Talvez só um jornalista experimentado como Stuart Jeffries – colunista do The Guardian – poderia fazer uma síntese tão completa de um objeto complexo como é o caso da Escola de Frankfurt. A experiência de traduzir assuntos ásperos para um público mais amplo foi decisiva para que Jeffries produzisse um livro com profundidade suficiente para atrair leitores mais exigentes e acessível o bastante para leitores iniciantes.
O título do livro, embora instigante, não descreve muito bem as intenções do autor em relação ao seu objeto. Ele foi inspirado numa crítica de Georg Lukács à ausência de um comprometimento efetivo dos criadores da teoria crítica com a práxis revolucionária, o que os tornavam comparáveis aos hóspedes de um fictício hotel situado à beira de um abismo, de onde se podia contemplar, de modo seguro e confortável, o mundo desabando. Portanto, a expressão “Grande Hotel Abismo” ironiza a sinceridade das ácidas críticas da Escola de Frankfurt ao mundo contemporâneo. Mas será que Stuart Jeffries enxergava os autores da escola como oportunistas e hipócritas que criticavam o sistema que sustentava o seu conforto apenas para marcar posição? Parece que não. Se um Adorno e um Horkheimer apenas se lamentavam à beira do abismo é porque eles se sentiam impotentes para interromper a catástrofe que visualizavam, tal qual o anjo da história evocado por Walter Benjamim. E mais: só o fato de mostrar um abismo onde a maioria das pessoas só enxergava diversão, por si só, já é um mérito suficiente.
No último capítulo do livro, ao citar o personagem Chip Lambert, do romance de Jonathan Frazen, As correções, que vendeu todos seus livros da Escola de Frankfurt para conseguir dinheiro para impressionar a nova namorada com um jantar, Jeffries parece demonstrar o quanto a teoria crítica está desgastada no contexto pós-moderno em que as esperanças de transformações estruturais, no dizer de Francis Fukuyama, chegaram ao fim. Mas o personagem Chip Lambert se precipitou em desfazer-se de seus livros, pois o cenário das duas primeiras décadas do século XXI aponta para crises econômicas e ambivalências culturais. Nesse cenário, adverte o autor: “Numa cultura assim customizada, que abole a serendipidade, zomba da dignidade e transforma a libertação humana numa perspectiva terrível, os melhores textos da Escola de Frankfurt ainda têm muito a nos ensinar” (p. 410).
A estratégia adotada pelo autor para a análise dos textos mais representativos da Escola de Frankfurt foi situá-los no contexto em que foram produzidos. Daí a adoção da periodização por décadas para as partes dos livros; usar uma abordagem cronológica e linear para a compreensão de uma das mais sofisticadas teorias críticas, que se propunha a repensar a história e a filosofia tradicional, não deixa de ser irônico. Mas a análise segmentada em décadas surpreendentemente funciona bem, pois possibilitou ao leitor acompanhar os textos clássicos dos autores como resposta a um contexto específico e notar a mudança gradativa de orientação teórica da Escola no decorrer do tempo.
A primeira parte do livro analisa o contexto que vai de 1900 a 1920, abordando a origem social dos fundadores da Escola de Frankfurt. Quase todos eles nasceram no seio de famílias burguesas que conseguiram a ascensão social e, consequentemente, garantir uma vida confortável e uma educação diferenciada aos seus filhos, explorando as oportunidades oferecidas pelo sistema capitalista. Nesse sentido, a teoria crítica se voltava contra as suas origens familiares, um conflito de Édipo, no qual a insatisfação com o sistema foi transformada, no dizer de Thomas Mann, num mal-estar estético. Diz o autor: “Esses filhos intelectuais se revoltaram contra o legado do Iluminismo ao qual seus pais seculares tinham sido atraídos exatamente porque ele provia um brilho intelectual a seu sucesso material” (p. 44). Grande parte desses intelectuais nasceu no seio de bem sucedidas famílias judias assimiladas: o pai de Leo Löwenthal era médico; o de Horkheimer era proprietário de fábricas têxteis; o de Friedrich Pollock, um rico industrial; o de Benjamin, um rico homem de negócios; o de Adorno, um comerciante de vinhos.
A segunda parte do livro aborda a década de 1920. O Instituto de Pesquisa Social foi inaugurado em 22 de junho de 1924, em Frankfurt, cidade que possuía o segundo maior número de judeus da Alemanha. Aliás a sua fundação pelo judeu Félix Weil servia também como uma alternativa ao crescente antissemitismo da época, possibilitando uma formação de alto nível a intelectuais que teriam dificuldades de ascender ao sistema universitário alemão. Félix era um jovem marxista que pensava numa forma de combater os valores capitalistas, mas precisou do dinheiro de seu pai Hermann Weil, um rico comerciante judeu, para a criação do Instituto. Ironicamente, “A Escola de Frankfurt estava sendo paga pelo sistema econômico que ela decidira denunciar, e o pai empresário que a financiava representava os valores que seu filho queira destruir” (p. 86). Apesar ou por causa disso, o Instituto sempre foi comedido nas suas atitudes revolucionárias, evitando, inclusive, colocar a expressão “marxista” no seu nome e distanciando-se dos partidos políticos comunistas. Isso é bem significativo se levarmos em contar que o Instituto foi inaugurado meses após a publicação, em 1923, de História e consciência de classe, de Georg Lukács, livro que defendia que a consciência de classe atribuída (mais importante do que a consciência real) do operariado estava corporificada no partido revolucionário, indicando que “o partido, em certo sentido, sabe o que é bom para o proletariado” (p. 91). Mas os principais nomes da Escola de Frankfurt discordaram do otimismo revolucionário de Lukács, pois perceberam que o capitalismo do século XX, monopolista e fordista, exercia um fetiche maior sobre os trabalhadores do que imaginava Marx. Neste novo mundo, “as coisas se tornavam pessoas e as pessoas se tornavam coisas” (p. 97). Era como se “o proletariado tivesse se tornado o coveiro não da burguesia mas de suas próprias esperanças e aspirações, tão alienado de seu trabalho e de si mesmo que não conseguia lembrar do que estava enterrando.” (p. 102). Isso indica que, quanto mais avançado e industrializado um país, mais difícil ocorrer uma revolução. Diante da reificação e da indústria cultural que colonizavam até o lazer, era muito difícil ter confiança no operariado como agente da revolução.
O principal texto dos componentes da Escola de Frankfurt na década de 1920 é Rua de mão única, escrita em 1928, por Walter Benjamin. Após ter a sua tese de livre-docência, Origem do drama barroco alemão rejeitada pela Universidade de Frankfurt, Benjamim percorreu a Europa, entusiasmando-se com cidades como Nápoles, Marselha e Moscou. Rua de mão única, um retrato fragmentado e impressionista “das cidades que lhe incendiaram a imaginação” (p. 115), foi complementado por um escrito sobre as galerias de Paris que recebeu o nome de Passagens. Benjamin é considerado por Jeffries “indiscutivelmente o pensador mais original associado à Escola de Frankfurt” (p. 121), possuindo uma escrita subversiva, inspirada em vinhetas jornalísticas e técnicas de montagem do cinema. A sua proposta era remodelar o marxismo para uma nova era do capitalismo consumista. Enquanto Marx pensava o capitalismo como um inferno da produção, Benjamim e os demais críticos de Frankfurt, pensavam-no como o inferno consumo, um sistema sisífico que obrigava os indivíduos a consumirem cada vez mais em busca da felicidade.
A década de 1930 foi o momento mais desafiador e terrível para a Escola de Frankfurt, quando, com a ascensão do nazismo na Alemanha, o Instituto fora fechado no dia 13 de março de 1933 e obrigado a se transferir para os Estados Unidos. Lá os intelectuais tiveram que conviver com o sentimento de “serem erradicados da cultural intelectual alemã e jogados num contexto onde poucos falavam alemão e poucos compartilhavam sua herança filosófica ou se importavam com sua obra” (p. 207). No mesmo dia em que o Instituto foi fechado a bandeira nazista tremulou na prefeitura de Frankfurt. A ascensão do nazismo só reforçou a descrença numa eventual revolução proletária. Horkheimer, num texto de 1934, afirmou que, nas eleições de 1930, o voto do proletariado se dividiu entre sociais-democratas e comunistas, demonstrando que se os trabalhadores não conseguiram se unir naquele momento crítico, dificilmente conseguiria união em outro.
Explicar o fracasso da revolução na Alemanha e a ascensão do fascismo exigia reconfigurar o marxismo para que pudesse desvendar os elementos culturais do capitalismo (cultura de massas e repressão sexual). Era preciso também buscar na filosofia hegeliana (aquela que influenciou o jovem Marx) elementos para uma reflexão sobre alienação, consciência e reificação. Nesta perspectiva, Eric Fromm postulou a hipótese de que “os que apoiavam o nazismo eram sadomasoquistas enfeitiçados por figuras paternas autoritárias” (p. 205), uma ideia compartilhada, dentre outros, por Herbert Marcuse, que afirmou que com o nazismo “a infelicidade é transformada em graça, a miséria em benção, a pobreza em destino” (p. 206).
Uma pitada de otimismo adveio com o famoso texto de Walter Benjamim, publicado em 1936, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, que viu o potencial revolucionário das novas formas de arte, como o cinema e fotografia, aptas para quebrar a “aura da autenticidade” das artes tradicionais. Mas esse potencial foi refutado posteriormente a partir do conceito de Indústria Cultural, que mostraria que os atores e atrizes de cinema passariam a ter uma aura e ser adorados como celebridades e que as novas formas de arte seriam difusoras da ideologia consumista.
Nessa leitura pessimista do potencial revolucionário, os membros da Escola de Frankfurt foram criticados pelo dramaturgo Bertold Brecht por, primeiramente, não preparar e ensinar as massas a fazer a revolução; posteriormente, por venderem seus talentos, como uma prostituta, para o capitalismo norte-americano. Uma crítica injusta, por sinal, já que a Escola de Frankfurt nunca apregoou um marxismo militante de partido e seus membros exilados nunca se sentiram à vontade em meio à sociedade consumista dos Estados Unidos.
A década de 1940 começou terrível com o expansionismo alemão na Europa e com a morte de Walter Benjamim, considerado por Jeffries “como o maior crítico alemão do século XX” (p. 176). Depois de tentar fugir da França ocupada, Benjamim suicidou-se no dia 26 de setembro de 1940, ao encontrar as fronteiras da Espanha fechadas. Ironicamente as fronteiras foram abertas no dia seguinte: se Benjamin tivesse esperado… Ele não esperou, mas deixou como testamento as Teses sobre o conceito de História, o que Jeffries considera como uma das mais inspiradas análises sobre o fracasso do marxismo que já fora escrita.
Dialética do Esclarecimento, escrito por Adorno e Horkheimer no exílio na Califórnia, pode ser lido como uma extrapolação das teses da história de Walter Benjamim. O livro foi iniciado em 1941, numa época em que os intelectuais estavam bastante desiludidos com a sociedade norte-americana, o que explica a exagerada comparação de Hollywood com a propaganda do Nazismo alemão. Na perspectiva da indústria cultural, os sofrimentos de Pato Donald seriam uma estratégia para fazer o proletariado acostumar-se com o sofrimento, pois a diversão se confundiria com a contemplação do sofrimento do outro. Além do exagero, a crítica à cultura de massa também peca pela generalização, ao não conseguir perceber que nem tudo é conformismo e repressão, como foi o caso do Grande Ditador, filme de Charles Chaplin que faz uma magnifica crítica ao nazismo.
A primeira parte de Dialética do Esclarecimento dirige suas críticas ao Iluminismo que, a despeito dos seus princípios emancipatórios, mostrou-se eficaz aliado do projeto dominador por meio da razão instrumental. O texto compara os marinheiros de Ulisses que taparam os ouvidos para não ouvir o canto das sereias com o operariado moderno, obrigado a trabalhar com disciplina e reprimir a sua sensualidade. Ulisses foi a representação mítica do primeiro herói burguês, “um herói cuja traiçoeira jornada envolvia riscos que justificavam lucros; um herói que utilizava a razão, o artifício, a autorrenúncia e autodisciplina para sobreviver” (p. 246). O desejo iluminista de dominar a natureza – no caso as sereias – tem como preço a servidão dos trabalhadores. Desse modo, a razão instrumental iluminista constitui uma nova mitologia, “uma mentira para justificar e obscurecer a opressão, a dominação e a crueldade que existem sob os suaves procedimentos da sociedade burguesa” (p. 247). Durante o nazismo, a crueldade e a dominação se tornaram claras e evidentes, o que justifica a tese de que o sofrimento dos judeus foi uma dose concentrada de todo o sofrimento do proletariado. Em vez de progresso moral, o Esclarecimento produziu uma regressão à barbárie, à intolerância e à violência. A ironia é que Adorno e Horkheimer eram filhos do Iluminismo e, ao criticálo, estavam serrando o galho no qual estavam sentados.
Ao tomar conhecimento da Solução Final, Adorno e seus colegas ficaram por demais abalados. Daí o seu desabafo desesperado de que escrever poesia depois do Holocausto seria uma heresia, pois a produção de obras de arte belas e harmoniosas não passava de uma mentira feia e bárbara diante de horrores do Holocausto. O exemplo extremo disso foi a denúncia de Primo Levi de que os nazistas colocavam a música clássica no momento em que exterminavam judeus. Posteriormente Adorno reviu a sua posição iconoclasta em relação a arte, mas nunca aceitou a ideia de instrumentalizá-la para servir a propósitos revolucionários (como pensava Lukács). A obra de arte, em sua autonomia, poderia expressar a dor e o sofrimento humano, ou como afirmou Adorno “O sofrimento perene tem todo direito de expressão assim como o homem torturado tem direito de gritar” (p. 287), mas a representação estética do sofrimento não deveria ser utilizada para outros fins.
Em 1949, atormentados pelo sofrimento de Auschwitz e se sentido culpados por ter sobrevivido, Adorno e Horkheimer retornaram a Frankfurt, onde voltariam a filosofar sob ruína dos destroços da civilização ocidental, tal qual o anjo vislumbrado por Walter Benjamim numa de suas Teses sobre a História.
Na década de 1950, a Escola de Frankfurt retomou suas atividades na Alemanha, sugestivamente na parte ocidental capitalista em vez da oriental comunista. O que encontraram no país foi uma sociedade culpada, mas que se negava a fazer a mea-culpa de ter participado ou apoiado o regime fascista. Um dos exemplos mais conhecidos foi o de Heidegger, alvo de uma crítica avassaladora de Marcuse: “é realmente desse modo que você gostaria de ser lembrado na história das ideias?” (p. 281). O caso de Heidegger era um indicativo de que os tipos de personalidades psicológicas que apoiaram o fascismo sobreviveram à sua queda. Tendo essa preocupação em mente, Adorno trabalhou com uma equipe da universidade da Califórnia numa pesquisa que resultou no livro, publicado em 1950, A personalidade autoritária. A intenção era mapear a existência de personalidades autoritárias nos Estados Unidos que poderiam conspirar contra a democracia. Assim, por meio de questionários, criaram a Escala F, ou seja, uma classificação de tipos psicológicos que poderiam ser cooptadas pelo fascismo.
O fascismo poderia retornar pois as mesmas condições que propiciaram a emergência da personalidade autoritária, mapeadas por Eric From, na década de 1930, na Alemanha, ainda eram vigentes nas sociedades democráticas: a incapacidade de uma geração em enfrentar seus rígidos e punitivos pais a levava a se identificar com figuras autoritárias. A experiência de se libertar da autoridade pode ser esmagadora e terrificante, como foi a experiência alemã com a democracia de Weimar. A situação era ainda agravada pela possibilidade de o fascismo utilizar a cultura de massa como propaganda. Adorno percebeu a semelhança entre a estratégia de Hitler e a dos pregadores de rádios norte-americanos, já que ambos utilizavam a retórica do “pequeno grande homem”, ou seja, parecer um homem próximo aos anseios de seus seguidores, mas, ao mesmo tempo, se mostrar como um salvador, um mito, “um compósito de King Kong com um barbeiro de subúrbio” (p. 289).
Enquanto Adorno e Horkheimer continuavam pessimistas, Marcuse e From se mostravam mais otimistas com a possibilidade de transformação social efetiva. Essa cisão que se manifestou com mais vigor na década de 1950 iria marcar a Escola de Frankfurt nos anos posteriores. Em Eros e Civilização, Marcuse enxergou um potencial revolucionário na liberação sexual e defendeu que a tecnologia poderia libertar os seres humanos do excesso do trabalho para, assim, aproveitar melhor o lúdico e o estético.
Na década de 1960, ao contrário do que se poderia esperar de uma instituição que conseguiu sobrevir ao Nazismo alemão, a Escola de Frankfurt enfrentou a sua maior crise teórica. Ironicamente, a motivação da crise não veio do totalitarismo, seja na sua faceta fascista ou capitalista, mas dos protestos do movimento estudantil. Os mais antigos, como Adorno e Horkheimer avaliaram as manifestações de rua com ceticismo, o que era coerente com a sua proposta teórica, já que se não acreditavam nem no proletariado como sujeito revolucionário, por que acreditariam nos estudantes?
Havia um evidente conflito de geração entre os velhos frankfurtianos e os jovens estudantes, não só em coisas pontuais, como por exemplo, no fato de Horkheimer, já aposentado, ter defendido a presença dos Estados Unidos no Vietnã para conter o expansionismo chinês, mas também em coisas mais profundas, como a descrença dos teóricos em mudanças efetivas vindas das ruas. Nesse sentido, a frase de Adorno “as barricadas são ridículas contra os que administram a boba” (p.13) expressa o seu sarcasmo em relação aos protestos de rua. A antipatia entre os dois grupos se materializou num conflito aberto, quando em 1969, Adorno chamou a polícia para expulsar os estudantes que protestavam na dependência do Instituto. Em represália, os estudantes interromperam um dos seus cursos, escrevendo no quadro uma frase de repúdio: “se Adorno for deixado em paz, o capitalismo jamais cessará” (p. 362). Esses episódios só reforçaram nele o desprezo pela ação direta e por um pensamento estreito e irracional, que para ele era típico do movimento estudantil.
A atitude de Adorno era coerente com a sua desesperança registrada em Dialética Negativa (1966). Não haveria nada mais a conquistar e o que resta fazer é defender um novo imperativo categórico imposto pelo Holocausto: lutar com todas as forças e armas para que “Auschwitz nunca mais se repita, para que nada semelhante aconteça” (p. 340). Ao contrário do que pensava Hegel e seus discípulos (Marx, inclusive) não havia um final feliz e nem salvação para a história, apenas sofrimento e danação. Como não se podia transformar o mundo, o que restava era interpretá-lo, uma clara subversão a um dos princípios básicos do marxismo. O que restava então era “tomar o cadáver da razão e fazê-lo falar sobre as circunstâncias de sua própria morte” (p. 344). E diferentemente de um otimismo de Popper que, à maneira weberiana, separava a objetividade da ciência da subjetividade do cientista, Adorno via no método científico apenas uma estratégia de domínio da natureza e opressão da humanidade.
Marcuse consolidou-se como a principal referência da Escola de Frankfurt. Era simpático aos estudantes e ficou indignado quando Adorno usou a polícia contra eles. Numa carta escreveu: “não podemos abolir do mundo o fato de que esses estudantes estão influenciados por nós (e por você também certamente)” (p. 357). Da mesma forma que a primeira geração da Escola de Frankfurt havia rompido com seus pais liberais e burgueses, os estudantes estavam rejeitando os seus pais intelectuais.
Contudo, embora simpático às demandas estudantis, Marcuse estava consciente das suas contradições e limites. O seu enteado Osha Newmann era membro do grupo de protesto “Os Filhos da Puta” que, certa vez, jogou o lixo não recolhido por causa de uma greve dos lixeiros numa fonte do Lincoln Center. Jeffries questiona a pertinência e o elitismo desse tipo de manifestação: “alguém e não Osha Newmann (…) acabou limpando a fonte do Lincoln Center” (p. 328). Marcuse tinha consciência dos limites revolucionários dos estudantes e bem como do próprio proletariado, como revela o seu questionamento: “por que a derrubada da ordem existente deveria ser uma necessidade vital para pessoas que possuem ou podem esperar possuir um dia, boas roupas, uma despensa bem fornida, um aparelho de TV, um carro, uma casa, e assim por diante, tudo isso dentro da ordem existente?” (p. 317)
A pergunta indica claramente o caráter obsoleto da luta de classes e a necessidade de direcionar a análise marxista para elementos mais culturais. Foi o que Marcuse fez no seu O homem unidimensional, de 1964, no qual teve como alvo o consumismo, o novo ópio do povo, responsável por confundir pessoas e bens materiais. O capitalismo se sustentava por meio de um tripé que envolvia a publicidade, a cultura de massas e os bens de consumo, o que provocava um desinteresse das massas pelo “trabalho criativo, ideias culturais ou transformação social” (p. 323). Até a liberalização sexual dos anos 1960 foi vista com reticências, pois deixaria as pessoas mais felizes e realizadas sexualmente, mas mais conformados com o sistema do qual fazia parte. O homem unidimensional não acredita no proletariado como agente revolucionário – o que lhe rendeu acusação de ser elitista por parte de Marshall Berman – e via como única alternativa rejeitar formas de opressão. Daí a sua simpatia pelos protestos civis que, se não mudariam o mundo, ao menos marcariam uma posição de denúncia social. Em seu outro livro Um ensaio para a libertação (1969) mostrou-se mais otimista, inclusive, acreditando ser possível o surgimento de um sujeito mais livre, mesmo no contexto de uma sociedade capitalista: “esse novo homem não era agressivo, era incapaz de fazer uma guerra ou criar sofrimento, e trabalhava satisfeito, tanto individual como coletivamente, por um mundo melhor, e não para servir a seus próprios interesses.” (p. 338).
Após o término da inquietante década de 1960, a Escola de Frankfurt perdeu grande parte dos seus membros da primeira geração: Adorno morreu em 1969, Horkheimer em 1973, Marcuse em 1979 e Eric From, em 1980. A liderança da Escola ficou a cargo de Jürgen Habermas que passou a expressar um pensamento radicalmente diferente de seus antecessores, subvertendo as teses pessimistas de Dialética do Esclarecimento. Além do mais, talvez por não ser de origem judaica, não carregava a culpa de ter sobrevivido ao Holocausto, típico dos judeus sobreviventes, como Adorno e Horkheimer; não se furtou a imaginar uma utopia de um futuro melhor, agarrando-se a um passado a ser libertado, como foi o caso de Benjamin; e não transformou o seu apoio juvenil ao fascismo ao participar da Juventude Hitlerista num tabu, como foi o caso de Heidegger.
No seu mais conhecido livro, Teoria do Agir Comunicativo, de 1981, Habermas defendeu que pela “comunicação racional, podemos superar nossos vieses, nossas perspectivas egocêntricas e etnocêntricas, chegar a um consenso ou comunidade da razão” (p. 374). Para isso, era muito importante o desenvolvimento da esfera pública, um espaço em que cada um poderia manifestar sua opinião com liberdade, principalmente por meio de uma imprensa livre dos interesses políticos e financeiros, como existia, segundo ele, no século XVIII. O Iluminismo não deveria ser subsumido à razão instrumental, mas devia ser visto também como o momento da emergência da razão comunicativa, uma esperança de salvaguardar a humanidade da dominação, da superstição e da opressão política”.
Como se percebe, Habermas destoa completamente da tese de Dialética do Esclarecimento segundo a qual, usando como referência uma gravura de Goyá de 1797, “o sonho da razão produz monstros”. Propunha uma alternativa a esse pesadelo teórico que só via a ciência, a arte, o direito e a política atrelados a um projeto de dominação dos seres humanos e da natureza. Numa entrevista em 1979, afirmou: “não compartilho a premissa básica da teoria crítica, a premissa de que a razão instrumental assumiu tal dominância que realmente não há saída de um sistema total de ilusão” (p. 379). Habermas nunca desistiu da esperança e sempre acreditou numa reforma política que tornasse o mundo melhor.
Achava ser possível diminuir o perverso efeito do nacionalismo por meio de um pacto expresso numa constituição racional que respeitasse as diferentes etnias, as religiões e a cultura. A disposição de Habermas para o diálogo era tamanha que, nos últimos anos, mudou a sua opinião sobre a religião. Antes a via como algo a ser historicamente superado num mundo racional, mas depois passou a ver as crenças religiosas como um potencial aliado da razão. A religião possuía uma força motivacional para que as pessoas praticassem virtudes que a razão em si não possuía e isso poderia contribuir para a justiça social.
Evidentemente o pensamento de Habermas sofreu crítica de todos os lados. Os pós-modernistas desdenhavam do seu conceito de progresso e críticos como Richard Rorty e Slavoj Zizek avaliaram a sua teoria da ação comunicativa como um sonho utópico. Seja como for, o pensamento de Habermas marca um ponto de virada da Escola de Frankfurt na crença na possibilidade da autonomia do sujeito diante das várias formas de dominação.
Esse viés otimista ainda está presente na Escola de Frankfurt, na figura do seu atual diretor Axel Honneth para quem a tarefa da teoria crítica não é fazer a revolução, mas aprimorar o capitalismo e a democracia para o total reconhecimento dos seres humanos. Em vez de lamentar e desdenhar-se das massas fascinadas pelos bens de consumo e pela indústria cultural, a Escola passou a ser mais tolerante com a alienação alheia. Talvez esse atual viés teórico não seja muito diferente do desejo do personagem Chip Lambert que “já não queria mais viver num mundo diferente; só queria ser um homem com alguma dignidade neste mundo aqui” (p. 403). Mesmo assim, Stuart Jeffries adverte que pode ser precipitado desfazer-se dos livros de teoria crítica: as recentes crises econômicas, o potencial manipulador da internet e os movimentos neonazistas indicam que Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse, Eric From ainda têm muito a nos ensinar.
Resenhista
Eliézer Cardoso de Oliveira – Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e pósdoutor pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); docente da Universidade Estadual de Goiás (UEG). E-mail: ezi@uol.com.br
Referências desta Resenha
JEFFRIES, Stuart. Grande Hotel Abismo: a Escola de Frankfurt e seus personagens. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Resenha de: OLIVEIRA, Eliézer Cardoso de. Revista de História da UEG. Morrinhos, v.9, n.2, jul./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]
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