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Feminismo em Comum: Para Todas, Todes e Todos – TIBURI (REF)

TIBURI, Marcia. Feminismo em Comum: Para Todas, Todes e Todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. 125pp. Resenha de: LUCENA, Srah Catão. Da teoria às práticas: a epistemologia cotidiana de um feminismo em comunhão. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.3, 2019.

Filósofa de formação, a também escritora, artista plástica, professora e militante associada ao Partido dos Trabalhadores Marcia Tiburi publicou seu oitavo livro de ensaios, o qual vem avultar uma produção já robusta desta intelectual que também escreve romances, livros infantis, além de participar de antologias em coautoria com outras autoras de referência no campo da filosofia, como Suzana Albornoz e Jeanne Marie Gagnebin. De maneira geral, Feminismo em Comum amplia o projeto intelectual de Marcia Tiburi ao alinhavar recortes da sua biografia profissional à sua produção escrita, dotada de um estilo perspicaz, porque sabe traduzir filosofia, política e arte em linguagem acessível. Neste volume, a escritora reúne em um total de 125 páginas um debate que conecta seus temas predominantes, filosofia e política, à problemática de gênero. Ao elaborar como a estrutura opressora do patriarcado sistematiza a ordem social e mental brasileiras de maneira a cingir a vida das mulheres, a autora propõe, através de uma dicção prática e por vezes pungente, a perspectiva feminista como uma alternativa à recuperação da democracia para todas, todes e todos.

Organizado em dezessete capítulos, o ensaio inicia com uma chamada, “Feminismo já!”, convocando leitoras e leitores a compreenderem os extremos em que se encontra a questão feminista, separada, de um lado, pelo grupo que teme e rejeita o feminismo e, do outro, pelo que se entrega ao conceito com muita esperança, mas sem necessariamente pensá-lo como prática e, portanto, modo de vivência e atuação na sociedade. A questão da transfiguração da teoria feminista em exercício social é uma preocupação atual do campo de estudos e encontra-se presente em trabalhos de referência do pensamento feminista, a exemplo de Sara Ahmed no seu Living a Feminist Life (2017). Nesse sentido, propor o feminismo como ferramenta de trabalho e modo de estar no mundo é um ponto forte do livro de Tiburi, já que sintoniza a sua discussão a um contexto amplo e universal, mas sem perder de vista a especificidade brasileira que serve como referência direta para quem tem seu livro em mãos.

Este chamado introduz os capítulos dois a quatro – “Pensar o feminismo”, “Somos todas trabalhadoras” e “Autocrítica: o feminismo para além do medo e da moda” -, em que Tiburi defende a reflexão e análise do conceito do feminismo como um estágio necessário à sua posterior conversão em prática, mas também como recurso para que se evite transformar o feminismo em um impulso ou um ideal que não se transforma em trabalho. Neste momento, a autora estabelece as práticas de crítica e de autocrítica como maneiras de aprender a pensar honesta e analiticamente sobre o feminismo, além de retomar o título de seu ensaio como forma de explicitar o caráter inclusivo da prática que apregoa. Sua proposta esboça o desejo por uma “democracia radical” (MarciaTIBURI , 2018, p. 12) porque reivindica os direitos de todas as mulheres, responsáveis por sustentar a luta; de todes aqueles que, graças ao feminismo, podem expressar sua identidade para além do binarismo homem-mulher; e, também, de todos os homens, uma vez que o patriarcado, na medida em que lhes confere privilégios, abandona-os à miséria espiritual. Somente pela internalização do feminismo como uma questão da vida íntima de todas as pessoas é que o conceito pode ser visto como uma alternativa “para além do medo e da moda” (TIBURI , 2018, p. 21) no qual corre o risco de se transformar quando interpretado pelo ângulo capitalista e patriarcal.

Afinada com a chamada quarta onda do feminismo brasileiro, Marcia Tiburi apresenta nos capítulos que seguem o caráter horizontal, plural e coletivo da orientação feminista atual. Os capítulos cinco e seis – “O feminismo é o contrário da solidão” e “Da misoginia ao diálogo” – reconectam o feminismo à sua ancestralidade através do depoimento da autora sobre a história de seus avós, seus pais e sua tia. A privacidade do relato ultrapassa, entretanto, os limites de uma narrativa que se poderia julgar única, pois fica claro que o destino de opressão das mulheres na ordem do patriarcado não é exclusivo de algumas famílias.

Já os capítulos sete e oito – “O feminismo e o feminino” e “Lugar de fala e lugar de escuta: feminismo dialógico como encontro das lutas” -, os mais formais do volume por conterem a maior quantidade de referências teóricas presentes em suas notas de rodapé, examinam a ideia de lugar de fala como um direito a ser conquistado pelas mulheres. Conceito caro ao estudo das minorias em geral, o lugar de fala é retomado no ensaio como antídoto contra o silenciamento das mulheres, mas que deve ser combinado ao igualmente necessário lugar de escuta. Retomando os tópicos nos capítulos quinze e dezesseis – “Minorias políticas, lugar de fala e lugar da dor: a questão do diálogo em nome de direitos” e “Política da escuta” -, Tiburi chama a atenção para o fato de que a fala, mesmo quando vem de um lugar de dor e opressão, ainda é capaz de interromper o diálogo. Assim, para que a expressão democrática se realize de fato, é necessário que aconteça dentro da comunhão dialógica, chamada pela autora de “política da escuta” (TIBURI , 2018, p. 87).

Em “A ideologia patriarcal”, Tiburi examina mais demoradamente o modus operandi do patriarcado demonstrando como sua dinâmica de opressão e injustiça só consegue ser mantida porque se impõe como uma maneira natural de pensar, sentir e agir. O patriarcado se realiza nos modos como as mulheres atuam e são percebidas nas relações de trabalho e na romantização do casamento e da maternidade, quando a ideologia meritocrática engabela-se criando a ilusão de que as mulheres têm poder de escolha “em um mundo machista, no qual a base simbólica da cultura não prevê espaço para a real liberdade das mulheres” (TIBURI , 2018, p. 67). No mesmo sentido é que desenvolve seu argumento em “A violência e o poder” ao comentar sobre os textos e subtextos do patriarcado que se inscrevem em todas as instâncias da sociedade, inclusive no Estado, recentemente demonstrado pelo episódio do “bela-recatada-do-lar” (TIBURI , 2018, p. 80), que é hoje parte do patrimônio simbólico da violência machista no Brasil.

O exercício autocrítico da atuação feminista defendida por Marcia Tiburi é posto em prática nos capítulos dez a treze – “Direito de ser quem se é”, “Mulheres e feministas: o problema da identidade”, “As potências do feminismo: da ético-política à poético-política” e “Ser feminista: relatar a si mesma” -, em que a autora problematiza a incorporação da pluralidade feminina por uma terminologia que às vezes não engloba a questão racial, étnica ou classista que determina a vida de muitas mulheres. São capítulos que se agregam a outras leituras críticas sobre o desenvolvimento do feminismo brasileiro, a exemplo dos trabalhos de Heloísa Buarque de Hollanda, uma das críticas da cultura mais influentes do Brasil. Em 1994, Hollanda organizou e publicou Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica da Cultura, revisitando o assunto tanto em Explosão Feminista: Arte, Cultura, Política e Universidade, de 2018, quanto em Pensamento Feminista: Conceitos Fundamentais, de 2019, deixando evidente, pelo contraste entre as publicações, o caráter teórico, acadêmico e vertical da prática feminista que predomina nos anos 1990 e a superação desta hierarquia contemporaneamente, a qual Marcia Tiburi busca também enfrentar. Ao afirmar que o feminismo restitui às mulheres a sua biografia roubada, a filósofa convoca a que todas as mulheres falem, pois é o relato de si mesmas que poderá devolvê-las ao seu tempo, corpo e pensamentos.

O livro de Marcia Tiburi foi publicado em 2018, ano em que a sua editora, Rosa dos Tempos, comemorou 28 anos de existência como a primeira editora feminista do Brasil. É um livro acessível em conteúdo e formato, para ser carregado na bolsa, objeto do cotidiano. A natureza ensaística o liberta da necessidade de mediação acadêmica para falar sobre feminismos no tempo presente. Assim, rompe os limites de um possível academicismo ao buscar a sua epistemologia no cotidiano das ruas, da vida doméstica, do local de trabalho, das histórias pessoais. Por isso tudo, Feminismo em Comum é celebrativo, pois, aclamando a inclusão, a diferença e a coletividade, demonstra que o feminismo só pode se transformar em ferramenta democrática no seio da comunidade, em exercício conjunto de todas, todes e todos.

Referências

AHMED, Sara. Living a Feminist Life. Durham: Duke University Press, 2017. [ Links ]

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Tendências e Impasses: O Feminismo como Crítica da Cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. [ Links ]

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Explosão Feminista: Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. [ Links ]

HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Pensamento Feminista: Conceitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019. [ Links ]

TIBURI, Marcia. Feminismo em Comum: Para Todas, Todes e Todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018. [ Links ]

Sarah Catão de Lucena  – Doutora em Línguas Românicas pela University of Georgia, nos Estados Unidos. Sua pesquisa investiga questões identitárias e processos de representatividade na literatura lusófona de autora feminina a partir do estudo da representação das mulheres nordestinas em narrativas dos séculos XX e XXI. É professora assistente do Departamento de Espanhol e Português na Georgetown University, na cidade de Washington, DC, nos Estados Unidos. E-mail:  sarah.lucena@georgetown.edu

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[MLPDB]
Itamar Freitas

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