História, Arte & Imagem | ArtCultura | 2006
Venha amar-me.
Venha.
Vem para este papel branco, Comigo.
Duras
Se para Marguerite Duras o acontecimento amoroso converteu-se em acontecimento de escrita, se amor e linguagem se autoconstituíram em sua obra, nós, leitores, somos por ela incitados a unirmos memória e imaginação, vida e arte, história e ficção. É este o caminho proposto pelo dossiê História, Arte & Imagem. Nele encontram-se textos cujos interesses estão centrados nas imagens de arte e suas problemáticas, nos fios que conduzem a análise no campo da arte visual, imagética, plástica.
Procurou-se agrupar reflexões vindas de lugares distintos, mas convergentes para a arte. Conjugam-se aqui a História, a Literatura, a Filosofia, a Crítica e a História da Arte, áreas que, no espaço acadêmico, comportam suas especificidades e demarcam seus territórios. Entrelaçadas, no entanto, por seus interesses comuns — teóricos, metodológicos, documentais —, debruçam-se sobre uma mesma categoria de objeto de análise, a obra de arte. Para todos os autores aqui reunidos, ela é foco de atenção, mesmo que pensada com base em diferentes pressupostos.
Lúcia Maria Paschoal Guimarães parte do artista. Fleiüss, imigrante alemão num Brasil que se queria “civilizar”, permite ver o Fleiüss gráfico, designer, artista, o qual exige que se olhe para sua obra deslocando-a de lugares comuns. Surge então a técnica inovadora, o traço crítico, a anotação da vida em linhas e cores e o diálogo com a linguagem plástica que levam a História ao encontro da Arte.
Os historiadores não recusam mais essa parceria. Assumem a união e elegem a obra de arte como centro, como objeto de estudo, como acontecimento histórico mais do que documento, como análise de intenções mais do que objetividade do testemunho. Maria Bernardete Ramos Flores encampa tal possibilidade ao propor a utilização da arte para pensar a vida. As atitudes estéticas são lidas nas obras e nos corpos simultaneamente; entre clones, misses e estátuas, beleza e fealdade se conjugam na percepção artística da modernidade.
Nesse mesmo rumo, a análise histórica de Luciene Lehmkuhl explora a feitura e a leitura das obras, o fazer e o perceber, a criação/realização e a recepção. A obra de arte é decomposta, fragmentada para que permita que se capte sua elaboração. Sua circulação é discutida, e as críticas formuladas são expostas e confrontadas, possibilitando compreender a sua recepção, revelando a presença e a influência da arte brasileira no consagrado meio artístico europeu.
O texto de Paulo Knauss aponta minuciosamente, por meio da leitura atenta e da indicação de vasta e atualizada bibliografia, a relação do historiador com as imagens, em especial com as obras de arte. Sublinha a valorização do conceito de cultura visual no campo da história da arte a partir de sua conexão com o caráter histórico do estatuto artístico. Faz pensar nos caminhos teórico-metodológicos percorridos pelos historiadores que se voltam para as artes.
Interessam-nos a interação e a troca com áreas parceiras da História, cujos especialistas, ao lidarem com obras de arte, embrenham-se em terrenos usualmente pouco visitados pelos historiadores e estabelecem roteiros, circuitos e conexões que nos servem de lição. Nesse sentido, Osvaldo Fontes Filho, toma como ponto de partida os meandros da Filosofia e apresenta os procedimentos adotados por Jean Dubuffet, discutindo a relação matéria e forma ao analisar a escritura do próprio artista. Texto e imagem são entrecruzados e confrontados para deixar ver o mundo “escavado” pelo pintor na sua “espessura viscosa”, um mundo a ser tocado mais do que olhado.
Imagens visuais e literárias aparecem no artigo de Raúl Antelo, advindo do campo da Literatura. Composto de maneira fragmentária, seu texto faz ver o também fragmentado livro de Aníbal Machado, que colhe suas “constelações” em Blanchot. Para nos conduzir ao Aníbal leitor de Blanchot, Antelo copila fragmentos das Cadernetas de citações do escritorleitor. Dá a conhecer o “sentido extraviado” do texto de Aníbal por intermédio da colisão de fragmentos imagéticos e textuais, recolhidos em múltiplas leituras.
Annateresa Fabris, ao se lançar a uma investigação no âmbito da História da Arte e da Crítica de Arte, se dispõe a recuperar o debate ocorrido nos anos de 1970 acerca do hiper-realismo. Entre Estados Unidos e Europa são evocados obras, artistas e críticos que trazem à tona as categorias de mimese e estranhamento por meio de oposições entre técnica e valor artístico/estético, entre operação ilusionista e reduplicação do real, onde a fotografia desponta como dispositivo de distanciamento do mundo físico.
Este é o dossiê História, Arte & Imagem, cuja proposta é amplificar a divulgação de pesquisas relevantes e pertinentes ao debate historiográfico da contemporaneidade. Logo, fazemos questão de participar das discussões que vêm sendo travadas nos últimos anos acerca do uso das imagens em geral e das obras de arte, em particular, para a construção de uma História visualmente orientada. Que nossos leitores venham conosco para este papel [branco?].
Organizadora
Luciene Lehmkuhl
Referências desta apresentação
LEHMKUHL, Luciene. A História por entre artes e imagens. ArtCultura. Uberlândia, v. 8, n. 12, jan./jun. 2006. Acessar publicação original [DR]