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Fontes para a História do Trabalho / Revista de Fontes / 2017

Neste número da Revista de fontes foi dado espaço a historiadores do trabalho que utilizam, em suas pesquisas recentes, fontes até hoje pouco utilizadas, seja pelo ineditismo dado pela dispersão documental e dificuldade de acesso, seja porque começaram a ser exploradas na última década a partir de uma reorientação e diversificação interpretativa da história social do trabalho.

Os estudiosos de história do trabalho no Brasil, a par dos percursos analíticos trilhados pela historiografia internacional sobre o tema, têm privilegiado, sobretudo desde o fim dos anos de 1970 e a década de 1980, as fontes impressas oriundas do movimento operário. A chamada imprensa operária, melhor definível como imprensa produzida pelas organizações, grupos e partidos ligados à militância política e sindical no mundo do trabalho, ainda hoje se constitui como um conjunto documental fundamental para compreensão profunda deste tema, uma vez que, sobretudo para o período da Primeira República, quase não há outras fontes que se originam das comunidades de trabalhadores, apesar de expressar uma visão militante, sendo, portanto, explicitamente caracterizadas de um ponto de vista político.

A grande imprensa da época dava pouca atenção ao mundo do trabalho urbano, a não ser por algumas matérias com uma visão no mínimo paternalista, e na maioria das vezes preconceituosas em relação à classe trabalhadora, suas culturas, costumes, atitudes, vida cotidiana, ações e movimentos. Logo, era, e é necessário ainda hoje para o historiador do mundo do trabalho, tentar penetrar nesse meio através da imprensa anarquista, socialista e sindicalista, ainda sabendo que a classe representada pelos militantes não coincide, obviamente, com o conjunto social heterogêneo dos trabalhadores e trabalhadoras, mas que pode sim ser conhecida e estudada melhor através dos escritos e seções dessa imprensa, onde ao menos aparece seu mundo organizativo, suas críticas, seus anseios e protestos, e suas redes sociais.

Foi somente a partir dos meados década de 1920 e, sobretudo, desde a Era Vargas, que a grande imprensa alargou sua atenção para com o mundo do trabalho urbano na sua totalidade e complexidade de fatos e expressões, ainda que, na maioria das vezes, com um olhar crítico dos movimentos sociais e políticos egressos desse meio.

Outro vasto núcleo documental utilizado nessa área temática remete ao campo da memória, sobretudo considerando as testemunhas orais registradas através das metodologias de história oral, sejam histórias de vida ou entrevistas dialógicas. É um conjunto diversificado de fontes memoriais que foi explorado intensamente desde meados da década de 1970. Evidentemente, a história oral, fundamental na análise das experiências e vivências individuais sociais neste âmbito da história social, encontra claros limites cronológicos ad quem.

Fontes econômicas e estatísticas também foram utilizadas e ainda hoje são frequentadas pelos historiadores do trabalho, embora os recenseamentos e dados recolhidos no Brasil até meados da década de 1930 não ajudem muito para definições mais precisas do universo trabalhista. Baste pensar, por exemplo, nos dados sobre os fluxos migratórios internacionais internos no Estado de São Paulo durante a Primeira República, no período de formação do parque industrial paulistano. Quantos espanhóis e italianos saíram das fazendas e se transferiram na capital, para compor a heterogênea classe operária local, ou voltaram para seus países de origem? Ainda faltam trabalhos em equipe que levantem estes dados, a partir de uma profunda pesquisa nas fontes cartoriais paulistas.

Os documentos policiais e judiciais, as chamadas “fontes da repressão”, começaram a ser utilizadas no Brasil, para a história do trabalho, em tempos recentes, com mais afinco após a abertura dos fundos dos Departamentos de Ordem Política e Social – DOPS regionais e particularmente do de São Paulo, fundado em 1924. Esta documentação, geralmente dividida em prontuários individuais e associativos e em dossiês temáticos, permite o alcance de informações fundamentais, construídas a partir das investigações deste dispositivo de controle social, de outra forma incognoscíveis, sobre o movimento operário, suas organizações e militantes, mas também, não poucas vezes, sobre a vida e condições gerais nos locais de trabalho. Também nesse caso, a documentação se avoluma a partir de meados da década de 1930, com uma intensidade excepcional a partir da década de 1950 até o processo de abertura política dos anos 1979-1984.

Os documentos propriamente judiciais, egressos de fundos dos fóruns de justiça civil e penal (processos-crime) e trabalhista, também começaram a ser usados pelos historiadores deste campo temático, sobretudo a partir da década de 1990. É uma documentação ainda de difícil acesso, sendo em grande parte depositada nos fóruns. Projetos de pesquisa temáticos coletivos, ligados ao levantamento, sistematização e análise de processos judiciais foram bem mais exitosos com a documentação da Justiça do Trabalho, que, porém, só pode ser usada para o estudo da história das relações de trabalho a partir da Era Vargas. Trata-se de um conjunto documental vastíssimo, ainda pouco explorado em relação às suas dimensões, mas que nos últimos anos está no cerne dos estudos mais importantes dos historiadores do trabalho no Brasil, por permitir um mergulho histórico social nos mundos do trabalho para além do estudo das relações e da conflitualidade.

No âmbito das fontes institucionais, relatórios e documentos diversos das instâncias executivas e administrativas da União e dos Estados, quando acessíveis ou publicados (por exemplo, o Boletim do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo, a partir de 1911) foram importantes para as pesquisas de história social do trabalho desde os primórdios dos anos de 1970, ainda que tenham fornecido um olhar sintético e marcados pelos poderes políticos governamentais. Contudo, as fontes do Ministério e das Secretarias do Trabalho, ainda hoje menos exploradas do que deveriam ou poderiam, sobretudo desde a Era Vargas, proporcionaram uma visão ampla sobre as questões do trabalho, particularmente importante e regionalmente ramificada.

O universo documental que remete ao mundo empresarial, às suas organizações, como a FIESP, ou mais especificamente aos arquivos internos das empresas, ao contrário, é ainda hoje muito pouco explorado, sobretudo pelas implicações políticas que isso significa, mas em parte devido à escolha, por parte das próprias empresas, de não construir uma memória documental sistematizada, preferindo a formação de uma documentação extremamente seletiva, com o objetivo final de proporcionar trabalhos mais laudatórios do que analíticos.

As organizações sindicais e as associações de trabalhadores, por décadas cerceadas pelos aparatos repressivos ou pelo controle estatal, particularmente insidioso no Brasil a partir justamente da consolidação institucional do trabalho sindicalizado durante os anos de 1930, estão em um processo de sistematização de seus acervos, que se intensificou, sobretudo, a partir do começo do século XXI. A documentação mais antiga, desde a segunda metade do século XIX para as associações de socorro mútuo e do começo do século XX para as uniões e ligas sindicais, foi quase totalmente perdida, ou é de acesso difícil, não público, permanecendo nos fundos internos das próprias organizações. Já a documentação de entre os anos 1950 até o golpe de 64 é mais consistente, mas também tem buracos devidos à repressão pós 64, se tornando mais acessível e completa e em via progressiva de sistematização e inventário para os documentos sindicais produzidos desde o fim da década de 1970, com dificuldade de acesso por evidentes questões de privacidade política.

O principal dessas áreas foi abordado com profundidade nos quatro artigos que compõem este número da Revista de fontes.

O artigo de Marcelo Mac Cord remete ao estudo do mutualismo no Brasil, forma associativa de trabalhadores urbanos qualificados que só nos últimos vinte anos começou a ser estudada profundamente para uma história da formação da classe operária brasileira, alargando também o espetro periódico neste campo de estudos, anteriormente focado quase exclusivamente no período republicano. As sociedades de socorro mútuo brasileiras são herdeiras, assim como na Europa e no resto da América urbana, das antigas corporações ou irmandades de ofício e tiveram um desenvolvimento ainda hoje pouco conhecido ao longo do século XIX como as principais agremiações de trabalhadores, adentrando o século XX por várias décadas, algumas ainda hoje existentes como associações hospitalares de beneficência ou absorvidas em sindicatos de ofício ou categoria.

Mac Cord foi um dos primeiros historiadores no Brasil a utilizar os documentos produzidos pelas próprias associações mutualistas, sobretudo os Livros de Atas de Reuniões, se tratando, no caso específico do estudo aqui apresentado, das atas da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais, fundada em 1841 “por um grupo de mestre de ofícios pretos e pardos, pernambucanos e livres do Recife”. O autor, além de mostrar as metodologias utilizadas para a análise das Atas desta sociedade durante o período imperial, explora também o uso de outras fontes externas à associação ou da irmandade que a precedeu no tempo, documentação complementar necessária ao entendimento das próprias fontes internas da sociedade e da história dessa sociedade mutualista. Um trabalho metodológico pioneiro que se espera frutifique mais ainda com outros estudos similares no resto do Brasil.

O artigo de Marcelo Chaves faz um histórico da utilização dos arquivos de empresas, uma importante produção documental de organizações privadas para estudos de história econômica e social, infelizmente utilizada de forma esparsa e pontual para a história dos trabalhadores, como já salientado. Chaves é um dos poucos historiadores que conseguiu explorar a fundo este tipo de documentação e, após ter evidenciado as possibilidades inerentes ao uso destas fontes, se concentra finalmente na metodologia por ele utilizada na análise de 1.500 fichas de trabalhadores da Fábrica de Cimento Perus (São Paulo) primeira fábrica de cimento instalada no Brasil, em 1925. Através deste estudo de caso, o autor possibilitou um conhecimento bem mais aprofundado da composição social, demográfica e étnica da classe trabalhadora, pelo menos em São Paulo e reorientou a definição histórica da formação da classe operária nacional a partir da última década da Primeira República até o período do governo Vargas.

A contribuição de Murilo Leal Pereira Neto volta a examinar a canônica documentação conhecida como imprensa operária, neste caso, porém, pertencente ao mesmo tempo à tipologia de fontes produzida pelas organizações sindicais. Assim, o autor, além de debater a própria construção tipológica das fontes impressas periódicas mais próximas da expressão social, cultural e política da classe trabalhadora, joga uma nova luz sobre o uso renovado destes documentos e os seus significados para uma história social “de baixo”. O artigo se concentra na coleção do jornal O Metalúrgico, (editado desde 1942 pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de São Paulo), durante o período 1950-1954, quadriênio de intensa mobilização organizada no meio operário e de grandes transformações sociais e políticas no país. A metodologia do uso de fontes como essa, como via para tentar definir a relação entre o emissor e o receptor do discurso da classe e sua ação política, é analisada detalhadamente por Murilo Leal, e se torna também de importância fundamental ara inserir o uso e estudo da imprensa sindical na história do trabalho, o que é ainda hoje pouco comum, seja pela raridade deste tipo de fonte no Brasil nos períodos anteriores à segunda metade do século XX, seja pela dificuldade de acesso.

Finalmente, seguindo uma narrativa cronológica, chegamos na última contribuição presente neste número, elaborada por Richard de Oliveira Martins. O autor, na esteira do uso das fontes policiais para a história do trabalho inaugurado no Brasil no fim do século XX, percorre a formação do acervo do DOPS de São Paulo e sua utilização para a história do trabalho, sobretudo nos seus momentos de conflitualidade e luta, para adentrar, depois, a análise metodológica do acervo do Departamento de Comunicação Social da Polícia Civil (DCS), que funcionou entre 1983 e 1999, prolongando, na época democrática pós-golpe o armazenamento e construção de um aparato informativo com fins de controle e repressão, que pode ser utilizado hoje pelos historiadores para estudar os mundos dos trabalhadores, não somente em lutas.

Desejamos a todos uma boa e proveitosa leitura!

Luigi Biondi – Departamento de História, Unifesp, Guarulhos, SP. E-mail: luigi.biondi@uol.com.br https: / / orcid.org / 0000-0002-9723-6727


BIONDI, Luigi. Apresentação. Revista de Fontes. Guarulhos, v.4, n.7, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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