O livro Guia de fósseis da Bacia do Araripe, organizado por Antônio Álamo Feitosa Saraiva, Flaviana Jorge de Lima, Olga Alcântara Barros e Renan Alfredo Machado Bantim, além de trazer a descrição dos vários tipos de fósseis do Período Cretáceo, como: plantas, fungos, moluscos, crustáceos, pterossauros, dinossauros e lagartos, é uma excelente referência a ser usada por professores da área de Ciências Humanas na educação básica, inclusive no Ensino Médio, considerada como Ciências Sociais Aplicadas, mesmo que essa não tenha sido a intenção dos seus autores.
O Guia é uma atualização de outras versões (2010, 2013 e 2015), aprimorado pela inserção de novas descobertas e por uma editoração gráfica bastante atrativa, principalmente pelas fotos e ilustrações em cor que dialogam com os textos descritivos. São escritos objetivos e detalhados de cada espécie que viveu na região há milhões de anos, em uma área que se estende por 12.000 Km².
Embora o objetivo do “Guia” seja a identificação dos fósseis encontrados pelos paleontólogos na vasta região do Cariri, as imagens e escritos trazem uma excelente possibilidade para a melhor compreensão dos estudos básicos de taxonomia de fósseis, paleontologia e geologia, notadamente no contexto de diferentes cenários paleográficos da evolução geológica das bacias do nordeste do Brasil entre o Devoniano Superior e o início do Cretáceo. Mas, é também um instrumento para a educação regular no Ensino Médio, como tratarei ao final desta resenha.
Dois capítulos antecedem a descrição das espécies. Ainda que tenham um caráter introdutório, as descrições são importantes referências para estudos aplicados à educação básica. O primeiro capítulo, “A geologia da Bacia do Araripe”, escrito por Renan Bantim, Flaviana Lima e Álamo Saraiva, traz um mapa geológico com a localização das dez unidades geológicas: a Sequência Paleozóica, com a formação Cariri; a Supersequência Pré-Rife, com as formações Brejo Santo e Missão Velha; a Supersequência Rifte, com a formação Abaiara; a Supersequência Pós-Rifte, constituída pelas formação Barbalha, Crato, Ipubi e Romualdo; temos, ainda, as formações de Araripina e Exu.
No segundo capítulo, os mesmos autores fazem um “breve histórico das pesquisas paleontológicas na Bacia do Araripe”. Descrevem, de forma cronológica, o desenvolvimento da paleontologia, desde que as petrificações de peixes e anfíbios geraram interesses nos cientistas alemães Spix e von Martius, ainda no início do século XIX. Segundo os autores, no relatório dos dois viajantes consta a primeira ilustração de um fóssil encontrado naquele local. Os autores citam Cope, Woodard e Jordan & Brannder como pesquisadores que também se interessaram pelos fósseis do Araripe. No século XX, os estudos sobre a Bacia do Araripe ganharam status de preocupação oficial do estado brasileiro, por meio da Inspetoria de Obras contra as Secas, tendo sido importantes os trabalhos de Crandall, em 1910, e Horace, em 1913.
O capítulo 3, organizado pelas pesquisadoras Flaviana Jorge de Lima, Ana Maria de Souza Alves e Alita Maria Neves Ribeiro, é dedicado à descrição da paleoflora da Bacia do Araripe. A maior preservação se encontra na formação rochosas do Grupo Santana, especialmente as formações Crato e Romualdo, predominando as gimnospermas. É possível, todavia, encontrá-las na Formação Missão Velha, Barbalha e Ipubi. Também já foram localizadas e descritas plantas pteridófilas e angiospermas. Após a rápida introdução do capítulo, as autoras apresentam as plantas divididas em Filicófita; Coníferas; Gnetales; Gimnosperma Incertae sedis; Angiospermas. Cada planta é descrita pelo nome da espécie, local de custódia do Holótipo, sítio de ocorrência mais comum e dicas de identificação, juntamente com uma imagem do espécime (holótipo). Esse esquema de apresentação do conteúdo se repete nos demais capítulos.
O Capítulo 4, de Álamo Saraiva, é dedicado aos fungos, representados pelo espécime Gondwanagaricites magnificus. Sua descrição segue o padrão: espécie, Holótipo, Ocorrência, Dicas de identificação e imagem acompanhada de escala. Já o capítulo 5 trata dos Moluscos e foi organizado por Damares Ribeiro Alencar e Sílvio Felipe Barbosa de Lima. Os moluscos fósseis da Bacia do Araripe são frequentes desde o Jurássico Superior até o Cretáceo Inferior, respectivamente, nas formações Brejo Santo e Romualdo.
O capítulo 6, organizado por Damares Ribeiro Alencar e Olga Alcântara Barros, aborda os crustáceos, divididos em: camarões, caranguejos e microcrustáceos que, por sua vez, são subdivididos em Copépodes, Ostracodas e Conchostráceos. O capítulo 7, dedicado às miriápodes, foi escrito por Elis Maria Gomes Santana e Renan Alfredo Machado Bantim. Ao menos três espécies foram encontradas na formação Crato e descritas a partir de holótipos depositados em Museus da Alemanha. Também são registradas as ocorrências de cada espécie, acompanhadas de datação cronológica e “dicas de identificação”. Elis Maria Gomes Santana e Edilson Bezerra dos Santos Filho (capítulo 8) escreveram sobre a identificação dos aracnídeos, mais bem preservados na formação Crato. Seu trabalho privilegia dois escorpiões, um Uropígio, um Amblipígio, um Solífugo, um Ácaro e cinco aranhas.
O capítulo 9, composto por Edilson Bezerra dos Santos Filho e Gustavo Gomes Pinho, traz a maior diversidade fóssil da Bacia do Araripe, os Insetos, predominando, quase exclusivamente, na Formação Crato, na qual foram descritas 14 famílias e 53 espécies. O Guia apresenta descrição detalhada de 27 insetos, no mesmo padrão das demais descrições (p. 163-189), além de quadro com as 387 espécies, distribuídas em 22 famílias e 17 ordens, que já foram descritas para a Bacia do Araripe (p. 191-207).
O capítulo 10, escrito por Damares Ribeiro Alencar e Antônio Álamo Feitosa Saraiva, trata dos Equinodermas. A ocorrência desses animais fósseis é mais frequente na Formação Romualdo, sendo importante evidência de ambientes marinhos com elevada salinidade. O Guia traz a descrição de quatro espécies de equinodermas, seguindo o mesmo padrão com o nome da espécie e a localização dos holótipos (2), espécime (1) e Lectótipo (1).
O texto de Thatiany Alencar Batista e José Lúcio e Silva (capítulo 11) trata dos peixes encontrados nas Formações Brejo Santo, Barbalha, Crato, Ipubi e Romualdo. Ao todo, são 35 espécies são descritas no guia. Já o Capítulo 12, escrito por Thatiany Alencar Batista e José Lúcio e Silva, descreve seis espécies de anfíbios. Em seguida, vem o capítulo 13 com 4 espécies de tartarugas, cuja descrição ficou a cargo de Gustavo Ribeiro Oliveira e Thatiany Alencar Batista.
Renan Alfredo Machado Bantim foi responsável pela escrita dos quatro capítulos seguintes. Os capítulos 14 e 15 descrevem, respectivamente, três crocodilos e quatro lagartos. Os pterossauros, comuns na Formação Romualdo e Crato, são o objeto do capítulo 16. Pelo menos dois grupos desses pterossauros são abundantes na região: os Anhangueridae e os Tapejaridae. O Guia nos apresenta oito espécies do grupo dos Anhanguerida; cinco espécies dos Anhagueria; cinco dos Tapejarinae; e dez espécies dos Thalassodrominae. Até agora, já foram descritas 30 espécies de pterossauros para a Bacia do Araripe, sendo seis da Formação Crato e 24 da formação Romualdo.
O capítulo 17 trata dos Dinossauros e Aves. Ao todo são sete espécies descritas, merecendo destaque o Santanrator placidus, pelo seu estado de preservação pouco comum no mundo, possuindo partes de tecidos moles, como peles, vasos sanguíneos e fibras musculares. Vale destacar que o fóssil recebe este nome em homenagem ao Reitor Plácido Cidade Nuvens, criador do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, atualmente importante equipamento de pesquisa no campo da paleontologia. O penúltimo capítulo (capítulo 19) é dedicado ao Museu e seu fundador.
O capítulo 18, escrito por Edilson Bezerra dos Santos Filho e Thatiany Alencar Batista, traz a descrição de onze Icnofósseis, resultantes das atividades deixadas por organismos através da biotubação, biorosão, fezes, ovos ou nidificação. Este e todos os capítulos destinados à descrição dos fósseis são acompanhados de referências bibliográficas.
O capítulo 19, como já dito, é dedicado ao Museu de Paleontologia que atualmente recebe o nome de seu fundador, Plácido Cidade Nuvens (MPPCN). O Museu foi inaugurado em julho de 1988, com o objetivo de guardar e preservar os fósseis, crescentemente tornados alvo de contrabando na região, principalmente do município de Santana do Cariri, cujo prefeito, à época, era o mesmo professor Cidade Nuvens. Em 1991, o então reitor da Universidade Regional do Cariri (URCA), José Teodoro Soares, firmou o termo de comodato para que o Museu pertencesse à URCA. Classificado como Museu de Ciências Naturais e História Natural, ele expõe vários fósseis descritos no Guia. O Museu também conta com reserva técnica com mais de 7.000 fósseis, resultantes de doações, coletas e escavações realizadas pelo Laboratório de Paleontologia da URCA. Anualmente, o MPPCN recebe visita de mais de 25.000 pessoas, entre os quais figuram estudiosos provenientes de vários países.
O último capítulo do Guia é dedicado ao Laboratório de Paleontologia da URCA (LPU). Criado em 2003 para atender às necessidades de estudos dos cursos de graduação e pós-graduação da URCA, o LPU, hoje, se destaca no âmbito nacional e internacional pelas pesquisas que realiza na Bacia do Araripe. O Laboratório é responsável pela maior quantidade de pesquisas paleontológicas do Ceará. Sempre que possível, o LPU faz exposições itinerantes junto às comunidades das cidades localizadas na Bacia do Araripe com vistas à conscientização sobre a importância de preservar o patrimônio fossilífero da região. O LPU mantém parcerias com diversos laboratórios nacionais e internacionais e seus membros já publicaram em revistas renomadas no cenário científico mundial. Não por acaso, o Museu de Paleontologia e o Laboratório de Paleontologia da URCA são roteiros fundamentais das visitas guiadas do Geopark Araripe.
A descrição panorâmica que fiz até aqui expressa a quantidade e a qualidade do trabalho dos pesquisadores de várias universidades nordestinas no campo da Paleontologia, mas não esgota o valor do Guia no que diz respeito aos seus usos. Na condição de profissional formador, com experiência de mais de duas décadas no Ensino Médio, gostaria de destacar algumas possibilidades dessa publicação. Evidentemente, não se trata de um livro didático por destinação. Mas, pode muito bem ser transformado em livro didático quando for manuseado na bancada de cada laboratório, biblioteca ou repositório digital das escolas estaduais do Ceará, Piauí, Pernambuco e Paraíba e demais estados brasileiros.
Um professor de Geografia, por exemplo, pode usar o Guia para trabalhar com localização geográfica e a formação de relevos, principalmente a partir do Capítulo 1 (p. 14-15) que trata da “Geologia da Bacia da Chapada”. O professor pode usar as excelentes imagens desse capítulo para demonstrar as diversas camadas de rochas e estratificação do relevo.
O professor de Biologia terá a oportunidade de usar os estudos apresentados pelo guia como ferramenta de compreensão da evolução dos seres vivos, fazendo trabalho interdisciplinar com a Geografia, ao desenvolver fundamentos básicos de Economia com atividades que envolvam o uso de combustíveis fósseis, a preservação do meio ambiente e poluição das camadas atmosféricas.
O professor de Matemática, igualmente, pode ser inserido nestes debates para trabalhar com operações básicas (como regra de três) e escalas gráficas, a transformação de grandezas em centímetros, milímetros e quilômetros, fornecendo uma dimensão mais significativa das distâncias de tempo que nos separam dos fósseis e uma melhor compreensão melhor do que vem a ser proporção. Este diálogo entre a Matemática e a Biologia poderá favorecer a compreensão da dimensão de tempo que separa os grandes ecossistemas da atualidade dos ecossistemas mais remotos. Pondo a Geografia nesse trabalho, o professor demonstrará como os fósseis são importantes ferramentas na compreensão da datação e ordenação das sequências sedimentares, notadamente da Bacia do Araripe.
Na mesma direção, o Guia pode estimular a reflexão sobre a origem dos humanos e sua relação com a natureza nos tempos atuais já que a Paleontologia, como ciência, não escapa à Filosofia, como testemunham Xenófanes (570-475 a.C), ao estudar fósseis marinhos submersos, e Curvier, com seus estudos de anatomia comparada de fósseis – uma das principais referências na obra filosófica do Michel Foucault, de As palavras e as coisas (2016).
O diálogo se estende às Ciências Sociais, podendo ajudar a questionar paradigmas como o mito de origem humana e como as sociedades de forma geral utilizavam, utilizam e significam esses fósseis, por exemplo, como adornos para os próprios corpos ou em suas habitações na atualidade. Certamente, seria uma ótima oportunidade para debater os conceitos de identidade e pertencimento e questionar sobre o lugar dos fósseis: eles estariam melhor situados no museu ou enfeitando estantes mundo a fora?
Por fim, o professor de História pode fazer parte deste projeto, refletindo com estudantes da Educação Básica sobre os viajantes do século XIX, suas necessidades científicas na perspectiva da colonialidade e como esse fenômeno está presente na região com as práticas de contrabando dos fósseis da região do Cariri.
Em síntese, considerando as metas estabelecidas e cumpridas pelo LP/URCA e os usos potenciais na formação dos alunos do Ensino Médio, considero que o Guia de Fósseis da Bacia do Araripe é leitura obrigatória para os que se propõem à prática de pesquisa em Paleontologia e Geologia na Bacia do Cariri, como também para os professores da educação básica, especialmente, na região do Cariri-CE. Com toda certeza, será uma ferramenta a mais na luta pelo conhecimento e preservação do rico patrimônio paleontológico, arqueológico, histórico e cultural da região. Parafraseando o prefaciador do Guia, Alexander Kellner, quem conhece e preserva não aceita o contrabando e o tráfico ilícito de suas riquezas naturais e culturais.
Sumário do Guia de fósseis da bacia do Araripe
Vídeo de apresentação do Guia de fósseis da bacia do Araripe por um dos seus organizadores Link
Resenhista
Para citar esta resenha
SARAIVA, Antônio Álamo Feitosa de; LIMA, Flaviana Jorge de; BARROS, Olga A.; BANTIM, Renan (org.). Guia de fósseis da Bacia do Araripe. Crato: Olga Alcântara Barros; Governo do Estado do Ceará, 2021. 378p. Resenha de: MELO, Francisco Egberto de. Formação básica para a Paleontologia e Ensino Médio. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.4, p.11-16, mar./abr. 2022. Consultar publicação original.
Baixar esta resenha em PDF
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.