Geologia do quaternário e mudanças ambientais – SUGUIO (C-RMAX)
SUGUIO, Kenitiro. Geologia do quaternário e mudanças ambientais. São Paulo: Editora Paulo’s Comunicações e Artes gráficas, 1999. 366p. Resenha de: FONTES, Aracy Losano. Estudos arqueológicos e do quaternário. Canindé – Revista do Museu Arqueológico de Xingó, Xingó, n.1, dez., 2001.
O desenvolvimento das geociências no Brasil ganhou intensidade maior com a instalação dos cursos de Geologia, a partir do segundo lustro da década de 50. A formação de sucessivas turmas de geólogos propiciou pessoal habilitado para acelerar o conhecimento sobre o território brasileiro e favorecer a expansão da dinâmica Sociedade Brasileira de Geologia (SBG).
Os estudos do Quaternário embora fossem realizados em algumas áreas específicas das geociências, como a geomorfologia e a geotecnia, as primeiras tentativas de integração dessas pesquisas foram iniciadas com o Primeiro Simpósio do Quaternário do Brasil que ocorreu juntamente com o XXV Congresso Brasileiro de Geologia, em 1971 na cidade de São Paulo.
O Professor Doutor kenitiro Suguio é conhecido como autor de vários livros, docente e conferencista de temas ligados às geociências. O compêndio intitulado “Geologia do Quaternário e Mudanças Ambientais” oferece ampla revisão sobre os vários registros do Quaternário – paleoclimático, geológico, geomorfológico, biológico e arqueológico, e apresenta considerações específicas do período em termos de Brasil. Ao tratar do passado e do presente, o Professor se remete a considerações acerca do futuro neste último período do Cenozóico.
A seqüência de treze capítulos trabalhados com a necessária individualidade e a devida interdependência abordam, didaticamente, um Quaternário geológico e antrópico, não descuidando das bases científicas que suportam os fatos ocorridos nesse período da história recente da Terra.
Dando ênfase ao “Período Quaternário”, o autor inicia a obra com noções gerais sobre os seus vários significados a partir do século XVI, subdivisão e duração. Observa-se o cuidado do autor em assinalar as técnicas e os métodos de estudo do Quaternário. A teoria do uniformitarismo, cujo enunciado “O presente é a chave do passado” e a pesquisa integrada são consideradas básicas para estabelecer o elo de ligação entre o passado geologicamente pouco remoto e o presente levando, em situações favoráveis, a tentar estabelecer cenários futuros. Ainda no primeiro capítulo fez um retrospecto histórico dos estudos do Quaternário no Brasil desde a sua descoberta até os dias atuais. Neste item, o enfoque está em apresentar fatos cronológicos ligados ao desenvolvimento dos trabalhos de pesquisadores estrangeiros e nacionais de cunhos multi e interdisciplinar, que constituem uma das características marcantes dos estudos do Quaternário.
“As Grandes Glaciações , os Seus Depósitos e as Suas Causas” constituem o tema do segundo capítulo. Após breve caracterização sobre os processos de formação e os tipos principais de geleiras, com indicação de algumas terminologias mais comumente utilizadas, são sucessivamente analisados a topografia glacial (fiordes, circos glaciais, estrias glaciais), os depósitos sedimentares (till, morenas, drumlins e eskers) e a distribuição das geleiras no presente e no passado atribuídas, principalmente, a expansão e retração das geleiras Escandinava, Cordilheirana, Laurenciana e Alpina. São analisados os efeitos múltiplos das variáveis de Milankovitch nas mudanças paleoclimáticas que deixaram inúmeras evidências sobre a Terra.
Assim, segue-se o capítulo III sobre as “Mudanças Paleoclimáticas Quaternárias e os Seus Registros”. Ao lado das glaciações quaternárias outros fenômenos periglaciais pretéritos foram relatados como permafrost, crioturbação molde de cunha de gelo e solifluxão, assim como evidências de fases pluviais na África e no Oeste dos Estados Unidos . As pesquisas biológicas dos estádios glaciais e interglaciais do Quaternário, onde incluem-se as mudanças florísticas e faunísticas, constituem temas de subitens. O autor finaliza o capítulo demonstrando as evidências utilizadas na reconstituição dos climas passados, que vão desde os registros históricos até às feições geomórficas e discorrendo sobre o clima no Holoceno e as questões relativas ao futuro do Homem e de outras espécies de seres vivos quanto ao clima global.
O capítulo IV “As Mudanças de Nível do Mar no Quaternário e os Seus Registros” explicita as bases conceituais – eutasia, isostasia, movimentos crustais – para analisar as variações de nível do mar desde o Último Máximo Glacial (UMG) no Pleistoceno, passando pela fase tardiglacial e terminando no pós-glacial. Focaliza as regiões do mar das Caraíbas onde foram obtidas numerosas datações situadas no intervalo entre 60.000 e 66.000 anos A.P da série de urânio e o litoral da Península de Huon (Nova Guiné) onde foram também reconstruídas as variações dos paleoníveis do mar durante os últimos 120.000 anos, baseadas nas faciologias de recifes de coral. Finaliza díscutindo os indicadores de níveis do mar pretéritos – geológicos, biológicos e arqueológicos.
Ao tratar da “Geomorfologia e dos Depósitos Quaternários” no capítulo V, a preocupação inicial é conceituar e classificar as superfícies geomorfológicas de acumulação e de erosão, enfatizando os processos fluviais e marinhos na formação dos terraços. Mostra que a classificação morfoestratigráfica é uma metodologia muito importante nos estudos estratigráficos do Quaternário porém adverte que se não for devidamente acompanhada por dados fornecidos pelas camadas – chave e informações geocronológicas, pode-se chegar a um quadro equivocado da evolução geomorfológica da área. Finaliza mostrando a relevância da aloestratigrafia na identificação e classificação dos dépositos quaternários.
O capítulo VI versa sobre a “Neotectônica e a Tectônica Quaternária”, iniciando pela exploração dos conceitos do termo neotectônica. Considerações são apresentadas sobre os cinturões móveis, ou seja, as áreas de rochas geologicamente mais novas onde os movimentos crustais pósterciários são intensos, núcleos continentais, fundos submarinos e cadeias mesoceânicas A seguir são discutidas as peculiaridades dos movimentos crustais quaternários em faixas móveis, as fontes de dados para estudos da neotectônica de natureza geológica, geomorfológica, geodésica e histórica ou arqueológica e os métodos de datação usados em estudos neotectônicos.
O capítulo VII direciona-se para a “Estratigrafia do Quaternário”, iniciando por analisar as técnicas de datação relativa – estudo paleontológico, técnicas geomorfológicas e grau de intemperismo químico – e as de datação absoluta – dendocronologia, varvecronologia e radiocronologia. O autor focaliza, ainda nas correlações estratigráficas, a tefrocronologia, a edafoestratigrafia, a bioestratigrafia baseada em microorganismos e a estratigrafia isotópica. Os problemas dos limites estratigráficos do Quaternário são discutidos no final do capítulo.
A temática relacionada com a “Reconstituição de Cenários do Quaternário” ocupa o capítulo VIII. Iniciando por tratar dos registros de fundos submarinos de águas profundas, o autor prossegue analisando a estratigrafia do loess e as pesquisas ambientais desenvolvidas pelo Projeto CLIMAP (Climate Long Range Investagion Mapping and Prediction), a partir de 1971.
O capítulo IX sobre “Relevo Cárstico e a Geoespeleologia”, transmite ensinamentos básicos como definições, tipos de carstes, condições para formação do relevo cárstico e morfologias características. A inserção deste capítulo encontra-se justificada por chamar a atenção para as mudanças paleoambientais, principalmente as de natureza paleoclimática, durante o Quaternário.
“As Mudanças do Nível Relativo do Mar e Paleoclimáticas Durante o Quaternário Tardio no Brasil e a Neotectônica” são temas dos três capítulos seguintes, em 81 páginas. No capítulo X ganham realce as variações relativas do nível do mar e suas conseqüências na sedimentação costeira, as reconstruções e evidências de paleoníveis marinhos na costa brasileira. Os principais estágios da construção das planícies da costa brasileira encerram o capítulo. As mudanças paleoclimáticas durante o Quaternário tardio no Brasil representa o tema do capítulo XI, abordando os estudos palinológicos, antracológicos e arqueológicos, em diferentes áreas do país. Um exemplo citado por Suguio assinala que os dados obtidos na serra de Carajás (PA) podem ser comparados com as informações obtidas sobre a evolução paleoclimática da África Ocidental, nos últimos 20.000 anos, isto é, entre o Último Máximo Glacial e o início do estágio interglacial atual. A neotectônica na Amazônia, na região sudeste e na costa brasileira constituem temas de subitens sobre a Tectônica Quaternária no Brasil, no capítulo XII.
“As Pesquisas Aplicadas do Quaternário” representam o tema do último capítulo, abordando os conceitos fundamentais da geologia ambiental, encarada como uma disciplina destinada a encontrar soluções para os conflitos resultantes da interação do Homem com o ambiente físico.
Diversos aspectos denunciam o cuidadoso preparo da obra. O texto surge com clareza e a preocupação didática também transparece na estrutura dos capítulos e encadeamento dos temas. Vários quadros são apresentados reunindo e sumariando conceitos, as fontes de referência e a aplicabilidade dos mesmos; gráficos e figuras esclarecem, devidamente, muitas das noções expostas. Nos finais dos capítulos encontram-se referências orientando sobre as contribuições importantes e pertinentes ao assunto versado.
Não só pelo aspecto formal, mas principalmente pela amplitude e riqueza de abordagem, a obra “Geologia do Quaternário e Mudanças Ambientais”, de Kenitiro Suguio surge como de grande importância para os cursos de Geografia, Geologia, Biologia e Arqueologia e a muitos outros interessados nos problemas ambientais do Quaternário.
Aracy Losano Fontes – Professora do NPGEO/UFS.
[IF]