MOGGACH, Douglas. Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade.Trad. Roberto Hofmeister Pich. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. Resenha de: BAVARESCO, Agemir; COSTA, Danilo Vaz-Curado R. M. Dissertatio, Pelotas, v.32, 2010.
A obra Hegelianismo, Republicanismo e Modernidade é a versão revisada de uma série de conferências realizadas na Universidade Federal da Bahia UFBA, no ano de 2004, pelo professor Douglas Moggach e que, posteriormente, foram lançadas em inglês com o título Hegelianism, Republicanism, and Modernity, e vertidas ao português pelo trabalho sempre competente do professor Roberto Hofmeister Pich (PUCRS), que, na tradução, que ora se resenha, permite ao leitor apreciá-la sem dar-se conta de que se trata de um texto traduzido.
O professor Douglas Moggach, atualmente, leciona na Universidade de Ottawa na School of Political Studies, sendo um reconhecido especialista no pensamento hegeliano desde a vazante interpretativa conhecida pela alcunha de esquerda hegeliana. As pesquisas do estudioso notabilizam-se no plano propriamente historiográfico pelo resgate do papel e da contribuição de Bruno Bauer para a compreensão, tanto de Hegel em específico, como de todo o idealismo alemão em geral, e, pela apresentação de um novo conceito de republicanismo, que está ligado, segundo suas pesquisas, a Hegel e à exegese que é feita de seu pensamento pela esquerda hegeliana.
O livro estrutura-se em três capítulos, respectivamente, intitulados de: (a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade, (b) republicanismo hegeliano e por fim (c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana.
Dividiremos a presente resenha em dois momentos, primeiramente, se fará (i) revelar a estrutura temático-argumentativa do autor, apresentando, segundo a ordem do discurso, os principais temas e problemas desenvolvidos nos três capítulos de seu livro e, após esta fase, (ii) analisaremos as conclusões do autor, de modo a avaliar o potencial de produtividade estabelecido pelo livro e por suas conclusões.
O projeto de reconstrução e resgate de conceitos como republicanismo, modernidade e liberdade desde o pensamento de Hegel, mas, com foco na exegese da esquerda hegeliana [Hegelsche Linke], vem sendo desenvolvido com muita percuciência pelo prof. Douglas Moggach1ao longo da sua trajetória acadêmica e que, agora, conforme se demonstrará, se expõe em toda a sua maturidade.2
(a) Hegelianismo, republicanismo e modernidade: Por um novo conceito de liberdade
A tese de Moggach, neste primeiro capítulo, é conectar o significado do idealismo alemão com a sua concepção de liberdade, de modo a articular liberdade, história e modernidade.
A constatação do renovado interesse na atualidade pelo instrumento hegeliano resume-se, basicamente, a três eixos de abordagens e retomadas, respectivamente postas em: a leitura de Hegel, desde o sinal transcendental do projeto kantiano, a mudança de sentido do projeto político hegeliano, exposto na Filosofia do Direito a partir da publicação das Vorlesungen por Karl Heinz-Ilting e a reavaliação da concepção política da escola hegeliana.
O primeiro modo de retomada do hegelianismo constitui-se a partir de uma leitura aproximativa entre Hegel e Kant, em que o primeiro passa a ser lido desde os limites do projeto transcendental do segundo, iluminando assim uma legítima compreensão hegeliana da constituição objetiva da intersubjetividade,3enquanto unidade imanente entre determinação conceitual e objetividade.
A segunda frente situa-se em reavaliar o status acerca do qual repousa o intento exposto na Filosofia do Direito, pondo em cheque a tradicional concepção política hegeliana de uma monarquia constitucional em favor de uma compreensão de justificação estatal desde o primado da soberania popular, tal como exposto nas Vorlesungen.
E o terceiro desenvolvimento, que se dirige em torno da escola hegeliana, sinaliza o sentido da inclusão do republicanismo como a chave de compreensão do legado de Hegel e da esquerda hegeliana, focada principalmente na sua crítica ao estado da restauração ao invés da sempre mencionada crítica à religião.
Como forma de dar conta e posicionar-se acerca destas três novas formas de abordagem do pensamento hegeliano, Douglas Moggach (p.12) retoma os motivos e os fundamentos da corrente denominada idealismo alemão, de modo a recuperar o fio histórico que conduz a Hegel e que lhe orienta, para assim poder conectar estes novos vieses interpretativos à compreensão da contemporaneidade. Para tanto, Moggach (p.12), interpreta o idealismo alemão como “[…] uma reflexão extensa sobre a idéia de liberdade e as perspectivas para a sua realização no mundo moderno”, ao mesmo tempo em que diferencia o idealismo que se estruturou como alemão dos demais idealismos, em síntese, pôr não estabelecer uma ordem transcendente perfeita em detrimento da imperfeição do real (Platão), nem reduzir o ser ao pensamento, negando a existência do mundo exterior (Berkeley).
Moggach (p.14) afirma que o problema filosófico central do idealismo alemão é a pergunta pela racionalidade da objetividade e como podemos nos determinar de modo igualmente racional face ao mundo e a nós mesmos. O autor declara que o idealismo alemão pode nos conceder um grande legado com a introdução do conceito de espontaneidade kantiano, que consiste em
Agemir Bavaresco, Danilo Vaz-Curado R. M. Costa 322 uma necessidade definível, segundo Moggach (p.18), em “a habilidade da vontade de se determinar somente pelas causas que ela mesma admite ou permite que operem”, proporcionando um meio conceitual de adequação, sem subsunção, entre a autonomia e a heteronomia, entre se dar normas (subjetividade) e viver comunitariamente sob normas (intersubjetividade).
Porém, para que a espontaneidade unisse, sem dissolução, autonomia e heteronomia, era preciso superar a concepção racionalista de Leibniz de uma harmonia pré-estabelecida, posto que esta se constitua unicamente por determinações internas pré-existentes, impedindo qualquer modo de reflexão exterior e a heterodeterminação; novamente Moggach (p. 20) nos acena que Kant, com a categoria da relação, estabelecera as condições para pensar e compreender a internalização da causalidade e, logo, do papel central da espontaneidade como operador entre o eu teórico em face do eu prático.
O conceito espontaneidade, legado do idealismo, é que permite a passagem, na modernidade, para uma concepção de polis fundada moralmente e não como em Locke e Hobbes, alicerçada no cálculo e no interesse.
Deste novo componente legado por Kant, a espontaneidade, e apropriado por Hegel, nos apresenta Moggach (p.21) uma tríplice estruturação do conceito de vontade, ancorada em sua Ciência da Lógica hegeliana e que se baseia em uma tentativa de deduzir do eu teórico as condições de explicitação lógica do eu prático, coordenando a autoreferência interna da apercepção com a determinação externa da vontade que deseja e quer.
Neste percurso de tríplice constituição da vontade, Moggach (p.23) considera que Hegel estrutura os níveis de universalização e realização da vontade em: vontade formalmente universal, particular e individual.4 A primeira esfera da vontade é a vontade universal, a qual se duplica em dois momentos, vontade como forma e um segundo, que pode ser designado de vontade universal, como conteúdo.
O primeiro estágio da vontade universal é aquele em que esta se figura como sendo imediatamente negativa,5 não determinada por nada que não por si mesma, ponto de partida de Hegel da ideia de liberdade, tal como exposta na sua Filosofia do Direito e claramente insuficiente para os padrões contemporâneos.6 O segundo momento do primeiro estágio de determinação da vontade universal hegeliana, consoante a leitura de Moggach (p.25), “[…] se refere à sua habilidade de assumir um conteúdo e fazer dele seu próprio” e é tematizada por Hegel na seção moralidade de sua Filosofia do Direito.
Neste estágio de determinação do eu prático pelo eu teórico, a vontade não é apenas abstração, negação formal, mas a capacidade negativa de discriminação e padronização da vontade como querer, historicamente situado e interacionalmente partilhado, e não como em Kant, atemporal, pois meramente formal A segunda esfera de autodeterminação da vontade é a particularidade, momento de determinação da vontade universal que possui forma e conteúdo, mas se depara em face de objetos (desejos, impulsos, outras vontades etc.) que lhe são exteriores e que, em face destes objetos, deve particularmente determinar-se.
Neste momento, de acordo com Moggach (p. 26), Hegel encontra-se com Fichte novamente, mas não com o Fichte que identifica o eu = eu, e, sim, com o Fichte que determina a autoconsciência como incisivamente sob o pálio do eu prático, logo, da intersubjetividade intrasubjetiva. Agora é o conteúdo empírico da autoconsciência que a obriga a se determinar, não exclusivamente de modo interno, mas prioritariamente sob o signo da alteridade e da diferença.
A universalidade da vontade percebe-se em relação com objetos e se objetualiza como um particular frente a outros particulares, passa-se da capacidade normativa da vontade à sua capacidade de determinação descritiva. Nesta figuração, Moggach (p. 27) demonstra como em Hegel encontra-se posta uma dura crítica tanto ao liberalismo como a Hobbes, consistente na incapacidade de sermos espontaneamente determinados apenas pela esfera da particularidade. Na esteira ainda desta crítica, Moggach (p. 27) afirma que “esse é o defeito de Hobbes e, muito também, do liberalismo subseqüente: ver a liberdade como a ausência de obstáculos entre os sujeitos e os objetos do seu desejo, mas em perguntar à luz de que padrões esses desejos são justificados”.
A terceira configuração ou esfera da vontade é a sua determinação como liberdade que decide ou da decisão, movimento de passagem na vontade do interior para o exterior, da liberação da forma no conteúdo, o decide7, expressa a vontade focada em um objeto por exclusão dos demais, momento através do qual a vontade individualiza-se pelo movimento de universalização particular de seu conteúdo, em face do universo de objetos e possibilidade frente às quais teve de se decidir.
Este terceiro estágio da vontade é descrito por Moggach como “o universal adquire substância e concretude pela seleção e representação de si mesmo num conteúdo particular, o qual, por isso mesmo, cessa de ser meramente dado, e é ‘posto’ ou conscientemente aceito” (p. 28).
Neste projeto de tríplice determinação da vontade, sua expressão concreta é a liberdade que escolhe se autolimitar e que, por isso, reconcilia subjetividade e objetividade.
Moggach define o idealismo alemão como expressão da razão prática e acentua que Hegel, com a Fenomenologia do Espírito, estabelece a forma de compreensão de uma história da razão prática, ancorada nas diversas formas de relacionamento entre o eu e o mundo pelas figurações históricas experienciadas, que, por seu turno, permitem a constituição da personalidade como um ato de liberdade, onde a vontade é exercida como modo de determinação para-si de seus fins e atributos (cf. p. 29).
Contudo, nos adverte Moggach que “a teoria de Hegel não é simplesmente um endosso da ordem liberal, mas um modernismo crítico ou alternativo” (p.32), centrado na irredutível diferença entre sociedade civil e estado, estabelecendo as condições de efetivação de uma concepção de cidadania focada em um modelo de comunidade racionalmente ordenado.
Certamente é esta unidade entre (i) idealismo alemão, compreendido como a totalidade histórica das configurações do pensar, (ii) modernidade, expressão temporal de realização desta totalidade que é o idealismo alemão (iii) e hegelianismo, apreensão conceitual da temporalidade à luz do discurso filosófico, tendo como centro explicativo a ideia de liberdade, que conduz, na análise de Moggach, a uma diferenciada concepção de republicanismo que será desenvolvida no capítulo seguinte.
(b) republicanismo hegeliano
No primeiro capítulo do livro, Douglas Moggach (p.11) nos afirma que, em linhas gerais, o republicanismo no idealismo alemão pode ser compreendido como uma teoria da liberdade positiva ou da autotranscendência, que alterna, motivos éticos e estéticos derivados de Kant e Hegel, na constituição do status de cidadão.
No segundo capítulo, Moggach (p. 37) afirma ser o estudo do republicanismo uma importante nuance do pensamento político contemporâneo, mas que, paradoxalmente, o republicanismo de origem alemã não tem sido amplamente recepcionado, em razão de que ele tem suas raízes em Hegel e sob este paira uma ‘suspeita’ acerca de uma suposta submissão da liberdade à metafísica.
Assim, insere-se o intento do presente capítulo em esclarecer este flanco aberto, constituído pela tentativa de superação desta negação de aproximação da teoria contemporânea à concepção republicana hegeliana, através da demonstração do seu potencial de diagnose e da atualidade deste específico tipo de republicanismo.
Para situar-nos preliminarmente em face do republicanismo, informanos Mogach que: “A idéia republicana central é que as práticas e instituições de cidadania são integrais à experiência da liberdade; elas não são meramente instrumentais aos propósitos econômicos, como no liberalismo, nem são elas indispensáveis em favor da administração econômica” (p. 37).
O autor (p.38-39) nos apresenta duas concepções que balizam o debate dentro desta renaissance do republicanismo, em um corte que os divide em uma versão moderada de republicanismo, pautada no postulado da nãodominação e compatível com uma concepção republicana de raiz nitidamente jurídica, centrada na defesa dos direitos e na divisão da concepção de liberdade em liberdade positiva e liberdade negativa.
Uma segunda forma de republicanismo tachada de rigorosa, apresentase com os mesmos postulados anteriores, mas os agudiza no sentido de formulação e justificação de uma distinção entre moralidade e direito, no intento de estabelecer correspondências entre as motivações internas (morais) como determinantes das pautas políticas (direito) e, inversamente, estabelecendo exigências estritas sobre os sujeitos como cidadãos mediante o primordial interesse na questão social.
Mogach (cf. p.39) associa esta concepção rigorosa de republicanismo à esquerda hegeliana, mais especificamente a Bruno Bauer e os debates sobre o republicanismo no período do Vormärz e seu projeto de um modelo republicano que assuma a liberdade positiva de feição hegeliana como forma de reordenar as instituições sociais tradicionais, dilaceradas pela divisão do trabalho e pelo predomínio dos interesses privados.
Nesta concepção de republicanismo de feição alemã, o interesse privado é preservado, porém submetido a uma autotransformação pelo recurso à luta por instituições políticas racionais como modo eficiente de uma dúplice reordenação social que incida nos indivíduos e nas próprias instituições.
Nesta leitura do republicanismo de base hegeliana, as instituições são racionais na medida em que resultam da atividade autotélica8 dos indivíduos e menos por realizarem um princípio metafísico ou fins substanciais prévios.
Moggach (p. 42), ao resgatar na esteira de Hegel, a concepção de Bruno Bauer,9a interpreta no sentido e marco das atuais correntes neohegelianas que se auto-intitulam de pós-metafísicas,10exatamente na medida em que assume as constatações da diagnose hegeliana, mas rompe a discursividade especulativa imanente que as desvelam como modo de evitar o compromisso discursivo com a integridade sistemática do pensamento hegeliano.
O republicanismo que Moggach (p.46-47) extrai da esquerda hegeliana, especificamente de Bruno Bauer, constitui-se pela dúplice raiz conceitual de Kant e Hegel. Em Kant, afirma Moggach (p.46), Bauer apropria-se da crítica transcendental às formas da heteronomia empírica e racional, mas se aproxima da heteronomia racional ancorada na ideia de perfecionismo, pois, mesmo sustentando que a subjetividade autodetermina-se quando repudia interesses privados e universais transcendentais, acredita Bauer que o papel da espontaneidade e da autonomia, quando assumidos conscientemente, devem conduzir ao progresso histórico.
Em Hegel, declara-nos Moggach (p.47), que Bauer encontra o diagnóstico da modernidade e o papel central atribuído a personalidade livre infinita, como os pilares restantes para a construção madura de seu republicanismo.
Dentro deste cenário, Bauer constrói sua concepção republicana adjudicando à modernidade a tarefa de incorporação na atuação dos sujeitos da autonomia e da razão como um esforço à construção racional da objetividade desde um regresso ao eu racional, ao contrário do propugnado por Hegel.
O republicanismo de Bauer propõe um modelo de estado laicizado, com intenso papel do indivíduo na vida pública, e dirige-se ferozmente em face da nascente sociedade de massas que obnubila o político, enclausurando os indivíduos na exclusividade de seus fins privados, impedindo a dupla reflexividade nascente com a modernidade e a percepção da racionalidade do curso histórico, tornando os indivíduos meros solipsistas práticos.
(c) republicanismo e socialismo na escola hegeliana
Após as revoluções de 1848, a esquerda hegeliana conhece, através dos debates entre Bauer e Marx, em torno da questão judaica, uma cisão entre republicanismo e socialismo. Na esteira deste diálogo, Bauer enfatiza a crítica às concepções de liberdade constituídas desde a vaga pós-revolucionária, inclusive as de Marx e Hegel, e afirma a centralidade do projeto republicano na emancipação social e não somente na emancipação política, propugna a libertação do proletariado, o qual era por ele designado de helotas11 da sociedade civil [bürgerlichen Heloten].
Nesta tarefa de posicionar seu republicanismo como antípoda do socialismo, Bauer, consoante Moggach (p. 58), defende um modelo de sociedade civil que repudie o primado da liberdade de escolha exercida sob o.jugo do mercado, apelando a uma participação política em prol de um certo perfeccionismo social, por imputar ao modelo liberal a pecha de, em sua base formativa, transformar os indivíduos em massa, ao identificar autonomia individual e asserção individualista resultante da posse protegida pelo direito privado, instituindo um anacrônico individualismo possessivo.
Contudo, se o republicanismo de Bauer é contra o liberalismo e a favor de uma reordenação recíproca de liberdade negativa e positiva como forma do ser livre da modernidade, o mesmo Bauer filia-se à crítica liberal quando de sua repulsa ao socialismo, taxando-o unicamente de buscar a satisfação imediata do proletariado. Para Bauer, o projeto socialista de emancipação e generalização da classe proletária seria apenas a universalização da necessidade e da pobreza.
Nesta tensão entre republicanismo e socialismo ou entre as divergências da esquerda hegeliana, mais especificamente entre Bauer e Marx, Moggach (p. 65 e s) quer estruturar a concepção republicana oriunda do hegelianismo. No seio deste debate entre Bauer e Marx, ou entre republicanismo e socialismo, Marx constitui sua concepção de socialismo na crítica e ao mesmo tempo retomada da concepção de trabalho hegeliana e de sua correspondência com as determinações lógicas da Ciência da Lógica, na seção teleologia. Aduz ainda Moggach (p. 66) que a concepção de trabalho de Marx permite-nos visualizar uma nova concepção de democracia, mesmo que não explicitado diretamente por Marx, que englobe os processo de trabalho e as relações sociais que lhe são condicionantes, como modos de efetivação das pautas modernas por liberdade, igualdade e fraternidade. Nesta nova concepção de democracia, que estaria contida em Marx derivada da sua concepção de trabalho, dois são os fundamentos operantes: a autoadministração e o planejamento.
Para Bauer, a teoria socialista fetichiza o trabalho e sobrevaloriza o proletariado; para Marx o republicanismo é um modo ideológico que mascara as contradições da vida real e é impotente em face do capital.
O livro do Prof. Moggach inscreve-se no marco de leituras da filosofia política da atualidade que buscam extrair de autores, consagrados ou não, seu potencial de compreensão do passado como modo de explicitação das dinâmicas e aflições contemporâneas, só por este ponto, o texto, que ora se resenha, merece ser lido e meditado.
Contudo, há outro motivo que instiga a leitura e a análise das conclusões inferidas e que se refere ao resgate de uma tradição filosófica, outrora muito conhecida e, atualmente, pouco estudada e relegada a um injusto ostracismo. Trata-se da vazante de pensadores que, na esteira do idealismo alemão em geral, e de Hegel em particular, movimentaram intensamente o debate pós-revolucionário de 1848 e de um certo modo polarizaram, por décadas, todo o debate da filosofia política e que poderíamos resumi-los a: Kuno Fischer, Karl Rosenkranz, Eduard Gans, F.W. Carové, H. F. W. Hinrichs, Carl L. Michelet, H. B. Oppenheim, John Eduard Erdmann, Carl Rössler, os assim denominados da direita hegeliana [Hegelsche Rechte] e Heinrich Heine, Arnold Ruge, Moses Hess, Max Stirner, Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e Karl Marx, que, no passado, foram denominados da esquerda hegeliana [Hegelsche linke]. Claro que o resgate, aqui, mencionado resume-se a Bauer e a Marx, porém estudos como este do Prof. Moggach incitam os jovens pesquisadores na busca de alternativas teóricas aos lugares comuns da atual ortodoxia da filosofia política.
Por fim, espera-se que esta não seja a única das publicações do Professor Moggach vertidas à flor do lácio, mas apenas a primeira de tantas a nos brindar com suas análises atuais e lúcidas sobre os problemas contemporâneos do republicanismo, liberalismo e do Estado de direito.
Notas
1 Pensa-se, mais especificamente, nos desenvolvimentos constituídos em The Philosophy and Politics of Bruno Bauer, Cambridge: ed. Cambridge University Press, 2003, em Reason, Universality, and History, Ottawa, Legas Press, 2004, 303 pp.(com Michael Buhr) e no volume organizado pelo autor intitulado de The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
2 O professor Douglas Moggach expôs, sob a forma de intuições no texto introdutório ao livro The New Hegelians: Politics and Philosophy in the Hegelian School, os conceitos que, posteriormente, se encontram aqui desenvolvidos. Não por mera coincidência, o texto de abertura do referido volume intitula-se: Introduction: Hegelianism, Republicanism, and Modernity, pp.1-24.
3 Moggach, 2010, p. 9.
4 É usualmente utilizado na bibliografia hegeliana, especialmente na brasileira, o terceiro momento da vontade hegeliana com a expressão singularidade, mas, como fora optado pelo autor e pelo tradutor o termo individualidade, dele nos serviremos.
5 Moggach (p.23) nos diz que a vontade universal é idêntica à tese fichteana do eu=eu da Doutrina da Ciência.
6 Moggach (p.24-25) indica que Hegel crítica tal concepção de vontade abstratamente universal, mediante o recurso à três experiências históricas que demonstraram sua fragilidade, (a) a concepção estóica de liberdade, (b) a bela alma romântica e (c) o terror jacobino.
7 Do Latim: decido, -is, -ère, decidi, -cisum. Sent. próprio: 1) Separar cortando, cortar, reduzir (Tac. G.10) in. Farias, Dicionário Latino-Português. p. 280.
8 Para não cair no teleologismo de base hegeliana, Moggach afirma que a ação é autotélica [que se dá fins] e não portadora de um telos, que, lhe sendo imanente, pré-ordena sua atividade, determinando-a.
9 Principalmente o Bruno Bauer das obras: Die Posaune des jüngsten Gerichts über Hegel, den Atheisten und Antichristen, Geschichte Deutschlands und der französischen Revolution unter der Herrschaft Napoleons e Hegels Lehre von der Religion und Kunst von dem Standpunkte des Glaubens aus beurteilt.
10 Pensa-se aqui em Axel Honneth, Jean-François Kervègan, Paul Ricoeur entre outros
11 Também chamados de Hilotas, na Grécia, eram servos e propriedade do estado. Não se deve confundir os Hilotas [servos] com os escravos, pois estes eram de outro estrato social
Agemir Bavaresco – PUCRS.
Danilo Vaz-Curado R. M. Costa – PPGFIL-UFRGS.
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