Formas da História, Sentidos da Historiografia / Dimensões / 2010

Neste número, Dimensões – Revista de História da Universidade Federal do Espírito Santo – traz o dossiê Formas da História, Sentidos da Historiografia; ele ajuíza uma preocupação que é permanente no campo da Teoria e Metodologia da História, qual seja, a de avaliar a própria trajetória da história e das formulações teóricas que são produzidas a respeito do conhecimento histórico. Nele figuram artigos que analisam historiadores e autores consagrados, cujas obras representam sensível contribuição aos estudos históricos. A iniciativa que orientou a sua organização vai ao encontro dos esforços cada vez maiores entre os pesquisadores deste campo em ampliar estudos e pesquisas da área e reflete um momento promissor em que a produção em teoria da história cresce a olhos vistos no Brasil e no exterior, quantitativa e qualitativamente.

Com satisfação Dimensões recebe a colaboração de importantes pesquisadores de diferentes instituições brasileiras que tem se destacado na área de Teoria e Metodologia da História. Foi reunido um conjunto de textos que trata de figuras e questões decisivas na história da História, responsáveis por conferir novos sentidos à historiografia ou a ela colocar problemas cruciais. Foram esquadrinhados alguns autores que indicaram caminhos para a pesquisa histórica contemporânea e produziram obras consagradas dentro dos estudos históricos, bem como temas que versam sobre preocupações pontuais nos estudos de Teoria da História. Encontram-se esquadrinhadas não somente questões inerentes à escrita da História, mas, também a respeito da problemática dos lugares sociais onde o ofício do historiador se forja e dos conceitos constituídos no esforço de compreender a relação presente-passado-futuro que perpassa todo fazer e saber historiográficos. Além disso, a própria complexidade da operação historiográfica aparece contemplada no trato de questões referentes à Filosofia da História, ao caráter metahistórico de algumas proposições e ao problema da verdade na História.

O artigo de Estevão de Rezende Martins, professor da Universidade de Brasília, abre o dossiê e nele o autor avalia duas dimensões fundamentais da pesquisa histórica: a da historicidade do conhecimento e a do próprio caráter deste saber, versando sobre questões decisivas da ciência histórica relacionadas ao problema da racionalidade, da produção de verdade, das experiências vividas do passado e dos historiadores, da interdependência entre teoria e método na produção de conhecimento histórico e, também, sobre a constituição de um realismo mitigado, uma moldura na qual se encontram a experiência empírica e a interpretação analítica.

Cristiano Alencar Arrais – professor da Universidade Federal de Goiás – em seu artigo intitulado A filosofia da história de R. G. Collingwood: duas contribuições realiza um balanço geral acerca das idéias daquele historiador inglês e em seguida discute seus conceitos de re-enactment, de imaginação histórica e de autonomia do historiador. Ele sublinha o quanto as proposições de Collingwood são pouco conhecidas pelo público brasileiro e como sinalizam possibilidades analíticas em seu contributo à Teoria da História.

Em seguida, Pedro Spinola Pereira Caldas, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, analisa a seminal contribuição de HansGeorg Gadamer à Teoria da História, tomando como ponto de partida a concepção de matriz disciplinar rüseniana para avaliar como os conceitos gadamerianos de compreensão, tradição e formação explicitam a experiência e a consciência históricas.

Em Teoria e metodologia na escrita da história no Brasil: Afonso de Taunay e a Academia Brasileira de Letras, Karina Anhezini, da Universidade Estadual Paulista, investiga as formulações originais e a contribuição de Taunay na definição da ciência histórica no Brasil recuperadas na leitura atenta de sua correspondência e em algumas obras fundamentais daquele autor.

Em seguida, o artigo A história conceitual de Reinhart Koselleck, procura apresentar a contribuição do grande historiador alemão, falecido em 2006, que representou um avanço considerável no estudo da história das idéias ao formular sua história conceitual que constituía ao mesmo tempo uma verdadeira Teoria da História fundamentada na articulação entre o conceito de experiência, o método compreensivo e o problema da consciência histórica.

O artigo de Géssica Góes Guimarães Gaio, doutoranda em História Social da PUC-RJ, A aporia da história em dois momentos: na antiguidade clássica e no historicismo, contrapõe a concepção de história da Antiguidade Clássica face à emergência do historicismo, a partir da análise e do contraponto entre as idéias de Heródoto e de Humboldt.

Alexandre de Sá Avelar, professor da Universidade Federal de Uberlândia, em seu artigo intitulado A biografia como escrita da história: possibilidades, limites e tensões trata da emergência das biografias e dos estudos biográficos na historiografia recente, realizando uma reflexão teórica sobre a relação visceral entre os indivíduos e a escrita da história.

Carlos Oiti Berbert Jr, da Universidade Federal de Goiás, avalia, de maneira perspicaz a chamada crise dos paradigmas por meio da análise das teses de Levi-Strauss e Arthur Danto, contrapondo teoria moderna e teoria pós-moderna, para em seguida apresentar as reflexões de Jörn Rüsen acerca da narratividade histórica que possuem a capacidade de equilibrar este debate, evitando os riscos tanto da escatologia quanto da teleologia.

Em seu Pensamento indomado: história, poder e resistência em Michel Foucault e Gilles Deleuze, Davis Alvim, doutorando em filosofia na PUC-São Paulo, discorre sobre o problema da resistência presente no fazer histórico. Para o autor, o discurso historiográfico em sua capacidade criativa procura estabilizar e imprimir um conjunto de significados à História, territorializando-a, à luz do rico diálogo travado com as contribuições de Foucault e Deleuze para a história.

Em Sobre a utilidade e desvantagem da ciência histórica, segundo Nietzsche e Gumbrecht, Marcelo de Mello Rangel, doutorando em História Social pela PUC-Rio de Janeiro, procura compreender as críticas que Nietzsche e Gumbrecht fazem à ciência histórica, aproximando-as da pergunta acerca da utilidade da História para ambos. Elegendo o regime de historicidade como uma referência analítica, esboça algumas características da historiografia contemporânea, explicitando, sobretudo, a presença do pessimismo como um traço fundamental no reconhecimento histórico contemporâneo.

Rogério Naques Faleiros, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, em seu artigo apresenta uma síntese abrangente relativa à presença e emergência da História Econômica na historiografia francesa, procurando, em visão panorâmica, descortinar os debates travados entre os Annales e a História Quantitativa, concluindo que, apesar da emergência dos novos problemas, métodos e abordagens, a História Econômica mantém seu vigor como um campo capaz de formular interpretações compatíveis com as transformações do mundo atual.

Em O dever-ser é coisa do Diabo? Sobre o problema da neutralidade axiológica em Max Weber, Sérgio da Mata, professor de Teoria e Metodologia da História da Universidade Federal de Ouro Preto analisa um dos temas mais controversos da obra de Max Weber: a neutralidade axiológica do conhecimento histórico-social. Destaca a longa e extenuante polêmica travada com Gustav Schmoller e conclui que a história parece ter dado razão a este último.

Fechando o dossiê, o artigo Razão e experiência na constituição do conhecimento histórico, da professora de Teoria e Metodologia de História da Universidade de São Paulo, Sara Albieri, a partir de reflexões sobre o pensamento de Marc Bloch, discute os problemas referentes à constituição do método e da cientifização na História.

Que esse conjunto relevante de contribuições possa ampliar o debate, cada vez mais fecundo, aproximando pesquisadores e estimulando novas reflexões, diálogos e estudos. Por fim, gostaria de dedicá-lo ao professor Manoel Luiz Salgado Guimarães, in memoriam, cuja perda no dia 27 de abril deste ano, deixa irreparável lacuna, mas espólio valioso, aos estudiosos na área de Teoria da História no Brasil.

Julio Bentivoglio

Organizador

BENTIVOGLIO, Julio. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.24, 2010. Acessar publicação original [DR]

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