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Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism | Jeffrey Jue

O livro Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism de Jeffrey Jue, publicado em 2006, é um estudo acerca dos trabalhos de Mede, em especial aqueles voltados para o milenarismo, e de seu legado no pensamento profético. Esta pesquisa de Jue sobre Mede iniciou, segundo o autor, com sua dissertação de doutorado em Teologia desenvolvida na University of Aberdeen, na Escócia (JUE, 2006), posteriormente, sua tese foi publicada como o livro Heaven Upon Earth. Atualmente, Jeffrey Jue é professor de História da Igreja no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia (EUA), sendo assim, sua análise, no livro, partiu da Teologia, mas é interessante notar que, além disso, o autor também se preocupou com as perspectivas historiográficas sobre o século XVII na Inglaterra.

Seu trabalho se insere em um debate acerca do milenarismo inglês. Admitindo uma postura revisionista, Jue tentou desvincular os discursos religiosos sobre o Milênio e o Apocalipse do contexto revolucionário na Inglaterra, bem como tentou dissociar as perspectivas escatológicas de uma suposta motivação para o processo colonizador da América do Norte. Assim, para Jue, o milenarismo não deve ser identificado com uma postura política radical de alguns de seus adeptos. Com o caso de Mede, o autor mostrou que o Apocalipse era um tema de discussão intelectual e acadêmico e que, mesmo depois do período das Guerras Civis inglesas, este continuou a ser uma questão sobre a qual muitos pensadores se debruçaram até meados do século XVIII.

Neste sentido, o autor indica que o estudo sobre o pensamento de Mede pode auxiliar na compreensão do milenarismo britânico. Para tornar compreensível seu objeto de estudo, Jue fez uma breve biografia de Joseph Mede, situando-o no período em que viveu. A contextualização oferecida pelo pesquisador, ainda, apresentou os debates e estudos sobre o Apocalipse na Época Moderna. A seguir, Jue procurou identificar o legado de Joseph Mede, isto é, a repercussão de seus escritos no pensamento escatológico na Inglaterra, na América do Norte e na Europa.

Como dito anteriormente, para abordar o assunto, Jeffrey Jue voltou-se em certa medida para a historiografia, desta forma na introdução de Heaven Upon Earth, ele expôs um balanço historiográfico acerca da Grande Rebelião e do milenarismo inglês no século XVII.

O milenarismo no século XVII – conforme o teólogo – era a concepção escatológica mais popular, ainda que fosse considerada como uma posição herética pelos ortodoxos. Esta corrente de pensamento foi reforçada com a publicação de Diatribe de Mille Annos de Johann Heinrich Alsted e de Clavis Apocalyptica de Joseph Mede, ambos em 1627. A partir da análise dos textos de Mede que tratavam ou não sobre o Apocalipse; de suas correspondências; e da sua biografia, intitulada Works, feita, provavelmente, por John Worthing e John Alsop, o autor identificou o período compreendido entre 1625 e 1632 como uma fase de conversão do pensamento de Mede ao milenarismo. De acordo com a perspectiva de Jue no livro, o milenarismo pode ser compreendido como uma análise sobre as profecias bíblicas que identifica no futuro o início de um reino de Cristo, o qual seria marcado por mil anos de felicidade, antes da derradeira vitória de Jesus sobre o Demônio.

Jeffrey Jue demonstrou no capítulo seis, “The Origins of the Clavis Apocalyptica: A Millenarian Conversion”, as reflexões de Mede acerca do Apocalipse. Seu pensamento foi bastante influenciado pelo puritanismo, ainda que de uma corrente bastante conservadora e favorável ao arcebispo William Laud. Inicialmente, Mede partia de uma “more symbolic or spiritualized interpretation of the duration and the nature of the millennium” (JUE, 2006, p.93). Sua percepção do milenarismo começou a se alterar em 1625 e, mais tarde, com a segunda edição de Clavis Apocalyptica em 1632, pode-se perceber uma conversão completa a esta corrente de pensamento.

A partir disso, Joseph Mede trabalhou em uma cronologia das monarquias do Livro de Daniel. Além disso, ele sincronizou as profecias de I Timóteo, Daniel e Apocalipse, seguindo o princípio protestante da analogia fidei. Foi este sincronismo – que concebeu as três profecias como ideias sobre um mesmo evento – que o aproximou do milenarismo. Neste sentido, Jue concluiu que Mede não se tornou um milenarista devido ao contexto europeu e inglês do século XVII, como se costumava pensar, mas sim por conta de seus estudos bíblicos.

Baseando-se nos escritos dos primórdios do cristianismo, Mede caracterizou o Milênio como uma profecia a ser interpretada literalmente e não mais espiritualmente. Assim, para ele, a ressurreição prevista na Bíblia seria corporal. Além disso, Joseph Mede também se apoiou em estudos do judaísmo. Desta maneira, concentrando diversas influências, Mede entendia que o retorno de Cristo representava a queda do Anticristo e um milhão de anos de perfeição e felicidade, até o Dia do Julgamento, quando ocorreria uma batalha contra os exércitos demoníacos (Mag e Magog) e, posteriormente, se daria a ressurreição universal.

Depois de situar o leitor sobre as origens do pensamento milenarista de Mede e de seus estudos sobre o tema, Jue traçou um panorama do seu legado, indicando que o milenarismo não estava atrelado a um contexto revolucionário, sendo assim, não acabou em 1660 com o fim da Rebelião, mantendo-se um tema de debate até o século XVIII.

Na Inglaterra, o Jue citou uma série de autores, incluindo Hugo Grotius, Henry Hammond, Richard Baxter, Henry Moroe, Drue Cressner, Isaac Newton e William Whiston, que discutiram o assunto. Influenciados pela produção de Mede, pensadores como estes alimentaram o debate até o século XVIII na Inglaterra, concordando ou discordando das propostas de Joseph Mede. O principal aspecto de embate ocorreu entre os favoráveis a Mede e os adeptos do New Way, iniciado por Grotius, o qual concebia o Milênio como um evento do passado e não do futuro.

Neste sentido, o autor demonstrou que o interesse dos letrados no milenarismo permaneceu. Este interesse, ainda, estendeu-se para a América do Norte, com os escritos de Thomas Goodwin, John Cotton, John Davenport, Cotton Mather, Samuel Sawell, Nicholas Neyes e John Elliot. Alguns autores viam a América como uma terra do Satã, habitada por homens e mulheres que não tinham conhecimento de Deus e que não usufruiriam dos benefícios do Milênio; enquanto outros concebiam a América como um local tão abençoado quando o Velho Mundo, o qual também estaria incluído no Milênio. Ainda que muitos puritanos tenham chegado ao Novo Mundo com concepções milenaristas, Jue não partilha da visão de pesquisadores como Perry Miller, os quais compreendem na colonização o anseio da construção de uma Nova Jerusalém. Segundo o autor, Mede influenciou outras regiões da Europa. Sabe-se, por exemplo, que Clavis Apocalyptica chegou à Dinamarca, a cidades italianas e germânicas e à Holanda.

Depois de tratar sobre todas estas questões, Jeffrey Jue estabeleceu algumas conclusões. Primeiramente, para ele, o milenarismo não está necessariamente associado ao radicalismo político e social. Também, o interesse no Apocalipse, enquanto um tema de estudo e reflexão, não se resumiu às décadas de 1640 e 1660. O milenarismo não foi um fenômeno exclusivamente inglês, este deve também ser pensado em relação à Europa e à América do Norte. O milenarismo na Inglaterra, na Europa e na América Inglesa foi influenciado por Mede. Por fim, o autor apontou que são necessárias mais pesquisas sobre Joseph Mede e seu legado, o qual perdurou por muito tempo.

A obra de Jeffrey Jue revela aspectos interessantes dos estudos sobre o milenarismo. É fundamental que se perceba que este é um fenômeno independente dos contextos revolucionários, entretanto, não é possível deixar de considerar que momentos de crise, tais como a Grande Rebelião ocorrida na Inglaterra entre 1640-1660, indiquem especificidades no pensamento milenarista. As ideias não podem ser desvinculadas de seus próprios contextos e, neste sentido, o período revolucionário e a subsequente restauração do governo foram apropriados pelos milenaristas. Como observou Bernard Capp, em 1971, para o caso do pentamonarquistas, as crises e guerras na Inglaterra eram vistas pelos Homens da Quinta Monarquia como esforços de Deus contra o Demônio para acabar com os reinos terrenos (CAPP, 2008).

Joseph Mede não escreveu Clavis Apocalyptica ou outros de seus textos pensando em uma revolução, entretanto – como o próprio pesquisador notou – muitos puritanos apropriaram-se das teorias de Mede, as interpretaram e utilizaram a partir de um viés radical. A tentativa de Jeffrey Jue de isentar Mede de qualquer relação com a Rebelião, caracterizando-o a todo o momento como um homem reservado e cauteloso em suas afirmações acerca de assuntos polêmicos, acaba por colocar em segundo plano outro aspecto fundamental de seu legado: a sua influência sobre os milenaristas radicais e a apropriação de suas leituras das profecias bíblicas durante a Grande Rebelião.

Depois, ao indicar a extensão do legado de Mede no restante da Europa e na América, Jue restringiu-se a alguns poucos puritanos que fizeram parte das primeiras gerações de colonos na América Inglesa e também se fixou apenas nos debates holandeses acerca do Apocalipse e do Milênio.

Em relação à sua apreciação da influência de Mede na América do Norte, Jue descartou totalmente a hipótese de que muitos colonos pensassem na configuração de uma Nova Jerusalém no Novo Mundo. Aparentemente, as novas tendências historiográficas, sobretudo, norte-americanas vêm criticando as concepções de autores como Perry Miller de que a ocupação das treze colônias foi motivada e permeada por perspectivas escatológicas. Este é um tema de grande debate na historiografia atual, visto que outras análises permanecem destacando o papel fundamental do milenarismo e das ideias de Apocalipse no processo de colonização da América. Inclusive os debates seiscentistas em relação à conformação do governo civil na Nova Inglaterra estavam imbricados nestas profecias. Em colônias como Massachusetts Bay e Rhode Island, houve centralidade na atuação de protestantes.

Tanto no caso dos comentários sobre a Inglaterra, a América como sobre a Holanda, Jue apenas apresentou um recorte do pensamento dos letrados, o que deixou de lado aspectos sociais e culturais que poderiam relevar outras questões interessantes para a compreensão do milenarismo.

Todavia, Jue apresentou grande esforço em mostrar que o milenarismo britânico foi de ampla circulação e provocou reflexões que não se limitavam ao espaço da Grã-Bretanha. É necessário estabelecer relações e articulações com outros espaços, tais como a Europa e a América. Também, a concepção de que as interpretações acerca do Milênio não se concentraram em um período único da história da Inglaterra são interessantes para entender o milenarismo como algo mais amplo do que um fenômeno passageiro, o qual só pode ser percebido em momentos críticos.

Neste sentido, o autor apresentou grandes interpretações sobre o Milênio ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, que foram fundamentais para localizar as ideias de Mede em uma tradição mais longa do pensamento apocalíptico inglês. Da mesma forma, os debates travados entre Mede e outros pensadores demonstraram um ambiente de profundas reflexões sobre o milenarismo que perpassavam diversas esferas do universo intelectual do século XVII. Desta forma, o estudo de Jue não deixa de ser uma grande contribuição para os estudos do milenarismo ao longo da Idade Moderna.

Referências

CAPP, Bernard. The Fifth Monarchy Men: a study in a Seventeenth Century Revolution. Georgia: Mercer University Press, 2008.

JUE, Jeffrey K. Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism. Netherlands: Springer, 2006.

Verônica Calsoni Lima – Estudante do 8º termo da graduação em História da Universidade Federal de São Paulo, bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Curriculum Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=S1732559 . Orientador: Prof. Dr. Luís Filipe Silvério Lima.


JUE, Jeffrey K. Heaven Upon Earth: Joseph Mede (1586-1638) and the Legacy of the Millenarianism. Netherlands: Springer, 2006. Resenha de: LIMA, Verônica Calsoni. O Milenarismo de Joseph Mede. Cadernos de Clio. Curitiba, v.3, p.333-342, 2012. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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