Categories: Todas as categorias

Hiroshima – The Word’s Bomb – ROTTER (LH)

ROTTER, Andrew J. Hiroshima – The Word’s Bomb. Nova Iorque: Oxford University Press, 2008. 371 pp. Resenha de: PINTO, André. Ler História, n.62, p.210-215, 2012.

1 O livro Hiroshima – The world’s bomb de Andrew J. Rotter descreve, sob várias perspetivas, um dos incidentes mais marcantes do século XX. O alcance das bombas atómicas lançadas sobre o Japão deu a conhecer ao mundo uma arma com um poder destrutivo de tal ordem que Estados em guerra se poderiam destruir mutuamente em segundos. A ameaça atómica esteve no centro de um dos conflitos mais longos do século XX – a Guerra Fria – e está, ainda hoje, no centro de vários conflitos entre potências regionais. É então uma obra relevante para a coleção Making of the Modern World, da Oxford University Press. O objetivo desta coleção é juntar narrativas de momentos chave na história do século XX, explorando o seu significado para o desenvolvimento do mundo moderno.

2 Andrew J. Rotter, professor de História na Colgate University e Presidente da Society for Historians of American Foreign Relations, apresenta a tese principal da obra no seu subtítulo. Rotter tenta concretizar dois objetivos: o primeiro é mostrar a relevância da bomba atómica para a construção do mundo moderno – o objetivo da coleção onde está inserido; o segundo é globalizar o advento do lançamento da bomba atómica, tanto na sua produção, como na sua evolução no pós-guerra. No entanto, Rotter inclui mais uma análise globalizante na sua narrativa.

3 Uma tese secundária é a do declínio da moral dos bombardeamentos feitos pelos vários países envolvidos na II Guerra Mundial, culminando no lançamento da bomba atómica pelos Estados Unidos. Rotter descreve como, de ambos os lados da contenda, a ofensiva superou a filosofia de ataques a alvos militares e a moral associada ao ataque a populações civis foi esquecida, suplantada por objetivos quantitativos e pela falta de exatidão das armas utilizadas. Esta tese, tal como a anterior, é bastante clara na narrativa de Rotter.

4 No entanto existem mais dois pontos de interesse na construção da obra. O primeiro ponto de interesse é o relevo dado à assumption theory, segundo a qual a bomba, a partir do momento em que a decisão do seu fabrico foi tomada, seria sempre utilizada. Rotter não subvaloriza nenhuma das razões da bibliografia tradicional – militares, diplomáticas e culturais – no entanto, dá enfoque a uma razão burocrática, mostrando como o decisor último, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, foi confrontado com uma decisão de Roosevelt à qual vai apenas dar continuidade. O segundo ponto pode ser representado pela dicotomia entre «guerra justa» e «justiça na guerra». Esta dicotomia tem interesse na narrativa, pois Rotter coloca-a na experiência do homem da ciência, traçando o caminho da ação científica desde a sua tradição universalista pré-guerra, até ao serviço do estado-nação característico da II Guerra Mundial. Este quarto ponto conclui a divisão da obra em quatro vetores analíticos, horizontais a toda a obra.

5 Na narrativa podem ser identificados os pontos de vista militar, diplomático, político, científico, tecnológico e cultural. Como qualquer obra abrangente, este livro não satisfará por completo o especialista de cada um dos campos, mas sim um público geral que se interesse pela matéria, objetivo da coleção onde a obra é incluída. A narrativa está organizada em oito capítulos, cada um composto por vários subcapítulos.

6 No primeiro capítulo o autor descreve a «república científica» transnacional do pré-guerra e desenvolve o tema da ética científica associada ao possível poder destruidor dos avanços científicos. Para ilustrar este desenvolvimento, Rotter recorre ao exemplo da utilização do gás como arma na I Guerra Mundial, fazendo a ponte com a moral militar na utilização de armas insidiosas, traçando um paralelo entre o gás e a radiação.

7 O segundo capítulo é dedicado ao Reino Unido. Aqui é apresentado o laboratório de Cavendish como instituição-mãe da bomba atómica. Sob a orientação de Rutherford, cientistas de vários países desenvolvem a parte teórica que permitirá a construção da bomba. Rotter fomenta a globalidade da origem científica da bomba descrevendo as nacionalidades dos vários intervenientes e apresenta as motivações científicas por detrás do trabalho desenvolvido – o poder bélico, o poder dissuasor e o avanço científico em si, com todas as utilizações possíveis.

8 No terceiro capítulo, dedicado à Alemanha e ao Japão, Rotter define os pontos chave no sucesso da construção da bomba. O acesso à matéria-prima – urânio e rádio –, a liberdade de produção científica interdisciplinar e a coordenação dos vários projetos multidisciplinares. Descrevendo os falhanços da Alemanha e Japão nestes fatores-chave, Rotter deixa a narrativa aberta para a explicação dos fatores de sucesso na produção da bomba pelos Estados Unidos.

9 Os quarto e quinto capítulo dedicam-se ao desenvolvimento da bomba pelos Estados Unidos e à sua utilização. O autor identifica a origem britânica do relatório MAUD – onde, pela primeira vez, é apresentada a viabilidade da construção da bomba atómica e elencadas as condições necessárias ao seu fabrico. No quinto capítulo, Rotter utiliza os pontos de vista militar, político e diplomático para descrever o contexto e promover a discussão sobre lançamento da bomba. Um dos pontos principais da obra está na descrição de três pontos de vista de decisores relevantes, dois presidentes americanos e o secretário de Guerra da altura. São as análises de Truman – logo após o lançamento da bomba indicando como motivação a vingança pelo ataque a Pearl Harbour –, Eisenhower – perante o contexto da época, considerava não ser necessário o bombardeamento – e Stimson – indicando, como motivos para o uso da bomba, a razão militar e a poupança de vidas de ambos os lados, considerando a alternativa de uma invasão terrestre. A estas análises, Rotter acrescenta vários fatores, tais como a preocupação em evitar a intervenção russa no Pacífico, a vontade expressa da sociedade norte-americana e a razão burocrática. Um outro fator relevante nestes capítulos é a descrição do bombardeamento incendiário de Tóquio que, sendo prévio ao lançamento de bomba atómica, é equivalente no grau de destruição descrito na obra.

10 O sexto capítulo descreve o contexto militar japonês mostrando, por um lado, a fragilidade da posição japonesa no Pacífico e a existência de uma elite que procurava a rendição condicionada e, por outro, a irredutibilidade dos militares japoneses e o poder que exerciam sobre o Imperador japonês.

11 O sétimo capítulo debruça-se sobre a União Soviética, num ponto de vista pós Hiroshima. Rotter analisa o poderio diplomático desta arma, desenhando-se o conflito latente das próximas quatro décadas e o papel que as armas de destruição maciça representarão, tanto na alimentação do conflito, como elemento dissuasor de concretização da guerra. Ao mesmo tempo que descreve o processo de decisão russo e as suas componentes, Rotter abre caminho para o oitavo capítulo, onde descreve os esforços de Reino Unido, França, Israel, África do Sul, China, e Índia para obter a bomba atómica.

12 Rotter apresenta uma narrativa multidisciplinar para um público-alvo generalista, ou uma narrativa bem construída para o início de um curso de História sobre o tema. Do ponto de vista científico, não perde tempo explicando o mecanismos de reações nucleares. No entanto, os conceitos utilizados permitem ao público-alvo procurar mais informação e ao autor complementar a narrativa. Dos pontos de vista militar, político e diplomático, recorre tanto a fontes primárias como secundárias, de uma forma expositiva e crítica, o que faz com parcimónia, enriquecendo a sua narrativa. Do ponto de vista cultural, não estudando a fundo os efeitos do bombardeamento na psique japonesa, não deixa de exemplificar os efeitos aos níveis de produção cultural e comportamental.

13 Pode resumir-se a relevância da obra na referência ao doomsday clock. Este mecanismo de monitorização, divulgado pela publicação de Chicago Bulletim of the Atomic Scientists, em 1947, apresenta o perigo de um desastre mundial como inversamente proporcional aos minutos em falta para a meia-noite. Observando os valores que o relógio já registou, durante a guerra-fria o valor esteve entre 2 e 12 minutos, registando o valor máximo de 17 minutos no início dos anos 90. Em 2012, o relógio apresenta 5 minutos para a meia-noite, sendo este valor justificado pelo perigo da queda de armas atómicas nas mãos de organizações terroristas transnacionais, pelo conflito regional entre as Coreias e pela facilidade das potências nucleares em provocar destruição maciça com o toque num botão.

14 Rotter distribui a narrativa ao longo de quatro linhas de análise. Três com um objetivo definido – mundialização do processo de produção atómica; queda generalizada da moralidade associada ao bombardeamento de civis no período anterior ao lançamento da bomba; e descrição das razões que levam ao lançamento da bomba – e uma linha analítica aberta – a moralidade científica na dicotomia entre «guerra justa» e «justiça na guerra». Sendo Rotter norte-americano é muito provável que o leitor identifique, nos dois primeiros eixos de análise, uma manobra para incluir o resto do mundo numa ação unilateral norte-americana. Aceitando essa intenção, o leitor notará também que o autor é claro na responsabilização norte-americana, «Americans, of course, did finally imagine and build and use the atomic bomb. There is no point denying that fact, no point in shifting responsibility for these decisions onto anyone else» (p. 95).

15 Na sua primeira linha de análise, Rotter apresenta três argumentos principais: as várias nacionalidades dos cientistas, a corrida das nações envolvidas na II Guerra Mundial para a produção da bomba e a disseminação do poder atómico do pós-guerra. Enquanto os dois últimos são argumentos fortes e bem construídos, a inclusão do avanço científico internacional contribui mais para o enfoque no Estado individual do que na comunidade mundial. Isto porque tanto os meios necessários e a construção da multidisciplinariedade, como a decisão da sua utilização, não são atributos da comunidade científica. Este argumento só poderá visto em função do dilema ético do cientista que constrói a bomba e não como fator globalizante da produção da bomba atómica.

16 Na segunda linha de análise, os argumentos mais fortes são as várias descrições da violência sobre civis dos bombardeamentos de ambas as partes até à bomba atómica. Rotter é claro ao afirmar que «The atomic bombs provided an exclamation point at the end of a continuous narrative of atrocity» (p. 147). O efeito da radiação é discutido na obra, tendo Rotter a consciência de que é o ponto fraco desta linha argumentativa, pois nenhuma arma anteriormente utilizada se lhe assemelha nesse aspeto. Se, por um lado, recorre a fontes primárias, afirmando que o efeito seria desconhecido dos decisores militares e da comunidade científica, é também perentório ao duvidar que fosse de facto assim. Para este leitor, é muito difícil encaixar a bomba atómica no contínuo escalar de violência da II Guerra Mundial, tanto pelo seu poder destruidor duradouro, como pelo efeito que teve, e continua a ter, em todos os seres humanos de todas as nações. napalm e a bomba atómica pertencem a duas categorias muito diferentes de armamento.

17 Na sua terceira linha de análise, Rotter descreve em pormenor as razões militares, diplomáticas e culturais apresentadas pela historiografia para o lançamento da bomba. Rotter dá então relevo à razão burocrática: «What mattered more was the assumption, inherited by Truman from Roosevelt and never fundamentally questioned after 1942, that the atomic bomb was a weapon of war, built, at considerable expense, to be used against a fanatical Axis enemy» (p. 170). Entenda-se este relevo como corajoso pela parte Rotter. Ao fazê-lo, indica que no processo de decisão do governo americano, a burocracia, foi tão relevante que a produção de uma arma pode tornar-se razão da sua própria utilização, por si só, ignorando-se os efeitos da mesma. Rotter é inteligente na junção de todos estes fatores, não eliminando ou criticando nenhum, já que todos explicam, de alguma forma, a utilização da bomba atómica.

18 A quarta linha argumentativa pode ser resumida numa única questão, já repetida em cursos de ética científica: se um cientista, no lugar de Oppenheimer, aceitaria construir a bomba atómica? Esta questão, que é a chave do dilema apresentado por Rotter, encontra na narrativa uma resposta parcial. Se, por um lado, Rotter se dedica a analisar a equipa de cientistas que participou na produção da bomba, por outro, deixa de fora os que foram convidados e não aceitaram. É compreensível que o faça, pois a bibliografia não é clara e, apesar de haver referências a convites a Einstein e Bohr, a participação destes foi limitada, ambivalente e pouco clara. Einstein é o melhor exemplo. Apesar de escrever uma carta a Roosevelt para que a bomba seja produzida e de ter uma participação de dois dias no projeto Manhattan, sempre condenou a utilização da bomba, escrevendo a Niels Bohr em 1944: «when the war is over, then there will be in all countries a pursuit of secret war preparations with technological means which will lead inevitably to preventative wars and to destruction even more terrible than the present destruction of life»1.

19 A questão moral na evolução científica é resolvida facilmente pelas definições de ser humano e pela natureza que nos rodeia. A natureza dos avanços científicos é, na maioria dos casos, benévola. Os avanços que permitiram a bomba atómica destinavam-se, e são hoje usados, na medicina, produção de energia e telecomunicações. O fator que provoca desequilíbrio é a apropriação pelos Estados, e hoje pelas empresas, dos avanços científicos. É o ponto em que o avanço científico deixa de ser uma resposta e passa a ter impacto na vida humana. Neste ponto, a moralidade do homem de ciência é tão relevante como a de qualquer outro homem.

20 Sabendo o que se sabia em 1941, eu, que sou engenheiro químico, teria aceite produzir a bomba. Caso a questão fosse posta após o lançamento da bomba, não teria aceite. É esta a natureza e o resultado de um dos principais acontecimentos do século XX, da qual a obra de Rotter é uma excelente narrativa.

Notas

1 Clark, Ronald W. Einstein: The life and times (1974), Nova Iorque, Avon Books, p. 698.

André PintoEngenheiro químico. Doutorando em Ciência Política no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. andretpinto@gmail.com

Consultar publicação original

Itamar Freitas

Recent Posts

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.9, n.1, 2020.

Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…

2 meses ago

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.9, n.2, 2020.

Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…

2 meses ago

História, Natureza e Espaço. Rio de Janeiro, v.12, n.03, 2023.

Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…

2 meses ago

História da Historiografia. Ouro Preto, v.16, n. 42, 2023.

Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…

2 meses ago

Sínteses e identidades da UFS

Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…

2 meses ago

História & Ensino. Londrina, v.29, n.1, 2023.

Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…

2 meses ago

This website uses cookies.