Foreign Policy and Political Regime | José Flávio Sombra Saraiva

Resultado de um seminário internacional, que ocorreu na Universidade de Brasília em maio de 2003, a obra Foreign Policy and Political Regime, organizada por José Flávio Sombra Saraiva, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, reúne contribuições de teóricos e historiadores das relações internacionais – europeus, brasileiros, argentinos e americano – acerca do controverso debate sobre a existência de uma relação causal entre o tipo de regime político e a política externa dos Estados no contexto das relações internacionais.

Adotando uma posição de desconfiança em relação à correspondência automática entre democracia e uma atitude cooperativa em política externa, por um lado, e autocracia e propensão para a guerra, por outro; os autores são quase unânimes em suas conclusões sobre a necessidade de serem avaliadas outras variáveis, além do regime político, para explicar a política externa de um Estado, uma vez que nem sempre se pode estabelecer um nexo causal entre os dois temas.

Com esse espírito, o livro foi dividido em duas partes. A primeira – Foreign Policy and Political Regime: Theory and History – trata da discussão teórica envolvendo correntes tradicionais, como o realismo e o liberalismo, e a historiografia das relações internacionais. Nessa parte, três autores – José Flávio Sombra Saraiva, Andrew Hurrel e Robert Frank – apresentam em capítulos distintos como a temática dos regimes políticos tem sido tratada no campo teórico das relações internacionais, apontando as lacunas e levantando argumentos que colocam em dúvida o universalismo da Teoria da Paz Democrática. A segunda parte – Foreign Policy and Political Regime: Comparative Views and Diversity of the Experiences -, composta por novecapítulos, apresenta estudos de caso que ora abordam períodos curtos da história, ora se concentram na análise de longa duração, com o objetivo de dar subsídio empírico ao debate. Para isso, são desenvolvidas análises pluralistas, amparadas em um amplo embasamento histórico.

No primeiro capítulo – Is it Possible to Establish a Causal Nexus Between Foreign Policy and Political Regime? -, José Flávio Sombra Saraiva discorre sobre a história da abordagem intelectual dos dois conceitos – política externa e regime político -, apontando algumas tragetórias distintas e outras convergentes. Mostra também as tentativas de reducionismo de algumas correntes teóricas, que apresentam uma ligação direta entre regimes democráticos e políticas externas cooperativas. Ademais, alerta sobre alguns cuidados teóricos e metodológicos que devem ser tomados ao confrontar os dois conceitos, para proceder a uma investigação mais aprofundada.

Em seguida, no capítulo Political Regimes and Foreign Policies: an Introduction, Andrew Hurrel analisa o lugar dos regimes políticos dentro do contexto das teorias das relações internacionais e expõe definições para regimes políticos e política externa. Adiante, apresenta algumas das principais formas em que regimes particulares foram relacionados à política externa, com ênfase na literatura sobre regimes democráticos ou em democratização. Por fim, preocupa-se em acrescentar à discussão a importância de se verificar em que medida os regimes políticos não são apenas função da esfera doméstica, mas também do ambiente internacional e transnacional.

Robert Frank, em seu capítulo Political Regimes and Foreign Policies: Attitudes towards War and Peace, fazuma análise da política externa de vários países a partir das primeiras tentativas democráticas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Para isso, busca entrelaçar a perspectiva realista e liberal com a visão histórica das relações internacionais, que leva em consideração outros fatores, além do interesse nacional e da natureza das instituições de um Estado. Investiga, desse modo, as atitudes de regimes democráticos, autoritários e ditatoriais – diferenciando os totalitarismos das ditaduras – com relação a suas decisões em favor da paz ou da guerra. Finalmente, alerta sobre o fato de que, com o fim da Guerra Fria, a vitória das democracias não levou automaticamente à democracia internacional. Por isso, afirma que essa transição não ocorrerá como reflexo dos regimes políticos nacionais e de suas políticas internas, mas de um regime político com competência para a organização da comunidade internacional.

Inaugurando a segunda parte da obra, Didier Musiedlak apresenta os valores e ideologias que guiaram o regime fascista, na Itália, e o nazista, na Alemanha. Sob o título Fascism, Fascist Regimes and Foreign Policies, o capítulo trata das similitudes e diferenças entre o fascismo e o nazismo, quanto à influência da política doméstica sobre a política exterior. Em ambos os casos verifica-se a impossibilidade de separar a ideologia inerente ao regime político de sua extensão sobre os atos internacionais.

No capítulo quinto – In Search of a Causal Nexus between Political Regimes and Foreign Policy Strategies in the Post-Soviet Environment -, Vladimir Kulagin procura identificar um perfil de política externa dos ex-membros da União Soviética, após a dissolução da mesma, de acordo com o grau de democracia de cada Estado. Compreende que existe uma relação causal distinta entre regime político e política externa, dependendo da posição do país na escala “autocraciademocracia”. Isso significa que a diferença entre países democráticos, mais propensos a seguir certos princípios, e não-democráticos, adeptos do oportunismo, manifesta-se inevitavelmente em sua estratégia de política externa.

Por meio de uma pesquisa feita nos sites dos ministérios encarregados dos assuntos internacionais em diversos países, Denis Rolland investiga qual a importância atribuída à história da política exterior de cada Estado por sua expressão institucional na Internet e qual a imagem que deseja ser transmitida. Nesse sexto capítulo, Political Regimes and International Relations in the Twentieth-Century: is There a European Specificity?, procura-se verificar se há alguma especificidade entre os países europeus, quanto ao tratamento das mudanças de regime político. Ao fim da análise de quatorze sites constata-se que a questão da mudança de regime político não é abordada pelos europeus de forma singular. Em geral, o que se observa é que a história apresentada contém vieses, máscaras e omissões, interpretados como estratégias para a construção de uma imagem.

Em The Continuity of American Foreign Policy, Christopher Coker revela o papel de mitos, valores e idéias na construção da ideologia nacional americana, que muito se refletiu na continuidade da ideologia de política externa dos Estados Unidos, desde sua entrada para a história mundial em 1917.

Mario Rapoport e Claudio Spiguel compartilham a autoria do capítulo Modelos Econômicos, Regímenes Políticos y Política Exterior Argentina, que faz uma análise profunda de certos períodos e conjunturas, desde a formação do Estado argentino até a evolução do regime constitucional a partir de 1983 aos dias atuais. Com o intuito de extraírem conclusões de longo prazo, são agregados ao estudo da conexão entre regimes políticos e política externa os principais modelos de acumulação econômica na história Argentina.

Na mesma linha, Raúl Bernal-Meza sustenta, através de um estudo comparado da política exterior argentina, chilena e brasileira – Política Exterior de Argentina, Chile y Brasil: Perspectiva Comparada – que os fatores econômicos têm um peso maior sobre a política externa adotada por esses países do que a transição de um regime autoritário para democrático. Nesses casos, são as mudanças nos modelos nacionais de desenvolvimento e de inserção internacional o que mais interfere na condução da política externa.

Analisando o caso da África do Sul – Foreign Policy and Political Regime: the Case of South Africa -, Wolfgang Döpcke demonstra como uma visão superficial pode incorrer no erro de admitir que a experiência sul-africana confirma a tese de que existe uma forte ligação entre a mudança no regime político doméstico e a adoção de novas estratégias de política externa. Ao contrário, aponta que mesmo durante um determinado regime houve mudanças bruscas na política externa e que a estratégia pós-apartheid apresenta semelhanças com o regime anterior.

Thomas E. Skidmore enxerga no primeiro período Vargas – Brazilian Foreign Policy under Vargas, 1930-1945: a case of Regime Type Irrelevance – um caso peculiar sobre a irrelevância do regime político para o desenvolvimento de uma política externa bem sucedida. Esses quinze anos foram marcados por três tipos diferentes de regimes – governo provisório, república constitucional e ditadura -, que, entretanto, pouco, ou nada, modificaram as decisões no âmbito internacional.

No último capítulo – Political Regimes and Brazil’s Foreign Policy -, Amado Luiz Cervo utiliza a análise multicausal juntamente com a abordagem paradigmática para explicar a continuidade de política externa no Brasil em momentos de ruptura de regimes, bem como as mudanças na condução dos assuntos internacionais em situações de permanência de um mesmo regime político. Considera que, além do ambiente internacional, devem ser levados em consideração a existência de um projeto nacional e os componentes da sociedade, como cultura, demografia, ideologia e economia.

Assim, tomados em conjunto, pode-se identificar que os autores chegam próximo de um consenso acerca da impossibilidade de estabelecimento de um nexo causal entre política externa e regime político. A contribuição de Foreign Policy and Political Regime, portanto, está em seu caráter plural, tanto em termos teóricos quanto empíricos, e também na conduta cética das investigações, o que trouxe para o mundo acadêmico um debate com várias possibilidades de aprofundamento.


Resenhista

Carla Leal Lourenço de Miranda


Referências desta Resenha

SARAIVA, José Flávio Sombra (Ed.). Foreign Policy and Political Regime. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2003. Resenha de: MIRANDA, Carla Leal Lourenço de. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.2, 2003. Acessar publicação original [DR]

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