O livro “História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna”, de Jonathan Conlin, é fascinante. O historiador americano, radicado na Grã-Bretanha e reconhecido por pesquisas na área de museologia, utiliza uma abordagem que combina erudição, criatividade, pesquisa documental e imaginação histórica para analisar o desenvolvimento das cidades modernas a partir da Paris e da Londres dos séculos XVIII e XIX – ou seja, a chance de sermos tomados de surpresa nos mantêm alertas ao longo do livro.
A obra é dividida em seis capítulos – elaborados de modo a nos darem a sensação de um passeio – sobre a Paris e a Londres dos séculos XVIII e XIX. A partir de periódicos, documentos oficiais, memórias, relatos de viajantes, ilustrações, obras literárias, entre outros, Conlin analisa a relação entre metrópole, arquitetura e indivíduos, esquadrinhando seis distintos territórios da vida urbana parisiense e londrina: o lar, a rua, o restaurante, o music hall, o submundo noturno e o cemitério.
O livro começa descrevendo o desenvolvimento dos prédios de apartamentos em Paris, que passaram a surgir no século XVII, e as experiências com a inserção desse modo de vida em Londres. O autor analisa também o debate sobre as consequências da vida em apartamento nas duas cidades, como, por exemplo, separação física, cheiros e sons.
No capítulo 2, Conlin dedica-se ao modo como londrinos e parisienses aprenderam a andar nas ruas, identificando as principais diferenças e transformações dessa prática, uma vez que as ruas eram bastante sujas e pouco frequentadas por pedestres. Além disso, o autor analisa um dos personagens centrais da cidade moderna – o flâneur – em sua relação com a pavimentação, o transporte, as compras, etc.
Já o capítulo seguinte explora a noção de restaurante, que fora importada de Paris para Londres. Contudo, como bem explica Conlin, a ideia do que seria um restaurante não era a mesma para parisienses e londrinos: os primeiros o entendiam como um ambiente público e os segundos o percebiam como um espaço para o anonimato. Além disso, o autor dedica uma seção à análise da figura do chef francês no desenvolvimento da cozinha em Londres.
No capítulo 4, o interesse recai sobre os locais de diversão para dançar e cantar, especialmente o music hall, que dispunha de recursos musicais que basicamente se limitava a um piano. Além disso, Conlin analisa uma dança conhecida como cancã, examinando a sua origem a partir da relação entre as duas cidades e as experiências dos indivíduos envolvidos no desenvolvimento da dança.
Em seguida, Conlin investiga o submundo parisiense e londrino por meio da literatura policial da época. A investigação do autor proporciona também que acompanhemos o processo pelo qual a noite deixa de representar um mundo ameaçador e passa a ser vista como encantadora.
Por fim, no capítulo 6, o autor dedica-se à relação dos ingleses e franceses com a morte, especialmente com os espaços destinados aos mortos: os cemitérios. Na pesquisa, Conlin identifica hibridização no estilo e na aparência dos cemitérios parisienses e londrinos.
De modo geral, a análise de Jonathan Conlin é orientada pelas dinâmicas de transformações inerentes ao processo de constituição dos territórios urbanos. A cidade, nessa perspectiva de análise, é percebida como um território que organiza territórios (RONCAYOLO, 1993). Além disso, tais territórios são vividos e transformados pelos habitantes das duas cidades, que lhes conferem sentidos, vivências e valores. Dessa forma, os territórios urbanos são lugares praticados, uma vez que a vivência dos espaços, as ações cotidianas, formam-se a partir do costume dos indivíduos e dos seus movimentos pela cidade. Nas palavras de Michel de Certeau (1995, p. 202): o caminho para alcançar a cidade se faz pela experiência que se traduz numa permanente invenção do cotidiano.
O autor escolhe uma abordagem provocativa e profícua para descrever o surgimento desses territórios sociais e culturais das cidades de Paris e Londres: a histoire croisée. A preocupação de Conlin está justamente em analisar as relações entre as duas cidades, considerando a cidade como um lugar de intersecções, longe das análises absolutamente rígidas e ontologizantes que insistem em colocar características como próprias de Paris ou de Londres, isoladamente. O autor rechaça qualquer tipo de compreensão essencialista da vida urbana e da arquitetura que obscureça o caráter transformador, os empréstimos e as trocas implícitas entre as duas cidades.
Referências
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2005.
RONCAYOLO, Marcel. La ville et ses territoires. Paris: Gallimard, 1990.
Resenhista
Carlos Eduardo Millen Grosso – Doutor em História (UFSC). Professor da UniSociesc-unidade Joinville. E-mail: machadosartre@yahoo.com.br
Referências desta Resenha
CONLIN, Jonathan. História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna. Trad. Márcia Soares Guimarães. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. Resenha de: GROSSO, Carlos Eduardo Millen. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v.12, n. 24, p.346-348, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]
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