História Ambiental (Feita) na América Latina / Varia História / 2005
Este dossiê traz artigos de historiadores que têm se orientado, no tratamento de seus objetos, por novos questionamentos e métodos da chamada História Ambiental. Nos últimos anos, associações e revistas norte-americanas e européias dedicaram-se à formulação de uma perspectiva histórica fundamentada na ênfase das relações entre a sociedade e a natureza. Sensível a tais tendências, a Varia História (em seu número 26 de janeiro de 2002), trouxe um primeiro dossiê sobre História e Natureza. Nele, o artigo do historiador panamenho Guillermo Castro ressaltava vários estudos já realizados sobre a história ambiental da América Latina, mas enfatizava a urgência de uma história a ser feita na América Latina, comprometida com a vida e o bem estar de nossas sociedades. A presente coletânea, cujo título alude ao referido artigo, deseja apresentar alguns trabalhos realizados por pesquisadores do Brasil, Chile, Colômbia, Cuba e México.
Ressaltamos ainda que esse dossiê é publicado no momento em que há uma promissora movimentação de profissionais de vários países em torno da fundação de uma instituição latino-americana de História Ambiental, a partir de grandes esforços coletivos que deram ensejo a um primeiro encontro realizado em Santiago do Chile, em julho de 2003, e a um recente Simpósio em Havana, em outubro de 2004, na qual se lançaram as bases da Sociedad Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental (SOLCHA). Dentre os historiadores envolvidos, poderíamos citar vários autores participaram no dossiê anterior, História e Natureza (26), e neste que ora apresentamos ao leitor.
Nesse início de milênio, em que a história constitui-se ininterruptamente como uma atividade social de transformação e crítica, a História Ambiental passa a enfrentar indagações sobre seus métodos e seus pressupostos. Frente a esses desafios, se retomarmos a clássica assertiva de Nietzsche sobre a “utilidade dos estudos históricos” – segundo a qual a história servir á à vida ou não terá valor – diríamos que o vigor e a promessa dessa nova perspectiva é o fato de que ela poderá (ainda que não necessariamente, é claro) servir prioritariamente à vida e, mais que à sua mera conservação, ela poderá constituir-se em prol da afirmação de sua abundância.
O estimulante artigo de Enrique Leff oferece uma profícua reflexão metodológica e epistemológica sobre a história ambiental. Na discussão de suas vertentes, apresenta pertinentes questionamentos às análises constituídas como uma mera crônica da destruição, ou ao simplismo presente na atribuição de um caráter ambiental a tudo. Por outro lado, enfatiza o caráter precioso da ontologia antiessencialista possível na perspectiva histórica ambiental, além da positividade presente em seus enfoques prospectivos, fonte de transformação social em direção à sustentabilidade.
Maurício Folchi estuda os efeitos ambientais do processamento de minerais metálicos, exercitando um diálogo interdisciplinar que inclui a história ambiental, a história da técnica e da ciência, a química e a geologia. A análise de tais efeitos busca sua fundamentação na historicidade das relações entre as sociedades e o meio natural. O artigo assume especial interesse para os leitores brasileiros, haja vista a importância das atividades mineradoras em nossa sociedade, em diferentes lugares e variados períodos.
José Augusto Pádua investiga as conexões históricas entre a heran- ça romântica de fins do século XVIII ao XIX e o ecologismo contemporâneo. Apresenta uma visão panorâmica de tradições intelectuais francesas, alemãs, inglesas e americanas, argumentando a necessidade de reconhecer o hibridismo presente na mistura de influências românticas e iluministas. Ao fim, explora obras de alguns autores brasileiros, nas quais identifica uma crítica limitada da civilização, convidando o leitor à continuidade de pesquisas sobre essa temática.
O artigo de Stefania Gallini distingue-se pela elegância da narrativa, a densidade teórica e a propriedade com que a autora envereda-se em diálogos com a geografia, a geologia, a climatologia e a agronomia. Numa visão original e instigante sobre a cafeicultura na Guatemala, apresentanos o quadro complexo de uma perspectiva ambiental histórica em que se mesclam aspectos materiais e culturais. Um dos exemplos do vigor de sua argumentação pode ser localizado na discussão sobre os vulc ões e o que, naquela sociedade, eles representam de ameaça, força sagrada, continuum temporal e fator de fertilidade do solo.
Reinaldo Funes constrói sua análise sobre o avanço das plantações de açúcar no território cubano, na interface entre a perspectiva da história ambiental e da história econômica. Discute as transformações das paisagens, as mudanças das técnicas empregadas e das políticas do Estado em relação aos recursos florestais e sua exploração por particulares. Aborda alguns aspectos da fauna e flora da região e da diminuição da biodiversidade conseqüente do predomínio do projeto econômico agro-exportador.
José L. Franco e José Drummond analisam a trajetória do botânico José Alberto Sampaio (1881-1946), cientista do Museu Nacional. Privilegiando três de suas obras, escritas ente 1926 e 1935, discutem suas posturas pioneiras acerca da proteção à natureza, as relações entre nacionalismo e conservação naqueles anos, a preocupação com a pedagogia do homem brasileiro. Apontam ainda as complexas relações de Sampaio com a comunidade científica e intelectual de seu tempo.
Antes que o leitor siga a desbravar os vários artigos, lembraríamos a reflexão de Arturo Escobar acerca do sonho do desenvolvimentismo que tanto entusiasmou o chamado “terceiro mundo”, e rapidamente mostrouse como verdadeiro pesadelo, com o saldo da produção de maior pobreza, aumento da exploração e opressão e destruição do meio natural. Sem resvalar para uma visão ingênua de uma América Latina depositária de tradições, esse autor acena, entretanto, com o caráter promissor de algumas formas e práticas culturais que não se apresentam como um desenvolvimentismo alternativo, mas como alternativas ao desenvolvimentismo. Nesse sentido, resta-nos o desafio de sermos capazes da “invenção social de novas narrativas, novas formas de pensar e de fazer”.[1] Certamente, esse é também o desafio colocado por uma história ambiental a ser feita por nós.
Belo Horizonte, Verão de 2004 / 2005
Nota
1. Escobar, Arturo. Encountering Development. the making and unmaking of the Third World. New Jersey: Princeton University Press, 1995, p. 20. [ Links ]
Regina Horta Duarte – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
reginahd@uai.com.br
DUARTE, Regina Horta. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.21, n.33, 2005. Acessar publicação original [DR]