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Gênero e História / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2007

Há algum tempo, em Santa Catarina, vem se constituindo um campo de estudos de gênero. Data de 1984 a constituição do “Núcleo de Estudos da Mulher”, na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1989 foi organizado o primeiro evento interdisciplinar, intitulado “1º Encontro de Estudos sobre a Mulher”. Foi a partir deste evento que surgiu o NEG – Núcleo de Interdisciplinar de Estudos de Gênero, reunindo pesquisadoras de diversas áreas acadêmicas tais como Literatura, Antropologia, Psicologia, História, Enfermagem, Nutrição e outras. Foi, ainda, em 1989, que ocorreu o 3° Encontro Nacional de Mulher e Literatura”, organizado pela UFSC. Neste período, as categorias “Mulher”, “Mulheres” e Relações de Gênero”[1] foram objeto de discussão, delimitando-se áreas de interferência, pontos de disputa e de conexão.

A partir de 1994, na UFSC, começaram a ser realizados eventos que passaram a assumir a categoria “Gênero” como constitutiva de um campo de estudos que englobava as demais. Foi, assim, no interior do “I Simpósio Fazendo Gênero”, que categorias como Mulher, Mulheres e Gênero, acrescidas de “Masculinidades”, “Feminilidades”, “Sexualidades”, “Direitos Reprodutivos”, “Direitos Sexuais” entre outras, passaram a ser discutidas, apresentadas, problematizadas, definidas. Estes simpósios “Fazendo Gênero” foram se repetindo a cada dois anos, chegando, em 2006, à sua sétima versão, ampliando o horizonte de análises e do número de participantes.

Se esta trajetória foi interdisciplinar em diferentes lugares, e não somente na UFSC, cada disciplina viveu-a como um caminho específico. Para a História, o percurso também começou com os estudos sobre a Mulher, embora a História das Mulheres ganhasse, rapidamente, versões editoriais de sucesso, como se observa na obra em 5 volumes, História das Mulheres, organizada por Georges Duby e Michelle Perrot, [2] ‘em 1993. Outro aporte que facilitou a presença da História neste campo de estudos foi o texto fundador da historiadora Joan Scott: “Gênero uma categoria útil de análise histórica”, [3] publicado no Brasil em 1990, que supria de legitimidade acadêmica os estudos feitos até então e costumeiramente acusados de “militantes”.

Na historiografia brasileira, o livro de Maria Odila Leite da Silva Dias, Cotidiano e poder, [4] publicado em 1984, é, certamente, o que abrirá portas para inúmeros estudos sobre História das Mulheres. Na historiografia de Santa Catarina, a dissertação de Cristina Scheibe Wolff, As mulheres da colônia Blumenau,[5] foi pioneira no campo de estudos da História das Mulheres em Santa Catarina. Este trabalho, evidentemente, foi seguido por muitos outros; estes configuraram um campo de estudos que se expressa em obras, artigos, capítulos, teses, dissertações e monografias que seria impossível citar sem cometer a gafe de esquecer muitos.

Dentro da UFSC, as pesquisas de história têm participado das atividades interdisciplinares que são apresentadas nos “Simpósios Fazendo Gênero”, mas, também, têm tido presença significativa em outras ações, como na editoria da Revista Estudos Feministas, e, atualmente, no Instituto de Estudos de Gênero. Nestas mesmas atividades, as pesquisadoras da UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina -, têm participado em todos os níveis, constituindo, também elas, núcleos e grupos dentro da instituição em que trabalham, formando, assim, com a UFSC, atividades de cooperação e parceria.

Dentro do campo da História em âmbito nacional, as historiadoras, tanto da UFSC como da UDESC e da UNISUL, [6] têm participado do GT de gênero da ANPUH – Associação Nacional de História, criado em 2001 em Niterói, e vêm se reunindo, anualmente, seja nos encontros nacionais, seja nos encontros regionais, definindo pautas de atuação e buscando reforçar o campo de estudos em que atuam.

Foi dentro desta trajetória que, em 2006, reuniu-se em Florianópolis, no Encontro Estadual de História, o GT de Gênero da regional de Santa Catarina, a partir de um Simpósio Temático: “Gênero e Gerações: novas perspectivas de pesquisas”. Neste GT, várias pesquisas foram divulgadas, e foi realizada uma chamada de artigos para publicação. Neste mesmo ano, em Assis, São Paulo, no Encontro Regional da ANPUH, reuniu-se o GT de Gênero e foi realizada, também, uma chamada de artigos: a reunião destes Permitiu selecionar seis deles, que agora estão compondo este dossiê.

Os assuntos ai tratados permitem perceber as inúmeras possibilidades deste campo de estudos. Para este dossiê, dois assuntos são focalizados com mais intensidade: sexualidade e memória.

A sexualidade é tratada por Maria de Fátima da Cunha, através dos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Neste autora reflete sobre a forma como a temática do gênero e da sexualidade aparecem nos PCNs, e questiona sobre como tratar destes assuntos em sala de aula, especialmente nas sétimas e oitavas séries. Maria Cristina de Oliveira Athayde focaliza as obras de Marta Suplicy, e a maneira como esta autora divulgou as questões da sexualidade nos anos setenta e oitenta, nas revistas, nos jornais, na rádio e na televisão, transformando-se numa grande divulgadora das questões do feminismo de “Segunda Onda”7, no Brasil. Discutindo, também, esta questão, mas Já focalizando muito mais a memória, o artigo Gabriel Felipe Jacomel destaca a forma como a sexualidade, dentro da abordagem do feminismo de Segunda Onda, foi para o teatro, através da peça Homem não entra! encenada por Cidinha Campos.

Já o trabalho de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt abre o bloco dos textos que focalizam mais especificamente a memória. Neste artigo, a autora reflete sobre as histórias e memórias dos idosos dos grupos de convivência em Florianópolis, centrando sobre a forma como o gênero define o que pode ser lembrado. Joana Vieira Borges mostra como as leituras do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, são referenciadas pelas pessoas que se identificaram com o feminismo de Segunda Onda, no Brasil. Ainda, Soraia Carolina de Mello recorre à memória dos Periódicos alternativos do feminismo no Brasil, ao focalizar o jornal Nós Mulheres, apontando para a maneira como deram destaque às discussões sobre os trabalhos domésticos, questão pendente até os dias de hoje.

Dos artigos publicados neste dossiê, somente um deles, o de Jaqueline Aparecida M. Zarbato Schmitt, tem Santa Catarina como local de estudo; todos os demais se localizam em diferentes locais do país, ou, simplesmente não têm qualquer vinculação com a localização espacial. Assim, embora em sua maioria os autores sejam de Santa Catarina, não é o local que está definindo seu objeto de estudo. Todos eles mostram as ricas possibilidades que os estudos de gênero permitem, inspirando outras pesquisas, ampliando horizontes. Foi isto que pretendemos, ao reuni-los neste dossiê.

Notas

1. Para uma discussão da hlstorlcldade de “Mulher”, “Mulheres” e “Relações de Gênero”, ver PEDRO. Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. Revista História. São Paulo: Editora UNESP. 2005. vol. 24 (1). p. 77-98.

2. DUBY, Georges. & PERROT, Michelle. História das mulheres Porto: Ed. Afrontamento & Ebradll 1993

3. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre 16(2); 5-22. Jul. / dez. 1990.

4. DIAS. Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo o século XIX. São Paulo: Ed Braslliense, 1984.

5. WOLFK Cristina Scheibe. As mulheres da colônia Blumenau – cotidiano e trabalho (1850- 1900). Mestrado, História, PUC / SP. 1991.

6. UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.

7. Enquanto o feminismo de “Primeira Onda” esteve principalmente centrado na reivindicação de direitos políticos- como o de votar e ser eleita- o feminismo chamado de “Segunda Onda” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e deu prioridade ás lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado. Neste momento, uma das palavras de ordem era: “o privado é político”.

Joana Maria Pedro– UFSC

Cristiani Bereta da Silva – UDESC

Jaqueline Aparecida Zarbato Schmitt – UNISUL


PEDRO, Joana Maria; SILVA, Cristiani Bereta da; SCHMITT, Jaqueline Aparecida Zarbato. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.15, 2007. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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