Globalização e Relações Internacionais / Tempo e Argumento / 2011

Abrimos esse número da Revista Tempo e Argumento, Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, com uma homenagem ao Prof. Américo da Costa Souto que faleceu neste ano de 2011. O texto “Professor Américo, o historiador da longa duração” de Norberto Dallabrida, ex-aluno do professor, aponta aspectos de sua atuação, como docente das disciplinas História Moderna e Contemporânea na UFSC, entre 1963 e 1991, destacando sua contribuição para a formação de duas gerações de historiadores e historiadoras, muitos dos quais atuando em Cursos de graduação e pós-graduação na UDESC, na UFSC e também em diferentes universidades do país. Inovador e refinado em suas análises, o Prof. Américo apropriou-se das concepções historiográficas da chamada escola dos Annales, tornando-se um divulgador do pensamento do historiador Fernand Braudel em suas aulas e escritos. A falta que ele nos fará não cabe em palavras, e esta homenagem, como forma de agradecimento, ilumina detalhes que a mera racionalidade não enxerga.

Na sequência, apresentamos os artigos que compõem o Dossiê Globalização e Relações Internacionais, tema emergente nas sociedades contemporâneas, invocado aqui como forma de pensar as linguagens e as sociabilidades que se firmam no tempo presente como outras formas de cultura política. A discussão de caráter mais epistemológico em pauta refere-se às diferenças entre as concepções que buscam olhar para o mundo sob efeito de um fenômeno global e outras que problematizam o presente partindo de uma ideia de internacionalidades. A globalização não é em si uma novidade, pois ao menos desde o século XV há uma circulação de mercadorias, ideias e pessoas. A novidade reside em como se articulam – nas três últimas décadas – os fluxos no contemporâneo colaborando para a produção de fenômenos transnacionais. Esperamos que os artigos que constituem o dossiê desse número possam colaborar para a intensificação do debate.

O artigo Los planes de igualdad en España: respuestas locales con perspectiva de género a problemas globales de Belén Blázquez Vilaplana, professora da Universidade de Jaén, Espanha, apresenta algumas reflexões sobre a implementação de políticas públicas de igualdade na Espanha nos últimos trintas anos, desde a morte do ditador Francisco Franco e a reinstalação da democracia no país. A autora analisa o contexto local de aplicação dessas políticas e, a partir dele, questiona se tais políticas realmente têm se transformado em ações concretas para as mulheres ou se os papéis e estereótipos que as invisibilizam, como coletivo e como indivíduo, ainda seguem imperando. Argumenta ela que, embora as mulheres espanholas tenham avançado em direção ao reconhecimento de sua condição de cidadãs de pleno direito, existe ainda, na Espanha, uma defasagem inegável entre o que se está legislando e o cotidiano das mulheres, como, por exemplo, o tema da violência de gênero, o qual não se conseguiu diminuir o número de mulheres assassinadas por seus parceiros ou ex-parceiros.

Em “Diplomacia do pé”: o Brasil e as competições esportivas sul-americanas de 1919 e 1922, João Manuel Casquinha Malaia Santos discute o papel das primeiras competições esportivas internacionais sediadas no Brasil, em 1919 e 1922, inserindo-as no quadro das relações internacionais do país. O autor parte da ideia de que competições esportivas mundiais, como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos, no início do século XX, expunham valores ocidentais para todo o planeta pelos meios de comunicação. Tais eventos oferecem uma oportunidade singular para a reverberação de valores legitimadores de uma nova ordem internacional, tendo os esportes e seus valores como bases de tal projeto.

Também trabalhando com as relações internacionais do pós-primeira guerra, a historiadora Juçara Luzia Leite observa que a década de 1920, especialmente, foi marcada por uma discussão ampla sobre o papel da educação – especialmente do ensino de História – na construção de um mundo de paz. O livro didático esteve no centro desse debate e educadores de tendências opostas manifestaram-se naquele momento. Ao longo desses debates, o papel da Commission Internationale de Coopération Intellectuelle (CICI) se destacou na Liga das Nações, procurando facilitar a colaboração de intelectuais no serviço de promoção da paz mundial dentro dos objetivos da Liga. O artigo Revisando livros didáticos de História: ação da diplomacia cultural em nome da paz reflete sobre esse contexto, destacando o papel do Brasil na adoção de uma diplomacia cultural válida tanto para os países europeus quanto para os vizinhos latino-americanos, considerando a dinâmica da transição do foco de interesses da Liga das Nações para a União Panamericana.

José Cairus, professor da Universidade de York, em Toronto – Canadá, assina o artigo Modernization, nationalism and elite: the genesis of Brazilian jiu-jitsu, 1905-1920 que, a partir de recorte de sua tese de doutorado The Gracie Clan and the Making of Brazilian jiujitsu: National Identity, Culture and Performance, 1905-1993, analisa a forma como um determinado segmento da elite branca do Brasil reinventou uma arte marcial de origem japonesa conhecida como jiu-jitsu. A arte marcial híbrida desenvolvida no Brasil a partir da matriz japonesa, pela família Gracie, é pensada como produto do conflito entre tradição e modernidade que ao longo do século XX se transformou em um complexo ritual de hipermasculinidade baseado em violência, matizado por ele como made in Brazil.

O artigo de Giulio Mattiazzi, Cidadania, migração e agentes políticos no século XXI, problematiza as transformações relativas aos significados da noção de cidadania e os desafios políticos que estas mudanças apresentam a partir do contexto italiano. O autor analisa discursos do parlamento italiano, que, segundo o autor, de tributários de uma tradição política que fez dos conceitos de pátria, família e nação uma questão de superioridade racial, passam a defender a utilização do dispositivo da concessão da cidadania como forma de rápida integração para (alguns) estrangeiros, na Itália e na Europa do século XXI. Reflete-se aqui sobre a emergência de novas pautas que fogem da tradicional sistematização do campo baseada na estrutura de classes sociais e nos outros paradigmas da modernidade no jogo de identificação de um “agente político migrante”, na condição de indivíduo que promove fluxos culturais, mestiçagem e reformulação das categorias e das pautas políticas, acrescentando à base econômica das relações interétnicas a esfera cultural que transita junto a eles.

Um diplomata na Revolta da Armada: as impressões políticas e a atuação do Conde de Paço D’Arcos, de João Júlio Gomes dos Santos Júnior, traz análises de fontes diplomáticas objetivando compreender as impressões e a atuação de Carlos Eugênio Corrêa da Silva, o Conde de Paço D’Arcos, primeiro diplomata a representar Portugal no Brasil após a Proclamação da República. No transcorrer do período que ele ficou à frente da Legação portuguesa, entre 2 de junho de 1891 e 20 de novembro de 1893, ele acompanhou com atenção diversas disputas políticas. Dessa forma, a documentação produzida por esse diplomata é um excelente testemunho sobre o período de consolidação da República brasileira.

A seção Artigos inicia com a instigante discussão sobre a possibilidade de recriação da ideia de cidade, como projeto coletivo, a partir da experiência de Medellín, Colômbia, apresentada no artigo A cidade como projeto coletivo: impressões sobre a experiência de Medellín, de Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira. Segundo a autora estão em jogo nesse processo não só a obsessão por segurança, a angústia e o medo que assolam os moradores das cidades, como também a segregação, ausência de espaço público, esvaziamento da vida coletiva, sentido de passagem e não de permanência, não pertencimento que constituem o espaço das cidades, no presente.

Na sequência temos o artigo As religiões afro-brasileiras no mercado religioso e os ataques das igrejas neopentecostais, de Paulo Eduardo Angelin, que trata sobre a perda de adeptos do conjunto das religiões afro-brasileiras, bem como sobre os ataques sofridos pelo candomblé e umbanda, efetuados principalmente pelas igrejas neopentecostais.

Entre prédios envidraçados, uma cruz eslava: ucranianos, bens culturais e a cidade, de Paulo Augusto Tamanini, traz apontamentos sobre o local de estabelecimento dos imigrantes ortodoxos ucranianos na cidade de Curitiba, discute sobre as estratégias adotadas, no intuito de preservar os bens culturais étnicos, durante o processo de modificação do espaço trazido pela urbanização da Avenida Cândido Hartmann (que até 1978 se chamava Vila dos Ucraínos).

“O melhor para quem?” O Juizado de órfãos e o discurso de valorização e proteção aos menores de idade no início do século XX, de José Carlos da Silva Cardozo, analisa discursos produzidos sobre os menores, adoção e família nas primeiras décadas do século XX a partir da ação do Juizado Distrital da Vara de Órfãos de Porto Alegre. O autor traz aspectos interessantes sobre a opção por tutela das crianças ao invés de adoção, no período, o que talvez pudesse significar a não inclusão do tutelado na partilha de bens, pois só os menores adotados teriam todos os direitos legais de um filho biológico.

Tradição x inovação: Patrimônio cultural e memória através dos repertórios musicais do Carnaval do Zé Pereira em Florianópolis / SC, de Lisandra Barbosa Macedo, problematiza questões políticas e culturais envolvidas na patrimonialização de eventos, como o Carnaval Zé Pereira, que acontece há mais de cem anos nas imediações do bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis / SC. Esse evento, nos últimos anos, tem sido destaque na programação dos eventos carnavalescos no estado, tanto na mídia quanto pelo aumento no número de participantes.

Na seção Entrevista os historiadores Emerson César de Campos, Luiz Felipe Falcão e Reinaldo Lindolfo Lohn abordam a temática Tempo presente brasileiro: cultura política, ditaduras e historiografia por meio do diálogo com Rodrigo Patto Sá Motta. A entrevista foi realizada por ocasião da palestra desse autor sobre o tema “História e memória nas ditaduras”, em fins de 2010, no Programa de Pós-Graduação em História da UDESC. A entrevista apresenta reflexões acerca de temas variados que perpassam a cultura política e suas implicações para a compreensão das especificidades da ditadura militar brasileira e suas congêneres no Cone Sul.

Fechando esse volume temos a resenha, feita por Jéferson Dantas, do livro HUNT, Tristram. Comunista de casaca: a vida revolucionária de Friedrich Engels. Traduzido por Dinah Azevedo – Rio de Janeiro: Record, 2010. O resenhista apresenta uma leitura de Hunt feita por setores da mídia impressa, a fim de apresentar a obra deste professor de História da Universidade de Londres e comentarista político nos jornais The Guardian, The Times e London Review Of Books.

Esperamos que todos apreciem a leitura!

Os Editores


Comitê editorial. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.3, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

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