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Figuras do pensável. As encruzilhadas do labirinto VI | Cornelius Castoriadis

“É autônomo aquele que dá a si mesmo suas próprias leis” (CASTORIADIS, 2004, p. 161)

Com essas palavras, de Cornelius Castoriadis, já se buscou resumir sua filosofia, como a busca constante pela autonomia do sujeito (VALLE, 2008). Mas, evidentemente, ela não se limita a essa busca pela autonomia (CHAUÍ, 1995; CASTORIADIS, 1992, 2006). Aliás, é em sua interpretação do homem e das instituições, ou antes, da forma como os homens instituem imaginariamente as sociedades e, inversamente, estas dão contorno as suas formas de agir e pensar, que se deve pensar o lugar que teria a autonomia em seu pensamento, visto que, segundo ele, “a história da humanidade é a história do imaginário humano e de suas obras” (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 127). Talvez o local em que melhor o autor tenha analisado esta questão tenha sido em sua obra As encruzilhadas do labirinto, organizada em seis volumes, o último dos quais foi póstumo. Para organizar mais didaticamente a exposição, destacou-se num primeiro momento como foi organizada esta obra pelo autor, e num segundo, analisou-se os seus principais aspectos teóricos e metodológicos.

Que todo autor tem uma (ou várias) filosofia(s) de vida, que direta ou indiretamente implicam numa interpretação da História, já o pensavam gregos e romanos desde a Antigüidade Clássica. Compreender como influem sobre a escrita, e no direcionamento, de uma obra acaba sendo, por extensão, uma tarefa árdua, e na maioria das vezes não se alcança o resultado esperado. Seja porque o conjunto de uma obra não possui uma construção linear (como muitas vezes se cogitou), seja porque os indícios deixados são, muitas vezes, insuficientes para poder reconstituir a sua totalidade. Mas não é por que essa tarefa seja difícil de ser realizada, tanto para se estudar os autores da Antigüidade, quanto os do período Contemporâneo, que esta deve ser deixada de lado pelos estudiosos.

Em função de sua complexidade, a obra de Cornelius Castoriadis não foge a essa regra. A compreensão da obra de um autor leva em consideração normalmente a análise de sua experiência pessoal de vida, e que é permeada pelos reflexos da época em que o autor viveu. Cornelius Castoriadis nasceu em 1922 na Grécia, local onde obteve a sua formação básica e fez seus primeiros estudos. Aos 23 anos de idade muda-se para a França, local em que viverá até falecer em 1997, com pouco mais de 70 anos. Lá o autor vivenciaria o entusiasmo, com o qual leitores e intelectuais receberiam a obra de Jean-Paul Sartre nos anos de 1940, e o aparente esquecimento que esta recebeu na década de 1960, quando se daria o auge do estruturalismo francês, no qual os indivíduos do passado e do presente padeceriam diante da impossibilidade de se realizar transformações significativas na sociedade, já que estes seriam controlados, e não controladores, das instituições que criaram no passado. O homem seria dominado pelo sistema, e não o inverso.

Ao mesmo tempo, a teoria socialista e a revolução socialista eram veementemente criticadas, seja pelo fato de a revolução não atingir outras partes do mundo, seja pelo fato de o sistema capitalista não demonstrar sinais de colapso, que dariam a base para a ação da classe operária (DOSSE, 2007). É justamente sobre essa questão que Cornelius Castoriadis, que durante esse período se formaria em Filosofia, Economia e em Psicanálise (áreas que exerceu o ofício durante toda a sua vida profissional)1, que se dará sua maior contribuição.

Apesar de sua formação estar intimamente relacionada com o marxismo, ele foi um crítico rigoroso e severo das teorias de Karl Marx (1818-1883), Lênin, e do stalinismo burocrático da antiga União Soviética. Já em 1948, quando fundou com Claude Lefort o grupo Socialismo ou Barbárie, no qual deu origem ao periódico de mesmo nome, e que circulou entre os anos de 1940 e de 1970, o autor iniciaria suas reflexões e questionamentos às filosofias de sua época, como ao positivismo e ao estruturalismo (inclusive ao marxismo e ao racionalismo clássico dos séculos XVII e XVIII). Castoriadis nele contribuiu (de 1949 a 1965) com textos que demonstravam, já naquele período, a sua leitura crítica sobre o marxismo1.

Ao reunir no início da década de 1970 alguns de seus artigos publicados no periódico Socialismo ou Barbárie, que resultaram na edição de alguns livros, como A instituição imaginária da sociedade (de 1975), com o qual desenvolveu de forma contundente sua crítica ao marxismo (iniciada na década de 1960), ao mesmo tempo em que amadurecia sua interpretação sobre as sociedades, com base nos conceitos de imaginário (social e radical), imaginação e imagens. Para ele, o principal problema da teoria marxiana e marxista-leninista estava em que não havia lugar para o imaginário social, muito menos para a sua compreensão. Por outro lado, a prática política havia feito com que a teoria se tornasse dogma, e, com isso, a ação revolucionária se limitasse a criar e ser apenas uma ‘nova’ ideologia.

Enfim, a própria revolução, na verdade era mais um discurso teleológico, uma possibilidade, que se daria na medida em que os indivíduos, conscientes de sua condição histórica, almejassem alterar a instituição imaginária social então vigente, e não por intermédio de uma situação histórica favorável, ou por meio de uma constatação, falsa e ineficaz, de que haveria leis históricas, que ao serem compreendidas e interpretadas conduziriam a ‘revolução’, por meio do partido político (CASTORIADIS, 1995). Isso por que “o reconhecimento do fato fundamental de que não se pode ‘explicar’ o nascimento da sociedade nem as evoluções da história através de fatores naturais, biológicos ou outros, ou através de uma atividade ‘racional’ de um ser ‘racional’ (o homem)” (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 128), mas sim em função da criação e instituição imaginária social, com a qual os indivíduos estabeleceriam as sociedades, embora reconhecidas por alguns filósofos da Antigüidade, como Platão, fora deixada de lado na reflexão da filosofia ocidental, o que, conseqüentemente, fez com que tanto na teoria quanto na prática exercida pelos movimentos sociais no século XX, questões cruciais como estas, segundo o autor, fossem deixadas de lado. O que implicou de um lado no ‘fracasso’   do projeto socialista, ao longo do século XX, e de outro na limitação da interpretação marxista da história, ao tentar explicar o processo histórico1.

Não foi apenas em seu livro A instituição imaginária da sociedade, que Castoriadis analisaria aquela questão. Pelo contrário, ao se verificar sua obra, que é extensa, e condensa de forma criativa e inovadora toda uma interpretação sobre a sociedade e sobre a sua criação imaginária, nota-se que aquele texto, que é tido como seu livro principal, foi onde o autor estabeleceu os contornos de um projeto intelectual, que ao fim e ao cabo permaneceu inacabado. Além disso, nela estão explicitados vários dos dilemas vividos e enfrentados pela filosofia e pela psicanálise no século XX. Foi, provavelmente, em As encruzilhadas do labirinto (organizada em seis volumes, dos quais o último foi póstumo), o texto que reuniu melhor o conjunto de suas interpretações. Já em seu primeiro volume, o autor indicaria que além daquele projeto estava também em execução o de publicar outra obra, em vários volumes, cujo título provisório era A criação humana2. Mas como todo grande livro, e a exemplo de O capital de Karl Marx (que também ficou inacabado e os últimos volumes aos cuidados de F. Engels), As encruzilhadas do labirinto foi sendo produzida aos poucos pelo autor, entre 1978 e 1997, mas permanecendo, mesmo assim, também inacabada.

O primeiro volume da obra foi publicado em 1978, reunindo textos publicados anteriormente, entre 1968 e 1977. O segundo em 1986, com o subtítulo Os domínios do homem, em que o autor reuniu seus textos publicados entre 1974 e 1985. O terceiro volume, O mundo fragmentado, foi publicado em 1990, e reunia textos de 1987 a 1989. O quarto volume, A ascensão da insignificância, foi publicado em 1996, e reunia textos publicados no final da década de 1980 e início dos anos de 1990. O quinto, Feito e a ser feito, foi publicado em 1997, pouco tempo antes de seu falecimento, com seus textos mais recentes1. O sexto volume da série As encruzilhadas do labirinto foi publicado postumamente, em 1999, com o subtítulo Figuras do pensável, e foi organizado por suas três filhas, com o auxílio de Enrique Escobar, Olivier Fressard, Myrto Gondicas, Pascal Vernay e Dominique Walter.

No Brasil, os primeiros quatro volumes foram publicados pela Editora Paz e Terra, o quinto pela DP&A Editora e o último pela Civilização Brasileira, em 2004.

Aqui não é possível fazer uma análise adequada de todos esses volumes, e será feito apenas um pequeno esquema, até para facilitar ao leitor o entendimento deste sexto volume, no qual esta resenha se preocupou mais detidamente.

Em todos os volumes, o autor seguiu uma divisão com partes, entremeadas com capítulos (variando entre 3 partes e 6 capítulos, os volumes menores, e 4 partes e 25 capítulos, os maiores). Todos reuniam textos (artigos, capítulos de livros, conferências e entrevistas) publicados anteriormente, e para os quais o autor se deteve apenas a correções tipográficas e estilísticas (salvo pequenas exceções). Na divisão das partes o autor manteve o seguinte critério: a) Kairos reunia textos de “momentos de decisão, ocasião crítica, conjuntura na qual é importante que alguma coisa seja feita ou dita” (CASTORIADIS, 2002, v. 2, p. 8); b) Kainônia reunia textos mais densos, com ênfase nas questões econômicas, políticas e sociais de sua época; c) Polis agrupava os textos mais direcionados a interpretação da instituição (imaginária) da sociedade e a organização da cidade; d) Logos, com textos mais voltados à discussão da epistemologia, da divisão das ciências e aos seus conceitos; e) Psique, na qual o autor se preocupou em reunir seus textos sobre a psicanálise e suas interpretações do indivíduo; f) e, enfim, Poièsis, que foi acrescido pelos responsáveis pela organização do sexto volume, no qual “foram reunidos dois textos em que Castoriadis reflete sobre (…) criação poética, é certo, mas também criação institucional” (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 8).

No prefácio ao quinto volume da série As encruzilhadas do labirinto, Lílian do Valle esclarecia que uma das preocupações centrais do autor, principalmente quando dizia respeito a sua compreensão de práxis, era a de que “a autonomia humana significa[va] poder de criação, individual e coletiva, à luz da qual cada sociedade e cada indivíduo deverão ser considerados em sua singularidade” pois “recusa[va]-se a admitir que [as determinações] sejam suficientes para explicar a criação humana individual e coletiva” (CASTORIADIS, 1999, v. 5, p. 9). E isso porque, como revelou em um de seus textos do quarto volume da série, intitulado A ascensão da insignificância: “sustento que a história humana, assim como as diversas formas de sociedade que conhecemos nesta história, é essencialmente definida pela criação imaginária. Imaginário, neste contexto, não significa evidentemente fictício, ilusório, especular, mas posição de novas formas, e posição não determinada, mas determinante; posição imotivada, da qual não pode dar conta uma explicação causal, funcional ou mesmo racional” (CASTORIADIS, 2002, v. 4, p. 183), e em que sempre se encontram em disputa e em posição de tensões um ‘imaginário radical’ (que pretende mudança e ação), sobre uma sociedade instituinte e instituída por significações imaginárias sociais (muitas das quais herdadas do passado). Note-se, desde já, a continuidade, que o próprio autor estabelece, entre A instituição imaginária da sociedade, de 1975 (e que recebeu pequenos acréscimos em suas edições posteriores), e As encruzilhadas do labirinto.

Enquanto a primeira demonstraria os contornos do imaginário social e da instituição imaginária da sociedade, a segunda revelaria os diversos setores pelos quais e nos quais o imaginário, a sociedade e os indivíduos estariam dispostos.

Como ele próprio indicaria: Uma vez criadas, tanto as significações imaginárias sociais quanto as instituições se cristalizam ou se solidificam, e é isso que chamo de imaginário social instituído, o qual assegura a continuidade da sociedade, a reprodução e a repetição das mesmas formas que a partir daí regulam a vida dos homens e que permanecem o tempo necessário para que uma mudança histórica lenta ou uma nova criação maciça venha transformá-las ou substituí-las radicalmente por outras (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 130).

Evidentemente, a complexidade dos textos e as pretensões do autor de elaborar uma teoria sobre a constituição e a instituição imaginária da sociedade (e suas possíveis mudanças no tempo e no espaço, por meio da ação dos indivíduos) ultrapassam, e muito, a essa apresentação (esquemática, até pelo seu caráter didático). Em se tratando do sexto volume: Figuras do pensável, nos limitaremos também a expor apenas alguns de seus pontos centrais, para depois avançarmos quanto a sua interpretação.

O livro, como já foi dito acima, não foi organizado pelo autor, mas ficou sob a responsabilidade de suas filhas, junto a uma equipe técnica. A obra, segundo indicam os organizadores, na Advertência, já estava sendo pensada pelo autor (alguns meses antes de falecer), mas seu acabamento e retoques finais (como a escolha e organização de alguns dos textos) ficaram mesmo a cargo da equipe responsável pelo volume. O texto impresso ficou com 5 partes e 14 capítulos. Na primeira, Poièsis, com dois capítulos, nos quais discutiu a obra de Ésquilo e alguns meios utilizados pela poesia. Na segunda, Kainônia, com três densos capítulos, nos quais discutiu a racionalidade do capitalismo, e algumas questões sobre sua definição de imaginário e instituição imaginária da sociedade. Na terceira, Polis, com dois capítulos, sua preocupação esteve voltada para a questão da herança das revoluções e a discussão do que é a democracia e que tipo de democracia se vivia na Europa. Na quarta, Psique, com quatro capítulos, analisa as raízes psíquicas do ódio, a psicanálise e sua contribuição para o entendimento da educação e da sociedade. E na quinta parte, Logos, com três capítulos, fez uma discussão sobre os modos de ser e os problemas de conhecimento do social-histórico, o falso e o verdadeiro caos, e sobre o espaço e o número.

Desse modo, ao longo desses catorze capítulos, as discussões foram variadas, não possuindo a mesma articulação temática estabelecida nos volumes anteriores, nos quais o autor se limitava a concentrar, em cada volume, três a quatro temas centrais, em que desenvolvia sua análise. Mas como nos anteriores: identifica-se a mesma preocupação do autor, no que diz respeito a sua insatisfação, quanto ao conceito de ciência (ainda empregado e para o qual acreditava necessário se desvencilhar, até para ocorrer o próprio avanço da ciência); em definir uma interpretação, com ênfase na questão da liberdade de ação do indivíduo (ainda que vivendo em uma sociedade instituída e instituinte, e dentro de um sistema econômico e social opressor); e com a preocupação de, a cada momento, rever e desenvolver sua interpretação da instituição imaginária da sociedade. Sobre esse último ponto, vale a pena o acompanhar na sua interpretação do capitalismo, indicado como o “primeiro regime social que produz uma ideologia segundo a qual ele mesmo seria ‘racional’”, e que: Tomando-se uma visão panorâmica da história, o traço característico do capitalismo entre todas as formas de vida social-histórica é evidentemente a posição da economia – da produção e consumo, mas também, bem mais, dos ‘critérios’ econômicos – em um lugar central e como valor supremo da vida social. Um corolário disso é a constituição do ‘produto’ social específico do capitalismo. Em poucas palavras, todas as atividades humanas e todos os seus efeitos chegam, mais ou menos, a ser considerados como atividades e produtos econômicos ou, no mínimo, como essencialmente caracterizados e valorizados por sua dimensão econômica. Inútil acrescentar que esta valorização se dá unicamente em termos monetários (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 94).

Foi, principalmente, em função da maneira pela qual a ciência, a técnica e a política estavam a serviço do capital e do lucro, que o autor dirá que: Um caminho parece, desde já, claramente traçado, pelo menos no que se refere a sua orientação geral. É o caminho da perda do sentido, da repetição de formas vazias, do conformismo, da apatia, da irresponsabilidade e do cinismo e que é, ao mesmo tempo, aquele do domínio crescente do imaginário capitalista da expansão ilimitada de um ‘domínio racional’, pseudodomínio pseudo-racional, de uma expansão ilimitada do consumo pelo consumo, vale dizer por nada, e da tecnocracia autonomizada em sua corrida e que é, evidentemente, parte ativa da dominação desse imaginário capitalista (CASTORIADIS, 2004, v.6, p. 148).

Inevitável a constatação neste ponto, embora implícita, de uma aproximação do conceito de ‘imaginário social’ do autor, com o conceito de ‘campo’ de Pierre Bourdieu (1990, 1999), principalmente, ao verificar o desenvolvimento da sociedade ocidental e do capitalismo, e que, neste volume, ganham um contorno significativo ao avaliar a democracia, a ciência, a política e a organização das instituições (imaginárias da sociedade), na medida em que seu conceito passaria a abranger toda composição da sociedade e de suas organizações institucionais, assim como o conceito de ‘campo’ de Bourdieu almejou apreender a totalizada da sociedade, por meio da distribuição dos grupos, em diferentes instâncias sociais, efetuada em função do desenvolvimento provocado pela sociedade capitalista na divisão do trabalho. Desnecessário acrescentar que, ao longo de sua obra, o próprio conceito de imaginário, imaginação, imagens e, principalmente, o de instituição imaginária da sociedade foi ganhando novos contornos, ainda que seus pontos essenciais se mantivessem. Vale destacar, apenas como exemplo, o sentido de instituições primeiras e de instituições segundas, em que: […] a instituição primeira da sociedade é o fato de que a sociedade se cria ela mesma como sociedade, e se cria a cada vez dotando-se de instituições animadas por significações imaginárias sociais específicas à sociedade considerada: específicas à sociedade egípcia faraônica, à sociedade hebraica, à sociedade grega, à sociedade francesa ou americana de hoje etc. E esta instituição primeira se articula e se instrumenta em instituições segundas (o que não quer de maneira alguma dizer secundárias), que nós podemos dividir em duas categorias.

Há aquelas que são, no abstrato, em sua forma, transistóricas. Tais como, por exemplo, a linguagem: cada língua é diferente, mas não há sociedade sem linguagem; ou indivíduo: o tipo de indivíduo é, concretamente, diferente em cada sociedade, mas não há sociedade que não institua um tipo qualquer de indivíduo; ou a família: a organização e o ‘conteúdo’ específicos da família são, a cada caso, outros, mas não pode haver sociedade que não assegure a reprodução e a socialização da geração seguinte, e a instituição que disso se encarrega é a família, qualquer que seja a sua forma […]. Há instituições segundas que são específicas a determinadas sociedades e que nela desempenham um papel absolutamente central, no sentido de que aquilo que tem uma importância vital para a instituição da sociedade considerada, suas significações imaginárias sociais, é essencialmente carregado por essas instituições específicas [a exemplo da polis, ou da empresa capitalista] (CASTORIADIS, 2004, v. 6, p. 169-70).

Nesse aspecto, possivelmente, a obra A criação humana deveria dar continuidade a essas reflexões, mas infelizmente o autor não teve tempo de concluí-las. A publicação recente do primeiro volume desta outra obra (também) inacabada permite afirmar que os contornos dessa continuidade estavam muito claros para o autor (2007), ao planejá-las concomitantemente, ainda que em As encruzilhadas do labirinto seus contornos tenham ficado mais acabados e definidos.

Portanto, a leitura deste livro, como de toda a série As encruzilhadas do labirinto, é, usando-se uma expressão cara a Platão (no seu livro A república), do qual Castoriadis (2004) foi um grande admirador (o que nem por isso o privou de efetuar críticas contundentes a sua obra), um convite para se ‘sair da caverna’, pensar como o conhecimento é estabelecido e ocorre o desenvolvimento das ciências, para se poder conhecer o mundo e saber como interpretá-lo (parodiando Marx, como o autor fez algumas vezes), até para poder transformá-lo, junto com seu imaginário social instituído e instituinte, num ‘imaginário radical’ (inovador e libertário, para os indivíduos).

Notas

1 Foi economista da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (a OCDE) entre 1948 e 1970. E exerceu ainda o ofício de psicanalista (de 1973 a 1997), e de orientador de pesquisas na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, durante o período de 1981 a 1997.

1 Foi com base nos artigos publicados durante esse período que o autor publicou livros como: CASTORIADIS, C. A experiência do movimento operário. São Paulo: Brasiliense, 1985; CASTORIADIS, C. Da ecologia a autonomia. São Paulo: Brasiliense, 1981; CASTORIADIS, C. Diante da guerra. São Paulo: Brasiliense, 1982; CASTORIADIS, C. Socialismo ou barbárie: o conteúdo do socialismo. São Paulo: Brasiliense, 1983; CASTORIADIS, C. Os destinos do totalitarismo e outros ensaios. Porto Alegre: L&PM, 1985.

1 A avaliação a respeito deste período foi efetuada em alguns congressos (que homenageavam o autor e a sua obra), que depois foram reunidos em livros, como: Autonomia e autotransformação da sociedade. A filosofia militante de Cornelius Castoriadis, publicado em 1989, sob a direção de Giovanni Busino e Cornelius Castoriadis y el imaginário radical, publicado em 2000, por Nerio Tello, para ficar apenas em dois exemplos.

2 Na década de 1980, o autor estava sistematizando aquele projeto em seus seminários, apresentados na Escola Prática de Autos Estudos em Ciências Sociais, na cidade de Paris, mas não chegou a publicar a obra. Recentemente, parte destes seminários foi publicado sob o título: CASTORIADIS, C. Sujeito e verdade no mundo social-histórico. Seminários 1986-1987: A criação humana I. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

1 As referências completas são: CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto I. Tradução de Carmen Sylvia Guedes. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997; CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto II. Os domínios do homem. Tradução de José Oscar de Almeida Marques; revisão de Renato Janine. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto III. O mundo fragmentado. Tradução de Maria Rosa Boaventura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992; CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto IV. A ascensão da insignificância. Tradução de Regina Vasconcellos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002; CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto V. Feito e a ser feito. Tradução de Lílian do Valle. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

Referências

BOURDIEU, P. 1999. A economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli São Paulo: Perspectiva.

____________. 1990. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

CASTORIADIS, C. 1997. As encruzilhadas do labirinto I. Tradução de Carmen Sylvia Guedes. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

________________. 2002. As encruzilhadas do labirinto II. Os domínios do homem.

Tradução de José Oscar de Almeida Marques; revisão de Renato Janine. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

________________. 1992. As encruzilhadas do labirinto III. O mundo fragmentado. Tradução de Maria Rosa Boaventura. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_________________. 2002. As encruzilhadas do labirinto IV. A ascensão da insignificância. Tradução de Regina Vasconcellos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

__________________. 1999. As encruzilhadas do labirinto V. Feito e a ser feito. Tradução de Lílian do Valle. Rio de Janeiro: DP&A.

__________________. 2004. Figuras do pensável. As encruzilhadas do labirinto VI. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

__________________. 1995. A instituição imaginária da sociedade. São Paulo: Paz e Terra.

__________________. 2007. Sujeito e verdade no mundo social-histórico. Seminários 1986-1987: A criação humana I. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

__________________. 1985. A experiência do movimento operário. São Paulo: Brasiliense.

__________________. 1992. A criação histórica. Porto Alegre: Artes e ofícios.

__________________. 1981. Da ecologia a autonomia. São Paulo: Brasiliense.

__________________. 1982. Diante da guerra. São Paulo: Brasiliense.

__________________. 1983. Socialismo ou barbárie: o conteúdo do socialismo. São Paulo: Brasiliense.

__________________. 2004. Sobre o político de Platão. São Paulo: Loyola.

__________________. 2006. Uma sociedade à deriva: entrevistas e debates, 1974-1997. São Paulo: Idéias & Letras.

__________________. 1985. Os destinos do totalitarismo e outros ensaios. Porto Alegre: L&PM.

CHAUÍ, M. (org.) 1995. A criação dialética: o pensamento histórico-político de Cornelius Castoriadis. São Paulo: Brasiliense.

DOSSE, F. 2007. História do Estruturalismo. O campo do signo (v. 1); O canto do cisne (v. 2). Tradução de Álvaro Cabral; revisão técnica de Márcia Mansor D’Aléssio. Bauru/SP: Edusc, 2v.

VALLE, L. Castoriadis: uma filosofia para a educação. Revista educação e sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, 2008, p. 493-513.


Resenhista

Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela UFPR, bolsista do CNPq. Professor da UEMS, em afastamento integral para estudos. E-mail: diogosr@yahoo.com.br.


Referências desta resenha

CASTORIADIS, Cornelius. Figuras do pensável. As encruzilhadas do labirinto VI. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. A Filosofia (Da História) De Cornelius Castoriadis (1922- 1997). Revista de Teoria da História n. 2, dezembro/ 2009.

Itamar Freitas

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