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História das religiões e religiosidades / Fronteiras – Revista de História / 2010

Religião, um fato social

O estudo da relação do ser humano com o Sagrado é, por excelência, uma tarefa interdisciplinar na qual a História tem muito a contribuir. Ao pensar as formas como os grupos humanos interpretam a relação com a(s) divindade(s), transformando as crenças em sistemas normativo-vivenciais, a História assume a função de pensar as bases sociais, políticas e econômicas que orientam a produção do sentido religioso. Dessa maneira, ela é dessacralizadora do fenômeno religioso ao (re)construir os contextos que permitem explicar o surgimento, a disseminação, as permanências e mudanças ocorridas no interior das religiões / religiosidades.

Dado que cada cultura, a partir de suas necessidades, cria mecanismos próprios de relacionar-se com o mundo do sagrado, ao(à) historiador(a) é possível acercar-se tanto daquilo que fenomicamente é mostrado (rituais, organização de tempos sagrados e profanos, aparatos litúrgicos, fórmulas religiosas, piedades, teologias, livros / falas sagradas), quanto da intencionalidade religiosa (uso político, econômico e social das práticas e instituições religiosas). Esta dupla possibilidade é alcançada a partir do manejo das relações estabelecidas nas temporalidades curta, média e longa, fator que dá primazia ao(à) historiador(a) das Religiões e Religiosidades no entendimento das formas específicas que o Sagrado assume nas mais diversas ambiências, transformando-se em tradições religiosas. Para tanto, há que se estar aberto ao diálogo com a Antropologia, com a Sociologia, com a Filosofia das Religiões, exercício que o presente dossiê tem a satisfação de apresentar aos leitores. Todos os textos realizam suas análises tomando a religião com um fato social. Para facilitar a leitura, ordenamos cronologicamente os textos, opção que facilitará, em uma visão de conjunto, a percepção da heterogeneidade das percepções históricas acerca do Sagrado em épocas e locais que se cruzam.

O primeiro texto, Religiosidade tardo antiga e a cristianização do Império Romano, de Marcus Silva Cruz, apresenta uma rica discussão a respeito tanto da relação do cristianismo e da Igreja cristã quanto com o Império Romano, no século IV da era cristã, analisando o surgimento de uma nova religiosidade que cria as condições para o avanço do cristianismo dentro Império Romano e para a estruturação da Igreja Cristã.

O segundo texto, Heresias: considerações sobre a história de um conceito e sobre as discussões historiográficas em torno das heresias medievais, é de autoria de José D’Assunção Barros. Nele, o autor tece considerações sobre as heresias nos períodos da Idade Média Central e da Baixa Idade Média, partindo de uma rigorosa conceituação de “heresia” desde a antiguidade, acompanhando seu desenvolvimento no decurso da história medieval. Reserva, também, uma discussão acerca dos problemas envolvidos no estudo da temática relacionado ao período medieval, com destaque para a historiografia.

Pensando na recepção das orientações sobre o papel social do clero designadas pelo iluminismo português na Capitania de Goiás, o terceiro texto De venenosos charcos a fontes cristalinas: representações do clero na Capitania de Goiás durante o regime pombalino (1750-1780), de Eduardo Gusmão Quadros, estuda o impacto das medidas para reformar o clero numa região aurífera, onde as ordens religiosas estavam oficialmente proibidas de atuar.

Por sua vez Marcos Cotrim Barcellos, em A Santa Casa da Misericórdia de Resende – Religiosidade e Política na Paraíba Nova (1801-1848), mais do que pensar a história institucional, pretende elucidar a religiosidade popular na fundação e primeira fase da Misericórdia da Vila de Resende, província do Rio de Janeiro, e, nela, o papel assumido pelo laicato.

Avançando temporalmente um pouco mais, através do texto Notas sobre a história episcopal no século XIX: a criação da Diocese do Piauí, Marcelo de Sousa Neto, utilizando-se das correspondências entre trocadas entre o executivo e o legislativo e autoridades da hierarquia eclesiástica, se propõe a trabalhar com História Episcopal. A intenção é caracterizar as lutas pela criação do Bispado do Piauí ao longo do século XIX e sua articulação com a história da Igreja no Brasil, bem como com as manifestações da religiosidade de seu povo.

O próximo texto (Re) conduzindo rebanhos: literatura piauiense nas trilhas da fé e da razão, de Pedro Pio Fontineles Filho, discute sobre as interconexões entre a religiosidade e a escrita literária piauiense do final do século XIX e início do século XX, no tocante às práticas religiosas e os ideais de uma vida moderna.

Aproximando-se mais do presente, a análise feita por Renata Lourenço, no texto A Missão Evangélica Caiuá e a educação escolar para os indígenas da Reserva de Dourados e aldeia do Panambizinho – de 1928 a 1968, pretende dar conta de analisar a política do Estado Republicano em relação à educação escolar, realizada através do S.P.I. (Serviço de Proteção aos Índios) em conjunto com a Missão Evangélica Caiuá na Reserva de Dourados e aldeia do Panambizinho. No texto, destaca-se o intuito de demonstrar que a implantação do projeto educacional em ambas as terras indígenas estava alicerçado num ideário que combinava catequização e educação com fins civilizatórios e de pacificação do tecido social agrário.

Seguindo a análise da presença protestante no campo religioso brasileiro, Carlos Barros Gonçalves, no texto As polêmicas antiprotestantismo nas primeiras décadas do século XX: Cuiabá 1926, 1927, analisa as polêmicas antiprotestantismo e anticatolicismo em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, para chegar às controvérsias entre católicos e protestantes ocorridas na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, nos anos de 1926 e 1927.

Através do texto Casamento, custos e religiosidade: Belém, século XX (1916 – 1940), Ipojucan Dias Campos traz uma importante contribuição no sentido de estabelecer elos entre os casamentos civil e religioso, os seus preços e a negativa de alguns sujeitos sociais em consumá-los, analisando os impactos disso na visão religiosa acerca do matrimônio.

No texto Os fundamentos de um reino milenar: expectativas milenaristas e engajamento político na história do fundamentalismo religioso norte-americano, Daniel Rocha se propõe a analisar as relações que as crenças escatológicas estabeleceram com as expectativas políticas nos Estados Unidos na segunda metade no século XX, a partir do processo de politização do fundamentalismo religioso protestante.

Um pouco mais próximo do presente, a análise desenvolvida por Caroline Jaques Cubas, no texto O processo de recepção do Concílio Vaticano II: Algumas experiências de formação na Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição (1960 – 1990), apresenta aspectos do processo de recepção do Concílio Vaticano II no Brasil, especialmente no que diz respeito às transformações estruturais que este engendrou, através das memórias de um grupo de formandas da Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição.

Por fim, o texto Identidades e paradoxos do Yoga no Brasil: Caminho espiritual, prática de relaxamento ou atividade física?, de Maria Lucia Abaurre Gnerre apresenta importante contribuição para o entendimento do estatuto religioso do Yoga. De forma comparativa, a autora apresenta a trajetória do Yoga dentro do universo cultural brasileiro e norte-americano, onde ele passa a adquirir novas identidades. No entanto, ele o faz após abordar as formas clássicas de Yoga, suas origens, além de uma visão histórica ampla sobre a temática.

Desejo a todos(as) que a leitura do Dossiê enseje discussões dentro do campo da História das Religiões e das Religiosidades, enriquecendo-o.

Antonio Dari Ramos

Responsável pelo Dossiê


RAMOS, Antonio Dari. Apresentação. Fronteiras: Revista de História. Dourados, v. 12, n. 21, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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