, uma vez que o grosso dele era composto pelas classes baixas. Vendo esse problema, Tibério Semprônio Graco propôs uma redistribuição de terras a fim de melhorar a condição de vida da plebe e, por conseguinte, fortalecer o exército. Tal reforma, obviamente, desagradou os grandes latifundiários, e Roma se dividiu em ricos e pobres. Essa divisão gerou conflitos, de forma a culminar – a priori – na morte de Tibério e – a posteriori – no suicídio de seu irmão e continuador de suas ideias, Caio Graco. A imagem dos irmãos Gracos se faz, seguramente, importante até os dias atuais, seja para exaltá-los como defensores dos pobres, seja para condenálos como subversivos. À luz da polarização política vivenciada na década de 1920, na qual o livro fora escrito (“anos loucos”), Rostovtzeff diz: “nossa era está cheia dos mesmos contrastes políticos violentos que encontramos na época da morte dos Gracos” (1983, p. 106). Seja como for, mocinhos ou vilões, fato é que as mudanças que os Gracos tentaram implementar dividiram profundamente Roma, e o que se seguiu a isso foi a guerra civil.

Mário e Sila. Pompeu, Crasso e César. Lépido, Antônio e Otávio. Parte do século II e quase todo o século primeiro antes de Cristo foram de conflitos que envolveram, sobretudo, os nomes desses homens. Por mais que tivessem motivações próprias, o jeito de agir deles refletia a divisão do povo romano entre defensores e opositores do Senado, fruto das tentativas de reformas dos Gracos. De todos eles, Otávio foi o mais bem sucedido. Ao tornar-se senhor absoluto de Roma, promoveu mudanças graduais, de maneira a adequar as tradicionais instituições romanas a um poder monárquico. Com isso, Otávio, agora “Augusto”, tornou-se o primeiro cidadão romano e imperador, de modo instaurar a paz em Roma. Nessa situação, o autor ressalta que, assim como durante as Guerras Púnicas, a guerra civil romana foi benéfica aos “capitalistas”, que nela investiram e conseguiram obter terras (1983, p. 154).

Em linhas gerais, até o capítulo 21, o autor discorre sobre as características do Império Romano nos dois primeiros séculos da Era Cristã. Não há como não notar que Rostovtzeff tece grandes elogios a esse período. Isso se deve, sobretudo, ao fato de ele conferir grande importância à arqueologia. Sob essa perspectiva, ao analisar a cultura material deixada por Roma, percebe-se, por exemplo, a grande qualidade das estradas, os aquedutos, as redes de esgotos, os anfiteatros, as termas públicas, etc. Se olharmos somente por esse ponto de vista, Roma, como o autor diz, tornase – de fato – um local onde a “vida era fácil e alegre” (1983, p. 242) e onde “[…] nunca na história da humanidade […] um número maior de pessoas desfrutou de tanto conforto” (1983, p. 243). Ora, essas informações são problemáticas, num panorama atual, não por serem necessariamente falsas, mas sim porque omitem outros fatores de igual importância para a compreensão do período, como a concentração de terras e a falta de manifestação política por parte dos mais pobres. O autor chega a fazer uso, inclusive, de termos como “missão civilizatória”, “romanização”, “helenização” e um “desejo natural [dos não civilizados] em participar da civilização superior” (pp. 218-223).

Assim, esse movimento civilizatório por parte dos romanos teria sido construído, de acordo com o autor, por meio dos “capitalistas”, que arrendaram as terras conquistadas após as guerras civis para comerciantes e artesãos – os quais acabaram por disseminar a cultura greco-romana. Portanto, tem-se, aqui, a resposta para a pergunta que foi feita ainda no início do livro: os romanos ascenderam por meio do espírito capitalista, o qual, por intermédio do arrendamento da terra, fora o responsável por difundir a cultura para outros povos, de modo a integrá-los. Nesse ponto, Roma difere-se dos gregos, que, por falta de unidade, não se tornaram um Império global como os seus vizinhos no Lácio.

No vigésimo primeiro capítulo, “Ordálio do Império no século III da Era Cristã”, Rostovtzeff começa a discorrer sobre as causas que deram fim ao Império Romano. O “ordálio” inicia-se, de fato, no reinado de Cômodo, que – em meio a conflitos nas fronteiras – decidiu fazer paz com os “bárbaros”. Tal medida desagradou os romanos, o que causou seu assassinato. Nesse contexto, as tribos germânicas aproveitaram-se da falta de um imperador forte para atacar o Império. O que se seguiu a isso foi o absoluto caos, posto que os soldados passaram a eleger e a depor imperadores o tempo todo. Dentre eles, Diocleciano conseguiu se manter no poder, estabelecendo uma paz temporária. Entretanto, isso veio com um custo. A fim de manter o controle em meio à desordem, Diocleciano deu fim ao principado e instaurou o dominato: um governo despótico de tipo helenístico, o qual foi mantido por seus sucessores.

Porém, apesar das mudanças, a guerra se manteve crônica em Roma. Para bancá-la, o Estado aumentou os impostos, o que afetou os camponeses e a indústria. Ademais, os imperadores começaram a emitir moedas fracas, contribuindo para o colapso econômico do Império.

Nessa conjuntura, o autor aprofunda, nos capítulos finais, nos efeitos desse “ordálio”. Em primeiro lugar, a guerra e os altos impostos foram responsáveis por asfixiar a economia. Como consequência direta disso, os homens deixaram de buscar o lucro, o que deu fim ao espírito capitalista que havia desenvolvido Roma desde as Guerras Púnicas. Essa transformação psicológica, segundo o autor, foi a causa do fim da mentalidade inventiva romana. Diante disso, as pessoas ou passaram a desfrutar de sua riqueza ou a procurar uma vida espiritual que as preenchesse, tal como o cristianismo apregoava. Mais grave do que isso foi o que o autor chamou de “suicídio da raça” (1983, p. 300): a falta de vontade, por parte das classes superiores, em deixar descendentes. Assim, as classes baixas passaram a substituir as altas, de modo a tomar controle do Estado. Consequentemente, a ascensão das ineptas classes baixas foi a causa da queda de Roma. Para Rostovtzeff, isso era uma dedução lógica: ora, como os inferiores seriam capazes de governar um Império criado pelos superiores? Com efeito, Roma transformou-se, como já fora dito, numa máquina burocrática despótica, a qual era, naturalmente, avessa à mentalidade de um capitalista.

Sem dúvidas, História de Roma possui seu valor ao dar grande destaque à sociedade nas transformações pelas quais Roma passou ao longo do tempo. Contudo, diversas críticas podem ser feitas à obra. Em primeiro lugar, pode-se destacar a influência da Revolução Russa no pensamento do autor. De certo modo, Rostovtzeff analisa a Roma Antiga à semelhança da Rússia no início do século XX, a qual, por meio da Revolução de Fevereiro, começou a caminhar, ainda que temporariamente, em direção ao capitalismo, até que os bolcheviques – com apoio das massas – tomaram o poder e transformaram a Rússia num Estado autoritário e burocrático. Nesse sentido, é possível criticar o uso de termos anacrônicos, como dizer que houve um “espírito capitalista” na Roma Antiga. O historiador Paul Veyne (1961), por exemplo, refutou esta ideia num artigo. Outrossim, outra plausível crítica à obra é o enaltecimento deveras idealizado da elite romana. Em certos momentos, isso pode até mesmo incomodar um leitor mais crítico. Ora, ninguém nega a grandeza e o esplendor do Império, mas, como já fora citado, o autor omite mecanismos de opressão (como a concentração de terras e falta de participação política) em favor dos elementos materiais. Por fim, essa ideia de “missão civilizatória” soa quase como um “fardo do homem branco” da Antiguidade. Nessa linha de raciocínio, os romanos faziam nada mais do que levar a sua bela e grandiosa civilização para aqueles que viviam na selvageria, assim como os europeus fizeram no século XIX.

Dessa forma, a grande importância que o historiador russo dá à arqueologia em sua análise faz um contraste interessante com o materialismo histórico marxista. Isso porque ambos conferem grande valor à cultura material para se analisar uma sociedade. Mas, ao contrário do segundo, Rostovtzeff escreve a história romana, sobretudo, a partir da visão das elites – os chamados civilizados – em detrimento das classes inferiores. A partir disso, pode-se concluir, à luz da contemporaneidade, que – por mais que a visão de Rostovtzeff tenha sido inovadora na maneira de se enxergar a Roma Antiga – seu livro possui grandes traços de elitismo, de modo a fazer com o autor, no fim de História de Roma, culpe as classes baixas pela queda de uma das maiores sociedades que a humanidade já construiu.

Referência

VEYNE, Paul. Vie de Trimalcion. Annales. Economies, sociétés, civilisations. 16ᵉ année, N.2, 1961.


Resenhista

Widerman Jonas da Silva Júnior – Graduando em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).  E-mail: widermanjunior@gmail.com


Referências desta Resenha

ROSTOVTZEFF, Mikhail Ivanovich. História de Roma. São Paulo: Zahar Editora S.A., 1983. Resenha de: SILVA JÚNIOR, Widerman Jonas da. Revista de História da UEG. Morrinhos, v.10, n.1, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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