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Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau-Ponty – PAVIANI (C)

PAVIANI, Jayme. Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau-Ponty. Caxias do Sul: Educs, 2010. Resenha de: SABBI, Caros Roberto. Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 1, p. 241-245, jan./abr, 2012.

Nas dobras do tempo, tal qual um legítimo pontifex,1 Paviani liga mais de dois mil e trezentos anos que separam um dos expoentes da filosofia, senão o maior – Platão – ao filósofo fenomenólogo francês Merleau-Ponty na sua obra Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau- Ponty.

O primeiro, representando a Academia, criada por ele próprio em 387 a.C., num olival situado no subúrbio de Atenas, enquanto o segundo, em 1952, ganhou a cadeira de Filosofia no Collège de France. De 1945 a 1952, Merleau-Ponty foi coeditor (com Jean-Paul Sartre) da revista Les Temps Modernes.

Paviani inicia a sua jornada com a paideia grega, destacando a imensa dificuldade de análise e de interpretação do próprio conceito e trazendo uma perspectiva da educação atual.

Ainda sobre o problema de decifrar o conjunto de lógicas mais adequadas ao que realmente significou a paideia, o autor salienta estarmos diante de um enigma que supera o método empírico, exigindo de todos reflexão e coragem para interpretar. Além disso, demonstra que não é suficiente o que a Antiguidade legou para a educação escolar e para o engatinhar da ciência e da pedagogia, pois, até chegar à era do pensamento digital, uma quantidade sem fim de experiências se sucederam.

O que Paviani nos traz nessa sua obra demonstra boa parte da imensa riqueza de tudo o que já se produziu em termos de educação, e nela se insere uma fonte imensa de possibilidades para ampliar a ética. Em outras palavras: a necessária busca do equilíbrio através da educação, compreendendo a necessidade do cuidar de si e do cuidar da própria organização social.

O cuidado de si é um argumento que Paviani apresenta de tal forma que conduz, inevitavelmente, o leitor a uma reflexão profunda e construtiva, sob a ótica do desenvolvimento perceptivo e educativo do ser, do sujeito e do cidadão. Traz uma ampla fundamentação em Foucault que, por si, é uma garantia de lucidez e profundidade filosófica.

O sentido do enunciado oracular “Conhece-te a ti mesmo”, no qual se percebe uma possível simplificação no decorrer histórico, tem o significado de conhecer a própria alma, o verdadeiro ser.

Muito embora Alcebíades tivesse recebido apenas alguma formação relativa às letras, à música e à ginástica, seu desejo era aconselhar os atenienses sobre a guerra e a paz, a construção, a engenharia e a arte de governar.

Platão indica a necessidade de conhecimento dialético da natureza do justo e do injusto, trazendo à tona os planos ontológico e ético, ou seja, o valor da linguagem e do comportamento.

Retrata-se a paixão de Foucault pela noção de cuidado de si, definido como um modo de estar-no-mundo, um modo de olhar e de perceber e um modo de agir.

Paviani destaca, porém, que o cuidar de si não é somente uma atitude de espírito e, sim, um exercício e um treinamento. Lembra, outrossim, Platão, que imagina condições práticas e eternas que possibilitam ao homem alcançar o bem.

Embutido na racionalidade histórica, surge o pensamento filosófico, mas é ainda em Platão que se procura entender as grandes questões da atualidade. A compreensão da finalidade da arte e da natureza, do ético e do estético assume perspectivas distintas nesses dois momentos históricos.

Paviani aborda a descrição platônica do perfil sociopsicológico do homem tirânico, desde a sua transformação de democrático em tirânico até à sua essência tirânica a partir de sua gênese democrática, questões estruturais da formação do ser, precariamente estudadas até os dias de hoje.

A obra faz referência às críticas de Platão ao início do que hoje chamamos organização social, e isso pode remeter o leitor à reflexão e à conclusão de que falta um caminho imenso a percorrer. A propósito, por que será que tanto tempo passou, tantos progressos extraordinários em várias áreas se sucederam e ainda temos tantas dificuldades de nos organizarmos socialmente? Um dos aspectos mais interessantes que o leitor encontrará será a abordagem dos argumentos platônicos, colocando em questão o possível alcance do bem e da verdade na pólis. Tais pontos remetem à ética, que, por sua vez, tem por objetivo a felicidade. Sendo assim, a significância dessa sagacidade de enfoque é filosófica por natureza, mas, acima de tudo, enigmática, pelo enigma da existência de tantas dificuldades de lucidez e o próprio comportamento do ser. Pode-se sintetizá-la numa única e fatal questão: por que o homem ignora os caminhos verdadeiros que o conduziriam para mais próximo da felicidade? Cita-se que o homem tirânico é o que “vive em festas, orgias, festins, com concubinas e todos os gozos, conforme o Eros que governa sua alma”. (p. 55). Essa visão platônica é amplamente compreendida e aceita até os dias de hoje, sem a menor sombra de dúvida. Isso poderia até passar despercebido em termos de significado e de importância, pois o leitor desatento poderia ligar a tirania aos tempos de outrora, longe da realidade atual, já que o termo tirânico remete a uma era distante, no passado. Porém, vive-se, mais do que nunca, um tempo em que o predicado é o que se deve gozar a todo o momento. Vive-se a era do gozo pleno, absoluto e inquestionável. Tudo é permitido e aceito pelas sociedades. Uma das raras, senão a única exceção, é a pedofilia, por enquanto. A responsabilidade e o dever estão claramente relegados a um segundo plano. Pior do que essas constatações é o fato de que essa realidade está mais presente no comportamento dos jovens.

Sendo assim, não estamos em pleno momento do homem tirânico no século XXI? E a tirania não está intimamente ligada à infelicidade? Uma boa conclusão: estamos na contramão do que tanto almejamos, ou seja, a própria felicidade.

Destaca-se, ainda, a observação platônica de que o homem moralmente superior deverá governar os inferiores. Infelizmente, não é raro. Quem governa é o homem mais sutil, hábil e efetivo na busca do poder. As consequências estão nos desastres, na aplicação de políticas voltadas aos interesses de poucos em detrimento da maioria; outras vezes, direcionadas ao lucro em detrimento dos interesses e das necessidades humanas, como a educação, a segurança e a saúde.

Ao abordar a gênese da injustiça e a degeneração da pólis, Paviani lembra que a injustiça sempre traz menos felicidade que a justiça, quer seja em relação aos indivíduos, quer seja quanto à própria organização da pólis.

No capítulo em que se refere à função educativa da dança, Paviani torna oportuna e atual a referência a Platão, em As Leis, Livro II, como sendo um texto explícito e suficiente para o leitor do século XXI delinear a questão desde a Antiguidade aos tempos atuais. Torna-se viável a criação de um paralelo entre as duas expectativas e a avaliação da dança e de sua função ética, estética, cultural e pedagógica nas suas relações com a sociedade.

Paviani diz ser próprio do ser humano, da cultura e da sociedade a criação de novas formas de expressão e de comunicação, sem deixar de respeitar e recriar as formas tradicionais. A busca do desenvolvimento de todas as potencialidades humanas é própria da educação.

Segundo Platão, o homem educado distingue-se do não educado por seu treinamento nos corais e nas práticas que incluem danças e canções.

O divino e a natureza do ser, tratados por Platão, também são trazidos à tona, remetendo-nos a um entendimento atual de aceitar o homem como fragmento de Deus ao nascer, mas que, paulatinamente, dele se afasta no decorrer de sua existência. Porém, também afirma que somente o filósofo se aproxima da justiça, do bem, da verdade e, por consequência, da natureza divina.

O autor traça um paralelo entre Platão, que parte de um mundo inteligível preexistente e de proposições válidas a priori que não podem ser negadas pela experiência, e Merleau-Ponty, que propõe a fé perceptiva como ponto de partida à compreensão do sensível.

Adentrando na abordagem da filosofia em seus extremos, é possível perceber a comparação ou o confronto entre os dois autores pesquisados por Paviani propositalmente para elucidar aspectos pensados por eles, que vão dos poucos similares aos distintos.

Merleau-Ponty foi um pensador moderno importante pela contribuição que deu ao estudo do mecanismo psicológico no qual se baseiam o conhecimento e a prática científica. Checar a essência desse filósofo moderno, falecido em 1961, com 53 anos de idade, remete o leitor a uma indubitável viagem à reflexão metafísica. A propósito, a obra de Paviani não somente destaca a existência de diferentes significados, como também apresenta a sua definição de uma forma complexa em seu sentido, porém clara no entendimento. Aliás, a sua conclusão de que o pensamento metafísico separa o mundo inteligível do mundo sensível produz uma elucidação extremamente precisa, até mesmo aos menos iniciados em filosofia. Talvez se possa afirmar que, nessa frase, está exposta, como um símbolo, a inspiração que a obra procura produzir no leitor. Não se confunda isso com elogio, pois, pela precariedade do hábito de leitura, notadamente em nosso país, essa passa a ser uma condição básica para uma obra produzir efeito.

Platão foi um dos primeiros a distinguir o mundo sensível do inteligível, sendo que a ciência de hoje supera, em grande parte, muitos problemas metafísicos. O ser, para Platão, antecede ao entendimento e a reflexão do mundo, enquanto, para Merleau-Ponty, o mundo é o que vemos e o que deveremos aprender a ver.

Consoante Merleau-Ponty, a filosofia não pode suspender a reflexão. É preciso repensar as suas origens. Exige uma radical predominância da interrogação.

Assim, o leitor se depara com duas ontologias: a do inteligível e a do sensível, o que se refletirá nos modos de entender a realidade, o conhecimento e a linguagem.

Por fim, a obra oportuniza o encontro com um conteúdo imenso sobre filosofia, ética e educação abordado por Paviani, mas totalmente fundamentado em brilhantes e importantes filósofos da história da humanidade. Leva ao conhecimento, de certa forma poética, e conduz ao pensar. Invadir as manifestações dos sentimentos e das razões é o que se pode definir como pensamento.

Nota

1 Designação dada aos antigos construtores de pontes, na França.

Caros Roberto Sabbi – Mestrando em Educação pela Universidade de Caxias do Sul.

Acessar publicação original

Itamar Freitas

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