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Greek Models of Mind and Self – LONG (RA)

LONG, A. A. Greek Models of Mind and Self. London: Cambridge (MA), Harvard University Press, 2015. Resenha de: PEDRO JUNIOR, Proscurcin. Revista Archai, Brasília, n.18, p. 395- 406, set., 2016.

O mais recente livro de Anthony A. Long, professor emérito da Universidade da Califórnia – Berkeley, contempla o momentoso tema referente aos chamados modelos de “espírito” e do “eu”, em inglês “models of mind and self ”, no contexto da Literatura e Filosofia na Grécia antiga1. Trata -se de um livro que apresenta, segundo o autor, o resultado de um caminho de pesquisas feitas ao longo de uma vida dedicada ao pensamento sobre o mundo grego antigo. Na verdade, o livro acabou por se constituir no ano de 2012, ao final de uma série de aulas magnas realizadas na Universidade de Renmin, em Pequim, na China. Em que pese o leitor pudesse esperar uma obra gigantesca sobre o tópico, em razão da magnitude do período histórico compreendido (Homero até Plotino), Long escreve um livro por demais compacto, com apenas 231 páginas, o que faz com que o mesmo tenha um caráter propedêutico e seja recomendado para aqueles que desejam ter um contato inicial com uma interpretação atual, não obstante tradicional, sobre a compreensão psicológica do “eu”e do “espírito”na cultura grega antiga. Após um breve prefácio e uma introdução explicativa, o autor elabora cinco capítulos que tratam sobre o citado assunto. Ao final, apresenta um epílogo, notas e um índice remissivo.

Na introdução do livro, a forma de aproximação empreendida pelo autor fica, desde logo, clara. Após sua crítica a abordagem hegeliana de Eduard Zeller, o autor expressa uma rejeição à interpretação linear histórico -desenvolvimententista das noções referentes a ideia de “eu”e “espírito”entre os gregos. Contudo, como apontarei nesta resenha, Long acaba se comprometendo com a mesma posição ao confrontar em seu livro a noção de “alma”em Homero com posições como as de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Como o próprio autor afirma, é difícil deixar de lado a visão desenvolvimentista, o que torna qualquer abordagem sobre tais questões “particularmente traiçoeira”.

O autor afirma que não há uma compreensão primitiva do “eu”em Homero, apenas por ele ter elaborado um texto alguns séculos antes de Platão. Isso significa que não se deve interpretar o poeta como incapaz de entender a constituição mental e corporal dos seres humanos ou afirmar que Homero teria “uma compreensão ainda confusa”(p. 3) 2, a ser melhor desenvolvida por Platão e Aristóteles. A compreensão do que seria a alma, o espírito e o eu em Homero torna -se, assim, a temática do primeiro capítulo do livro. A discussão começa com o famoso emprego do uso do termo psyche 3 em Homero. É sabido que a psyche tem um outro sentido nos versos épicos. A palavra pode se re- ferir ao “espírito morto”, ao “Totengeist “(veja -se otto, 1923, p.26), ou seja, informando o evento morte nos versos do poema épico, ou pode também referir -se à qualidade de se estar simplesmente vivo. nesse contexto, Long entende como fundamental a diferença entre mortais (brotoi) e imortais (athanatoi) e enfatiza que aquilo que irá persistir após a morte dos mortais será chamado de psyche.

A fim de mostrar o entendimento de Homero sobre o que chamaríamos hoje de “fisiologia e psicologia humanas”, Long decide, a partir daí, trabalhar com a distinção grega de soma e psyche e concentrar-se no significado desses termos. Assim, ele conclui que Homero vê a “identidade humana”como “completamente corporal ou física”(p. 25). Ele cita os versos iniciais da Ilíada  para indicar que, quando Homero fala dos heróis que se tornaram carniça e foram “eles próprios”atirados aos cães e aves (IL. i, 4 -5), o termo “eles próprios”(autous) seria indicativo de que tal “identidade humana”seria apenas corporal. Entretanto, o que não fica claro na análise é que, se a identidade das personagens fosse apenas corporal, por que Homero ilustraria a cena com al- mas que caminhariam ao Hades? Parece -me que a passagem refere -se muito mais aos “corpos”(dos heróis) do que ao “eu”dos mesmos e muito mais ao que restou fisicamente, em contraste ao que permanece enquanto “identidade”no Hades.

Ao lembrar da riqueza terminológica dos versos épicos e ao citar alguns termos homéricos, que mais propriamente se referem à “alma”ou ao “espírito”(phren, noos, thumos, kradie  ou etor), o autor critica Bruno Snell. Long afirma que o erro de Snell foi o fato de ele não ter lido Platão. no entanto, ele não percebe que sua análise comete um erro semelhante: concentrar -se na análise evolutiva de certas palavras, no caso em específico, no termo psyche. Long observa que as dessemelhanças nas compreenções anímicas de Homero e Platão dizem respeito muito mais “ao destino postmortem da psyche “(p. 30). A princípio, o autor consegue discernir bem as abordagens. Contudo, ao citar o famoso monólogo de odisseu, que conversa com seu thumos (Od. 20.17 -18), excede ao afirmar que a maior parte das personagens homéricas só seriam movidas por emoções. Há cenas, tanto na Ilíada quanto na Odisséia, que comprovam um agir humano não apenas motivado por emoções ou meramente impulsivos.

O autor frisa que, em Homero, a palavra que se refere ao “espírito”é thumos. no entanto, termos como esse são mais indicativos e complicados de se adequa- rem a um único termo geral correspondente 4. A meu ver, o melhor teria sido denominar esse âmbito geral concernente à “alma”de “esfera anímico -espiritual”, o que englobaria as noções de “alma”, o que concerne ao todo interno que se opõe ao corpo, e de “espírito”, aquilo que gira em torno da ação intelectiva ou do intelecto. Também discordo de Long, quando este afirma que em Homero não existiria um elemento racional na alma das personagens. Tanto nas cenas de monólogos, em que personagens buscam conter a reação do thumos, quanto em cenas vinculadas ao agir sexual impulsivo, como é, por exemplo, o caso da cena que envolve o episódio do cinto de Afrodite (IL. 14.155 -355), verificamos que há em jogo partes ou porções contrastantes da “alma”. no primeiro caso, observa -se que uma porção da alma pode refrear o agir vinculado à porção que motiva o agente a agir apenas por ódio ou rancor (Od. 20.17 -18), no segundo, uma porção intelectiva (noos) submete -se a outra porção presa a um agir apenas motivado pelo desejo ardente (Proscurcin Jr., 2014, p.198 -199).

No capítulo 2, o autor aborda Hesíodo, Píndaro, Empédocles e Heráclito, a fim de estabelecer uma outra visão da psyche  mais próxima do sentido do divino. Todavia, simplifica demais a sua análise, ao classificar a “identidade humana”homérica como “psicosomática”e a platônica como “psíquica”. Como antes, Long foca -se no conceito evolutivo da palavra psyche. Faltou a observação dos contextos que envol- vem os termos anímicos noos, thumos, phren  ou ker, antes de se decidir pela conclusão definitiva de que a “alma”homérica é “um todo psicossomático”5. Em algumas passagens, como a que trata do autocontrole de Aquiles sobre um impulso colérico (IL. 1. 188 -192) ou o já citado monólogo de odisseu, vemos como é impossível atribuir a certas ações um resultado advindo do que se poderia chamar de mistura “psicossomática”. Será que não há aí uma funcionalidade anímica que impediria o impulso de desejos corporais? Já não há em cenas como essas uma diferenciação plausível? A meu ver, o problema está no método empregado pelo autor, muito mais vinculado a mudança dos significados de um único termo grego (psyche), do que a uma análise contextual mais ampla de passagens dos poemas épicos, envolvendo passagens que constam os termos phren, noos, thumos etc.

Na sequência, ao abordar Hesíodo, particularmente a estória das idades do homem (Op. 109 -210) e a estória de Prometeu (Th.535 -616), o autor afirma que tais narrativas teriam um caráter teológico, indicando que o homem teria sido outrora semelhante aos deuses, mas, posteriormente, estaria sofrendo uma espécie de expiação. Segundo ele, o texto de Hesíodo, com suas estórias sobre justiça, crime e punição, antecipa em muito a psicologia moral que Platão irá elaborar depois. Para ele, o diferencial de Hesíodo foi conectar a “bondade da alma”com o bom agir de um indivíduo, “separando completamente a prosperidade”da questão do “benefício material”, o que possibilitou o entendimento de “prosperar”vinculado a noção de “caráter virtuoso”. Para Long, esse é o caminho que Sócrates fez ao separar a “bondade da alma”de quais- quer benefícios corporais ou materiais (Ap. 29d).

No capítulo 3, a preocupação está na forma como a orientação retórica distingue -se da orientação filosófica. novamente, embora tenha criticado a abordagem evolucionista, Long parte justamente dessa perspectiva para analisar, p. ex., o quão distante a concepção de isócrates estaria daquela estruturada por Homero. Para ele, não haveria um funcionalismo na épica grega e, de forma semelhante ao que Snell elaborou em seu livro (1955, p. 33), ele defende que não haveria uma distinção entre “funções físicas e órgãos anatômicos de seres humanos”em Homero. As palavras para indicá-las seriam as mesmas e, por isso, Long conclui que não haveria a possibilidade de diferenciar o órgão de sua função. A evolução, para Long, ocorre quando o corpo se subordina a alma, como pode comprovar em textos de retóricos (Górgias) e filósofos (Sócrates e Platão). o capítulo 4 preocupa- -se com a teoria psicológica de Platão, em específico, com a tripartição da alma empreendida na República. É claro que o autor toca no tema das divisões estruturais em classes de indíviduos na cidade e como isso é analogamente observado na divisão da alma de cada indivíduo. o mais importante, segundo Long, é como Platão diferencia a parte que governa das partes subordinadas a essa. Segundo ele, na República, há um princípio segundo o qual “no universo, na política e na alma, uma coisa, e somente uma coisa, está devida- mente qualificada a controlar e exercer a autoridade sobre todas as coisas”, esta coisa é “a razão ou o raciocínio, expressado em grego por meio do substantivo logismos, do adjetivo logistikos e do verbo logizesthai “(p.129). Ao aproximar a teoria psicológica de Platão à análise de Homero, e para tanto o autor menciona a citação de Platão do mencionado monólogo de odis- seu (IL. 20.17 -18), comete -se o equívoco de informar que Platão (R.4.441b) apenas lê ali um “conflito de desejos”e não um conflito entre “razão e ódio, muito menos [como] uma luta entre diferentes partes da alma”(p.136). Lamentavelmente, mais uma vez, a investigação do autor assemelha -se a de Snell, quando esse afirma que o thumos ou o noos seriam apenas órgãos anímicos humanos e não as partes da alma de Platão (Snell, 1955, p.40).

Long deveria ter avaliado melhor a aparição contextual de termos como thumos, noos  ou phren em Homero, isso teria lhe possibilitado verificar que tais lexemas regem o agir intelectivo de certos personagens, em situações em que esses podem ser levados por desejos ou impulsos. Homero emprega os termos não apenas como uma mera localização de órgãos, mas como funções anímicas vinculadas ao agir das personagens. o citado exemplo do monólogo de odis- seu poderia ser melhor explorado, se o autor verificas- se os versos imediatamente anteriores (Od.20.9 -13). Nessa passagem, Homero afirma que odisseu “pen- sou (mermerize) em muitas vias (polla) segundo o seu phren (kata phrena) e segundo seu thumos (kai kata thumon)”(Od. 20.10). Se é indicado no texto que ele pensou de acordo com seu phren e com a ajuda do thumos, algo está a apontar que é a partir daí que Platão retira a conclusão de que a parte “thumoeides “assiste a parte racional (logistikon) e é seu auxiliar natural (R. 4.441a2). Faltou uma leitura contextual de Platão.

Quando Platão comenta essa passagem citada da Odisseia  (20.17 -18), esclarece: “Pois é claro aqui que Homero considera como distintas, uma da outra, a porção racional que pensa sobre o que é melhor e o que é inferior, e a porção colérica, destituída de razão, que é repreendida por aquela”(R. 4.441b -c). Platão observa tal separação com clareza e vê na personagem de odisseu uma porção racional que rege uma outra, thumética, desprovida de logos. Entre o que Long de- fende e o que diz Platão, há uma enorme distância. Do mesmo modo, a simples afirmação de que “as personagens de Homero são movidas pelo thumos mais do que guiadas pela razão”(p.145 -146) parece ser muito plana, em razão do próprio contexto da Odisseia.

No capítulo final, o autor concentra -se no estudo do estoicismo. o objetivo torna -se “investigar a dimensão teológica da psicologia moral grega”(p. 163). nesta parte do livro, as questões sobre o “divino”ou a “divindade”(daimon) e seu correlato grego “felicidade”(eudaimonia) são abordadas. Long defende a tese de que os filósofos gregos, ao invocarem o divino em sua ética e sua psicologia, “propõem uma conexão essencial entre a melhor vida que existe no universo, a saber, a vida divina, e a melhor vida que seres humanos podem alcançar ou aspirar alcançar”(p.168). Atribuir ao “espírito”o caráter de divino, implica em dizer que os seres humanos podem alcançar um pata- mar de excelência, felicidade e contentamento incomparáveis. Para tanto, requer -se “o cultivo da racionalidade”e sua priorização. Esse é o melhor capítulo do livro. Long interpreta, de forma precisa, ao afirmar que o que diferencia a doutrina estóica é a circunstância de que todo corpo natural tem algo de divino em si e os seres humanos podem reconhecer isso. Realmente, a capacidade racional humana possibilita o contato com o que há de divino em nós e nos permite alcançar a felicidade. o “poder de raciocinar”é, para Epiteto, equivalente ao “espírito divino”. nenhuma outra faculdade tem esse poder de estudar a si mesma e tudo que a cerca. Essa faculdade de raciocinar é o que também nos possibilita distinguir o que é bom ou mal (“fatos e valores”). Essa combinação entre ética e psicologia é o que diferencia, segundo o autor, a escola estóica e estabelece um sentido inovador de “identidade humana”aos gregos, conectando a humanidade comum que temos em todos nós a nossa individualidade específica.

O livro de Long é, sem dúvida, uma contribuição importante para os estudos do “eu”(self) e do “espírito”ou “alma”(mind) na cultura grega antiga. Portanto, é recomendável a sua leitura. no entanto, como apontado, deve -se ler o livro com certo distanciamento crítico, em razão de certos parâmetros tradicionais adotados nas leituras e comparações envolvendo especialmente os textos de Homero. Se o autor não comparasse Homero a certos filósofos posteriores da forma como fez, estabelecendo uma tese primitivista, talvez o texto ficasse mais bem ajustado ao objetivo proposto.

Notas

1 O âmbito conotativo das palavras “mind “e “self “é am- plo. A primeira pode significar “alma”ou “mente”e, a segunda, “ego”ou, no anglicismo adaptado, “self ”.

2 Todas as traduções são de minha autoria.

3 A discussão sobre o sentido de psyche em Homero é anti- ga e remete -se a trabalhos como os de Völcker (1825), rohde (1898) ou Zielinski (1922). Cf. Proscurcin Jr.(2014, p. 47 -48).

4 Para Wilamowitz, thumos é “Seele”e não necessáriamente “Geist”(1927, p.195). no entanto, é importante levar em consi- deração que o thumos pode ser visto como uma parte funcional da alma em Homero (Proscurcin Junior, 2014, p.49).

5 Nesse aspecto, as análises de Thomas Jahn são certamente mais profundas e esclarecedoras.

Referência

JAHN, T. (1987). Zum Wortfeld ‘Seele‑Geist’ in der Sprache Homers. München, C. H. Beck.

OTTO, W.F.(1923). Die Manen oder von den Un‑ formen des Totenglaubens. Berlin, Springer.

PROSCURCIN JUNIOR, P. (2014). Der Begriff Ethos bei Homer. Heidelberg, C. Winter.

SNELL, B. (1955). Die Entdeckung des Geistes. Hamburg, Claassen.

WILAMOWITZ‑MOELLENDORFF, U.(1927). Die Heimkehr des Odysseus. Berlin, Weidmann.

Pedro  Proscurcin  Junior – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil); Pontificia Universidad Católica de Chile pedroproscurcin@uni-bonn.de

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Itamar Freitas

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