História da alimentação e do abastecimento na Amazônia | Revista do IHGPA | 2020
História da alimentação e do abastecimento na Amazônia: um presente ao IHGP
O Instituto Histórico e Geográfico do Pará (IHGP), desde sua fundação, no ano de 1900, mantém um compromisso indissociável com a defesa do patrimônio cultural do Pará e da Amazônia. Isso está no DNA da instituição. A preservação e a valorização do patrimônio material e imaterial são bandeiras permanentes da ação do Instituto junto a sociedade regional.
Essa conduta está refletida na linha editorial do periódico, tanto na versão antiga, de revista impressa, como nesta versão atual eletrônica. E, ao estabelecermos uma linha do tempo da publicação, é possível observar nos textos produzidos pelos sócios e pelos autores convidados, ao longo dos anos, olhares voltados para a questão do patrimônio sob as mais diversas perspectivas.
No universo do patrimônio imaterial especificamente, muitos textos foram publicados. Uma boa parcela sob a chancela de estudo de folclore, objeto de uma das comissões estatutárias do Instituto. Nesse sentido, os textos sobre a alimentação, propósito desta publicação, estão sintonizados com a linha de trabalho do IHGP e com o cenário dos estudos sociais contemporâneos.
Nos últimos anos, a análise da História da Alimentação vem ganhando cada vez mais espaço entre os cientistas sociais, especialmente entre os historiadores. Novas fontes de pesquisas, novos objetos de investigação, temas não descortinados têm surgido sob a forma de monografias, dissertações e teses de doutorado, para além da publicação de artigos, coletâneas e livros. Hoje já não é mais possível dizer que a História da Alimentação no Brasil é ainda uma promessa. Pelo contrário, já deu seus passos iniciais e vai se alargando cada vez mais em sua trajetória historiográfica, dialogando de forma enriquecedora com outras áreas do saber: antropologia, folclore, geografia, sociologia, turismo, letras, economia e a gastronomia.
Por outro lado, falar de História da Alimentação nos remete sempre à possibilidade de tratar e refletir acerca da História do Abastecimento. É o campo de investigação mais antigo entre os historiadores no Brasil, e nem por isso menos necessário e inovador nos estudos que são feitos ou, ainda, por fazer; sendo ainda um campo que dialoga com outros temas de pesquisas históricas, tais como a história econômica, história ambiental ou a história da agricultura.
O presente dossiê, organizado em parceria com o “Alere”, Grupo de Estudos e Pesquisas da História da Alimentação e do Abastecimento na Amazônia, é testemunho dessa realidade. Cá temos na seção de artigos, o trabalho de José Newton Coelho Meneses: Hibridismo: um tropo enganoso e a história do uso de uma metáfora, que traz uma inquietadora discussão conceitual sobre o uso pelos historiadores no Brasil da categoria hibridismo para pensar a cultura, e, portanto, as práticas alimentares. Dialogando com os saberes da Medicina Veterinária e da Agronomia, o autor nos coloca o desafio de pensar o uso dessa denominação.
Gregorio Saldarriaga fala sobre o consumo da banana na Colômbia no período colonial, seus usos pelas populações espanholas e indígenas, e nos traz um belo artigo denominado Musas en el paraíso: apropiaciones del plátano por parte de españoles e indígenas. Nuevo Reino de Granada, siglos XVI y XVII.
O texto de José Maia Bezerra Neto, A cultura do cacau no Grão-Pará oitocentista: uma notícia histórica, trata do plantio do cacau e demonstra a importância desta commodity na economia amazônica.
Francimary Nascimento da Silva Santos, em Uma análise sobre o abastecimento de carne verde em Belém durante a Intendência de Antônio Lemos (1897 – 1908) trata sobre aspecto importante da alimentação da sociedade belenense no início da República, o abastecimento de carne bovina.
Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo, dialogando com a literatura paraense modernista, no texto A comida e a construção de uma identidade regional: uma leitura de Jaques Flores a partir da História da Alimentação, discute a construção de uma identidade alimentar paraense.
O trabalho de Carlos Dias Júnior, Comida da feira: sociabilidade e alimentação em uma Feira na Amazônia Paraense, a partir de uma abordagem antropológica, trata sobre o comer e as comidas de feira na cidade paraense de Cametá.
Williomar de Souza Peixoto, por sua vez, no texto Ensino de História e a temática da alimentação: possibilidades acerca da identidade, memória e pertencimento. Icoaraci / PA, discute a relação entre alimentação e identidade e associa o estudo da História da Alimentação com a possibilidade de Ensino da disciplina de História.
O artigo de Luciana Silva Sales A construção da identidade nortista no ato de comer e cozinhar. Uma perspectiva do Chef Paulo Martins na Gastronomia regional paraense, aborda a trajetória profissional individual, discutindo a partir da mesma a relação entre comida e identidade amazônica.
Para além dos artigos citados, na seção denominada como Clássicos, publicamos um texto, em forma de verbetes, sobre a alimentação amazônica do poeta Bruno de Menezes (1893-1963), denominado Cozinha do extremo Norte – Pará-Amazonas. Escrito em fevereiro de 1963, para Antologia da alimentação no Brasil, foi um de seus últimos trabalhos. Tais verbetes são leitura obrigatória para os estudiosos da alimentação local. Neste sentido, um agradecimento especial dos organizadores deste dossiê à família desse importante literato paraense pela gentileza em nos permitir sua nova publicação nas páginas da Revista do IHGP.
Apresentamos ainda na seção de resenhas a contribuição de José Maia Bezerra Neto que discorre sobre o livro da geógrafa Judith Carney, publicado na Guiné Bissau, denominado Arroz Negro. E, por fim, uma entrevista com a Historiadora Dra. Leila Mezan Algranti (Unicamp-SP), uma das precursoras dos estudos sobre História da Alimentação, no campo da historiografia brasileira.
Enfim, deixamos aos cuidados de nossos leitores o presente dossiê. Esperamos que possam fazer uma boa degustação. É um dos presentes do IHGP a sociedade nas comemorações de seu aniversário de 120 anos de fundação.
Álvaro Negrão do Espírito Santo.
Sidiana da Consolação Ferreira de Macêdo.
Belém, maio de 2020.
ESPÍRITO SANTO, Álvaro Negrão do; MACÊDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. Editorial. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v. 07, n. 01, maio, 2020. Acessar publicação original [DR]