Formar novos rurais | Valério Alécio Turnes, Wilson Schmidt e Thaíse Costa Guzatti
“Formar Novos Rurais”, escrito em parceria por Valério Alécio Turnes, Wilson Schmidt e Thaíse Costa Guzzatti, constitui-se num livro de ensino-aprendizagem destinado a orientar a formação empreendedora de jovens no campo como parte do Programa Novos Rurais. Constituído por 189 páginas, inclui imagens, mapas, gráficos, quadros e notas que contribuem para uma apresentação textual muito didática. O prefácio, escrito pelo oficial de Programas da FAO, Carlos Antônio Ferraro Biasi, assinala a importância da agricultura familiar e do estímulo aos jovens rurais e pontua o conteúdo que está estruturado didaticamente em quatro módulos: as recentes mudanças no meio rural; os novos horizontes para os jovens; as fontes de financiamento para o empreendimento; as possibilidades e o planejamento de um empreendimento agrícola ou não agrícola.
Os autores uniram saberes distintos e, ao mesmo tempo, complementares. Valério Alécio Turnes é agrônomo e professor do Departamento de Administração Pública (ESAG) e do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental – PPGPLAN pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Wilson Schmidt e Thaíse Costa Guzatti, também agrônomos, são professores na Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Ela também é cofundadora da Associação de Agroturismo Acolhida na Colônia, no Brasil, e empreendedora social da Ashoka.
De acordo com eles, o intuito é ampliar a formação, trazer novos olhares à juventude rural e apresentar uma proposta além da leitura, pois compreende lições a serem estudadas e trabalhadas. O livro traz conceitos, boxes explicativos, exercícios e remete o(a) jovem leitor(a) a reflexões sobre a realidade da agricultura familiar e seu entorno. Nesse sentido, os Módulos 1, 2 e 3 possuem conteúdos que formam a base para o Módulo 4. Este último módulo alcança o objetivo central ao oferecer à juventude rural ferramentas de planejamento para possibilitar a construção, de forma autônoma, de um empreendimento rural (agrícola ou não agrícola) que seja viável e alinhado à identidade do território onde vive e em seu entorno.
Sendo um livro interativo, os autores tiveram o cuidado de se apoiar na semântica, ou inserir artigos femininos entre parênteses, o que descontrói a imagem masculina como universal e, assim, de algum modo, considera a inclusão da linguagem de gênero com valorização feminina. A linguagem, no geral, é acessível e se expressa também a partir de muitas ilustrações. As imagens trazidas levam o(a) leitor(a) à identificação com os elementos do seu território e, por sua vez, ao reconhecimento do seu valor e das suas possibilidades em alcançar autonomia no espaço da agricultura familiar e no cenário rural.
O primeiro módulo, “Novo Rural como Ambiente e Agricultura Familiar como Suporte para Empreendimentos de Jovens Rurais”, contextualiza a agricultura familiar e as juventudes rurais. Propõe que jovens investiguem, junto aos seus familiares, os acontecimentos bons e ruins que tiveram lugar no âmbito de suas famílias e, assim, tracem linhas do tempo de modo a distinguir como era a agricultura familiar em tempos antigos e quais mudanças identificam no cenário rural atual. Apresenta, ainda, a perspectiva histórica do ambiente rural brasileiro, os modos de produção, os modos de vida, questões de gênero na agricultura familiar, bem como o discernimento do “Rural’ – associado ao setor produtivo da agricultura – e do “Novo Rural” como espaço de pluriatividade e multifuncionalidade.
Uma contribuição a ser destacada no módulo 1 são os novos olhares lançados a partir da inserção do conceito de pluriatividade, o qual diversifica o trabalho no meio rural e enxerga as atividades não agrícolas como complementares às atividades agrícolas. Para explicar esse conceito, os autores utilizam dois conjuntos de termos: ocupações não agrícolas (ORNA), e empreendimentos não agrícolas (ERNA), ambos como alternativas que ampliam o leque de atividades no espaço rural, tornando-o plural e fazendo com que os jovens atentem para a emergência dessas novas possibilidades.
A noção de multifuncionalidade também é trazida como conceito no Novo Rural com o objetivo de ampliar os horizontes da agricultura familiar produtivista. Insere-se a ideia de outras funções exercidas pelas unidades familiares rurais, como a proteção e renovação do meio ambiente e a capacidade de geração de capital social, valorizando os agricultores sob a ótica da sustentabilidade como fornecedores de bens públicos sociais, ambientais e culturais com a agregação das funções que exercem para promover a segurança alimentar.
O Módulo 2, “Empreendimentos de Jovens Rurais, Cenários, Possibilidades e Oportunidades”, faz uma provocação ao(à) jovem para que exercite as lições aprendidas no Módulo 1, ou seja, para que olhe para as potencialidades do Novo Rural, identificando os diferentes espaços em que convive, as relações que estabelece e as informações e experiências de que dispõe. Os autores demonstram que podem ser geradas alternativas e modelos criativos de empreendimentos para transformar ameaças em potencialidades ou para dar resposta às demandas de diferentes segmentos do mercado de alimentos e dos diferentes tipos de consumidores.
Enquanto o primeiro módulo foi baseado em conceituações e breves reflexões, o segundo apresenta o detalhamento das diversas possibilidades fazendo com que os (as) jovens leitores (as) exercitem mais ativamente a construção do fortalecimento do espaço rural como ambiente que vai além da agricultura. Inovações, perspectivas, tendências e uma diversidade de segmentos são apresentadas. Também, a partir de alguns exemplos de ORNA e ERNA, os jovens podem vislumbrar, além das tradicionais produções agrícolas de alimentos, novas alternativas de empreendimentos como hospedagem rural, por exemplo. Além disso, o módulo 2 apresenta políticas e programas governamentais e não governamentais relacionados à profissionalização ou que apoiam empreendedores rurais.
Finalizando o módulo, os(as) jovens são instigados(as) a pensar numa proposta de empreendimento, bem como a compreender que o processo de mudança é contínuo, que existem meios de suporte e um Novo Rural à espera de empreendimentos inovadores.
No módulo 3, “O Dinheiro para Empreender: mapeando algumas fontes potenciais”, são apresentadas estratégias, ferramentas e fontes de captação de recursos. Alternativas que vão desde o suporte familiar e de amigos baseados na confiança, operações financeiras informais, como vendas antecipadas, fundos de crédito rotativos, crédito a fundo perdido, até crédito bancário formal, incluindo o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Pronaf Jovem, entre outros programas de incentivo baseados em Pagamento por Serviços Ambientais para quem adota práticas de preservação e conservação do meio ambiente. Todas essas possibilidades são detalhadas e incluem exemplos práticos e adaptáveis às oportunidades de empreendimentos agrícolas e não agrícolas. Os autores destacam, ainda, os possíveis riscos inerentes à captação de recursos, com prudência, de modo a alertar o(a) jovem sobre vantagens, desvantagens, taxas, juros, tendo como foco a visão de geração de renda com responsabilidade.
Por último, no Módulo 4, “Jovem Rural que planeja e Elabora Projetos: da ideia ao empreendimento”, ensina-se o(a) jovem a planejar com apoio de metodologias, técnicas e formulários. Por intermédio de um passo a passo detalhado, iniciam-se os ensinamentos sobre o planejamento estratégico e aborda-se o ciclo de planejamento (planejar-executar-monitorar/avaliar-replanejar). Os autores orientam o(a) jovem a pensar na identidade e nos valores do seu empreendimento assim como na análise do ambiente interno e externo com o objetivo de treinar sua habilidade para a elaboração, em nível estratégico, do Plano de Futuro do Empreendimento. Em nível operacional, apresentam os conceitos e meios para que o(a) jovem elabore o Plano de Ação do Empreendimento, compreendendo a síntese dos projetos envolvidos, incluindo nome, objetivos, etapas, custos e fontes de recursos. Ou seja, são dois instrumentos de planejamento, um estratégico e outro operacional. Com apoio dos formulários, constituem-se instrumentos de planejamento e gestão que permitem ao(à) jovem empreendedor(a) rural realizar diagnósticos, organizar e visualizar, com clareza, a viabilidade do projeto idealizado.
O conteúdo articulado didaticamente entre os três primeiros módulos serve de base para o Módulo 4, o qual finda o livro com o potencial de habilitar o(a) jovem rural a colocar em prática a sua ideia a partir do planejamento do seu projeto de empreendimento. Tanto a forma didática de exposição do conteúdo quanto as informações articuladas entre si – ressignificadas para o novo contexto territorial dos(as) jovens rurais – bem como as estratégias, os exercícios e o estímulo à reflexão, possibilitam aos(às) jovens a aplicação dos seus saberes, inerentes às suas vivências nos seus municípios, mas a partir de novos olhares e perspectivas, estimulando suas potencialidades empreendedoras e instigando-os a explorar as possibilidades do que os autores chamam de novo rural.
Destacado o importante conteúdo do livro e sua exemplar didática, qualidade que o configura como um rico instrumento de suporte à tomada de decisão do(a) jovem rural em permanecer no campo e estruturar suas estratégias de manutenção, é necessário destacar o debate teórico em torno do conceito de “novo rural”. Para algumas correntes de pensamento ligadas à antropologia e à sociologia, o conceito de “novo rural” é inapropriado por constituir-se em “essencialismo” – uma categoria que reduz as propriedades dialéticas do fenômeno observado. Desse ponto de vista, o “rural” é sempre o “rural”. As transformações e inovações são parte de sua dinâmica. A cada momento elementos são acrescentados ao contexto enquanto outros desaparecem não constituindo essa característica uma verdadeira mudança qualitativa, senão apenas quantitativa.
A despeito dessa ressalva, especialmente pelo que se preconiza nas ciências sociais aplicadas ligadas à administração, assim como na educação do campo, o conteúdo trazido pelos autores possui fácil aplicabilidade e importantes contribuições ao empreendedorismo dos(as) jovens rurais. Nesse sentido, o livro deve ser visto como importante referência para os estudiosos do campo, especialmente para quem se comprometer com a práxis do fenômeno da juventude do mundo rural.
Resenhista
Kelli Cristina Dacol – Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental e Bacharel em Administração Pública pela UDESC. Assessora Parlamentar na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú. E-mail: kellidacol@gmail.com
Referências desta Resenha
TURNES, Valério Alécio; SCHMIDT, Wilson; GUZATTI, Thaíse Costa. Formar novos rurais. Criciúma, SC: EDIUNESC, 2018. Resenha de: DACOL, Kelli Cristina. PerCursos. Florianópolis, v. 20, n. 43, p. 265 – 270, maio/ago. 2019. Acessar publicação original [DR]