O livro História: a arte de inventar o passado, do Doutor em História Social Durval Muniz de Albuquerque Júnior, professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, reúne em dezesseis capítulos artigos anteriormente publicados em periódicos. Os textos, que discutem as mudanças dos paradigmas na ciência histórica, estão divididos em três partes: a primeira aborda a relação entre história e literatura; a segunda apresenta as contribuições de Foucault para a história e a última traz alguns aspectos sobre o trabalho do historiador.
Uma ideia que perpassa todo o livro é a da “invenção”. Segundo o autor, a própria utilização desta palavra já indica mudanças no campo histórico, simbolizando que o historiador não trabalha com verdades e que, quando lida com as suas fontes, não se desvencilha de sua subjetividade. Se pensarmos a história do prisma da invenção, nos afastaremos das categorias homogeneizantes e universais, pensando a ciência como uma construção.
Inserida nesses questionamentos está a questão relativa à narrativa. A forma como cada historiador a entende está relacionada à compreensão individual do que seja a história. Albuquerque Júnior defende uma ciência afastada das narrativas que pressupunham a veracidade absoluta dos fatos relatados, apontando que a própria linguagem tornou-se matéria de reflexões políticas, adentrando no campo do simbólico.
Uma das grandes discussões quando se pensa em narrativa é a separação objeto e sujeito. Por mais que isso já tenha sido matéria de debate anos atrás, ainda se deve discutir essa inverossímil separação. E se pensarmos na resistência que ainda persiste na aceitação de fontes não arroladas como tradicionais, perceberemos a busca, por parte de alguns pesquisadores, de uma verdade ou objetividade que não existe. Essas narrativas que pensam o objeto como não exterior ao sujeito têm como característica refletir sobre as diversidades e singularidades, afastando-se das estruturas que limitavam as explicações sobre as práticas humanas, como se estas pudessem ser entendidas com base em explicações abrangentes.
Nesse sentido, o autor defende uma aproximação da história com a literatura. Destaca que, consideradas as características e as particularidades de cada área, com a literatura temos muito a aprender, desde a forma como narramos sobre nossos temas até o entendimento de que o texto é um produto individual e se explica pelo presente. O grande embate ao juntar os dois campos acaba sendo a discussão sobre fato e ficção; porém, Albuquerque Júnior argumenta que a defesa da história enquanto factual pressupõe que não é uma criação, uma visão particular do historiador sobre os fatos. Tal posicionamento considera que a construção do objeto não está relacionada com os interesses e experiências dos próprios pesquisadores e pesquisadoras.
Devemos pensar também que o passado nos chega sob a forma de um discurso, visual ou textual, ou seja, é preciso considerá-lo como produto de uma análise subjetiva sobre o passado, o que se aplica também às narrativas históricas criadas no presente, quando as fontes trabalhadas devem ser encaradas como produtos do olhar. Portanto, o autor defende a ideia de que, quando reproduzimos algo passado no presente, devem ser consideradas duas relações fundamentais: a dos fatos narrados com o indivíduo que os narra e o tipo de demanda da sociedade de origem da pesquisadora ou do pesquisador.
Porém, não são apenas as fontes e temáticas reproduzidas que devem ser objeto dos historiadores, aconselha Albuquerque Júnior. Para ele os silêncios e omissões revelam muito sobre os valores de determinada sociedade, o que esta entende como importante. E é com base nisso que o autor discute a contribuição de Foucault para a história, no que se refere às relações de poder, também expressas no campo do conhecimento.
O pensamento de Michel Foucault também é fundamental quando lidamos com as categorias homogeneizantes e universais, na medida em que o pensador entendia como fundamental romper com estas para que as singularidades não fossem mais obscurecidas pelas grandes narrativas e categorias estruturais que eram modelos explicativos (e ainda são?) da história. Nesse sentido, Albuquerque Júnior valoriza essas ideias, considerando que é com base nelas que devem ser estudadas as múltiplas vivências e as descontinuidades da história, quebrando com a ideia de uma falsa linearidade.
As problematizações referentes às questões levantadas anteriormente estão em voga desde a década de 1960, porém ainda hoje se vê a necessidade de continuar o debate. Na academia nos deparamos com atitudes preconceituosas com relação à narrativa, às fontes e à forma como o historiador lida com elas. Assim, o pensamento de Foucault, que procura desconstruir a racionalidade dos discursos que pretendem a separação entre objeto e sujeito, é fundamental para podermos lidar com as singularidades e as diversidades. A sociedade é plural e não pode ser explicada por meio de estruturas fixas e limitadas.
Os artigos presentes no livro de Albuquerque Júnior, independentemente do foco da discussão, apresentam a ideia comum de que todos os discursos são construídos – inclusive o historiográfico – e estão envolvidos em estratégias de poder; em que saberes serão privilegiados em detrimento de outros; em que vivências serão silenciadas para legitimar outras enquanto norma. O interessante desse conjunto de artigos é que o historiador nos aponta um outro olhar, apresentando a história como um campo plural que, como qualquer ciência, é também fruto de escolhas.
Resenhista
Tatiana Brandão de Araújo – Graduada do curso de História bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. E-mail: tati.vs.86@gmail.com
Referências desta Resenha
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru: Edusc, 2007. Resenha de: ARAÚJO, Tatiana Brandão de. Olhares possíveis sobre as narrativas históricas. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 9, n. 2, p. 447-449, jul./dez. 2009. Acessar publicação original [DR]
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