Fronteira e fronteiriços: a construção das relações socioculturais entre brasileiros e paraguaios (1954-2014) | Leandro Baller

De autoria do historiador e professor do Curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Nova Andradina. O professor Leandro Baller, traz um conjunto de ideias e explicações acerca da problemática que envolve o convívio entre homens e mulheres que levam suas vidas nos contornos limítrofes entre dois países, no caso desse estudo Brasil e Paraguai, mais propriamente as relações sociais e culturais construídas pelos brasileiros e paraguaios, sem perder de vista questões políticas e econômicas que se produzem nesse contexto e são/foram operacionalizadas tambem pelos Estados.

O livro é resultado das pesquisas desenvolvidas pelo autor ao longo da sua trajetória pessoal, intelectual e acadêmica. A obra resultou de uma tese de doutoramento em História defendida junto ao programa de pós-graduação da Universidade Federal da Grande Dourados, sendo esta tese a primeira de História defendida no âmbito de doutorado pelo referido programa, bem como em uma instituição no Estado de Mato Grosso do Sul.

A obra é composta de quatro capítulos que em virtude da sua organização teórico/metodológico vai se amarrando e dialogando entre si. Já no primeiro capítulo o autor esmiúça o conceito de fronteira elaborando um amplo diálogo com os autores que são referências no assunto, para dessa maneira dar conta do que se entende por fronteira. Faz assim um aprofundado estudo na obra do norte americano Frederick Jackson Turner e apresenta novas disposições acerca desse referencial teórico. Passando pelos autores nacionais que também estudaram a temática tais como Sérgio Buarque de Holanda, Vianna Moog e Renato Mendonça, entre outros tantos.

Posteriormente e com visão renovada sobre a temática José de Souza Martins faz parte do rol de autores que dialogam diretamente com Baller. Para em seguida, ainda neste capítulo analisar a questão do oeste do Estado do Paraná e os discursos de criação do oeste. Baller mantém-se fiel a sua proposta de diálogo com seu referencial teórico, para em seguida abordar a historiografia da fronteira paraguaia já neste primeiro capítulo aparece seu grande teórico, a saber, Michel Foucault, que o ajudará a entender as questões fronteiriças enquanto uma relação de “intensa sociabilidade de práticas sociais que são plenamente mutáveis” (BALLER, 2014, p. 55).

Amparado em Foucault, Baller consegue visualizar a dinamicidade que marca a fronteira e as vidas ali presentes no âmbito sociocultural. O autor interpreta as relações sociais como um conjunto de possibilidades operacionalizando o conceito de heterotopia, fazendo um profícuo diálogo com o pesquisador foucaultiano Durval Muniz de Albuquerque Junior.

O capítulo dois dá continuidade e aprofunda as discussões levantadas anteriormente e Baller destaca nesse ponto do texto as relações agrárias que formam o universo do chamado brasiguaio, que ele considera um novo sujeito social. Sua definição para o conceito de brasiguaio num primeiro momento é a de “sujeito fronteiriço que passaram a ser construtores de fronteira entre Brasil e Paraguai, essas relações históricas não se efetuaram sem a propagação de divergências e aproximações” (BALLER, 2014, p. 72). O capítulo é fartamente documentado pela história oral, que o autor domina com competência e profissionalismo, por ser sua área de atuação enquanto pesquisador. Baller trás à tona as falas dos personagens que levam suas vidas no entorno da fronteira; pessoas como Sr. Marcelo, Sr. Luiz, D. Cleonice, Sr. Irineu, D. Ivete, D. Sonia, Sr. Juarez, esses entre outros emprestam suas vozes para que o autor consiga captar em suas falas fragmentos de memórias e transformá-las em História.

O autor articula discurso oral e historiografia convertendo as falas em fontes para o constructo da História. Nesse mesmo capítulo se vale de fontes escritas, não para confrontar ou dar credibilidade ao estudo que somente com as falas são e seriam suficientes. O autor vai além e busca o diálogo entre as fontes no estudo valendo das notícias de jornais acerca da situação da agricultura e da relação entre os brasiguaios.

O terceiro capítulo da continuidade à interpretação das relações socioculturais na fronteira entre os brasileiros e os paraguaios. Valendo-se aqui do conceito de ações e representações, busca compreender o que ele intitula de modus vivendi dos fronteiriços, assim com são construídas as relações de aproximação e de afastamento entre os viventes do Brasil e do Paraguai. Apoiado em Serge Moscovici, o autor discute com propriedade a noção de representação social e assim compreende melhor ao mesmo tempo em que se apropria com notoriedade desse conceito operacionalizando-os nos fragmentos de memórias, desta feita Baller foge do lugar comum de autor e escritor que é o de apenas expor conceitos para finalmente operacionalizá-lo, a desenvoltura da pesquisa vivifica sua história, se tornando ele mesmo sujeito fronteiriço, logo ator presente nessa historicidade.

Seus personagens ganham vida e dinamismo, o autor mostra conflitos e apaziguamentos entre os homens e as mulheres da fronteira. Para então novamente documentar sua pesquisa trás à tona outros indivíduos com suas falas e explicações, dilemas, angustias e felicidades, amarrando-as com fontes de periódicos paraguaios. Mostra explicitamente a zona de conflito existente nesta fronteira e ao fazer isso revela a sua dinamicidade, assim como é construído e perpassado pelas relações humanas, por ser o próprio autor um sujeito fronteiriço.

Baller desnaturaliza a noção que as pessoas possuem sobre a fronteira elevando-o a uma categoria para além da geografia, relega a ele tambem uma noção histórico-antropológico. Ao fazer um tipo de História vista de baixo o autor elege os homens comuns para falar de suas experiências e dá voz a uma parcela de pessoas excluídas do modelo de História oficial. Nesse mesmo capítulo o autor se preocupa em documentar fartamente a questão da posse da terra, assim como da agricultura e para tanto elabora tabelas com a mesma competência que elabora mapas, tal qual um geógrafo! É meritório e impressionante o zelo que o autor dispensa à elaboração e ao tratamento cartográfico no decorrer do seu livro, faz do espaço e do tempo categorias não apenas históricas, mas muito bem aparelhadas e palmilhadas pela Geografia, em um debate interdisciplinar constante.

No quarto e último capítulo o autor se ocupa de fazer o fechamento do texto amarrando-o metodologicamente e dando coerência a tudo que foi feito nos três capítulos anteriores. Restando para este operacionalizar a ideia de fronteiriço. Para tanto mantendo a consistência metodológica o autor se vale novamente das suas fontes orais e escritas e abusa do uso de tabelas e quadros, muito bem elaborados, explicados e contextualizados ao longo da narrativa histórica.

Em um subitem o autor mostra as relações de sociabilidades nas áreas rurais entre os fronteiriços binacionais, para tanto se vale das situações cotidianas que as fontes lhe passam, trata-se aqui de uma análise sociológica das relações humanas que se configuram no espaço em que o autor estuda chegando mesmo e entrevistar o sociólogo Dr. Ramón Fogel, escancarando os conflitos na relação entre os fronteiriços captados nas falas dos entrevistados, mantendo um diálogo fomentado pelos conceitos de estabelecidos e outsiders do sociólogo alemão Norbert Elias.

Um entrevistado chega a falar em “poços de problemas” o Sr. Quintin Riquelme, para tanto Baller ainda vai além e estampa uma noticia de jornal que mostra essa ralação de enfrentamento. Valendo-se do conceito de outsiders Baller analisa a fala da Sra. Rosangela e a acomoda no referencial teórico, fazendo a transposição metodológica com muita presteza.

Por fim, o livro é concluído com uma bela discussão em que o autor desnaturaliza o conceito de fronteira, não obstante essa tarefa já tenha sido realizada ao longo da obra. Para tanto ciências vizinhas como a geografia, a sociologia, a etnografia e a antropologia dialogam com o historiador, ao passo que perdemos de vista a escrita enfadonha que costumeiramente chega até nós, quando ele as trata interdisciplinarmente e as incorpora no seu texto historiográfico. Com um fechamento digno de historiador que conhece seu oficio Baller assim conclui “muito mais do que disputas e confrontos diplomáticos, existe a vontade de cada povo em ser reconhecido enquanto agente histórico de seu país”. A fronteira é móvel, dinâmica, lugar de disputas, reivindicações. O homem é o limite da fronteira, diz Baller. Nada mais antropohistórico. O livro é recomendado para todos os historiadores e todos aqueles que amam uma boa narrativa que envolve vidas humanas. Bem escrito, bem documentado. Uma bela trama para se compreender as relações internacionais, humanas, culturais, sociais, econômicas e políticas que perpassam a fronteira entre o Brasil e nossos hermanos paraguaios.

Referências

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. 8ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.


Resenhista

Eduardo Martins – Docente do Curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Nova Andradina (UFMS/CPNA). Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Assis).


Referências desta Resenha

BALLER, Leandro. Fronteira e fronteiriços: a construção das relações socioculturais entre brasileiros e paraguaios (1954-2014). Curitiba – PR: CRV, 2014. Resenha de: MARTINS, Eduardo. Fronteiras: Revista de História. Dourados, v.16, n.28, p.220-223, jan./dez. 2014. Acessar publicação original [DR]

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