Exílios – Política – Cultura – Resistência / Projeto História / 2015
“El exiliado mira hacia el pasado, lamiéndose las heridas; el inmigrante mira hacia el futuro, dispuesto a aprovechar las oportunidades a su alcance.”1 (Isabel Allende)
“Pode-se arrancar o homem de seu país, mas não se pode arrancar o país do coração do homem” (John Roderigo dos Passos)
Exilar-se é desterrar-se. É fratura e rompimento. É um deslocamento involuntário e traz consigo o sentimento de perda. É deixar para trás todo um repertório de afetividades não rompidas, porém distantes geograficamente, isolando o exilado de qualquer contato com seu país de origem. Temporário? Eterno? Uma mistura imponderável de elementos da legislação com acontecimentos do contexto histórico o dirão. Seja qual for a temporalidade, o indivíduo, nessa reelaboração forçada, pelo próprio sofrimento experimentado, já deixa de ser o mesmo. Consequências terríveis provoca o exílio.
Em Atenas, durante a Antiguidade Clássica, o exílio era imposto como defesa da democracia. Chamado de ostracismo, representava uma punição forte, que bania o cidadão por dez anos da convivência com seus pares.
Passados mais de dois mil anos, a política e seu mais cruel desdobramento, a guerra, continuam produzindo exilados, com seus silêncios significativos ou suas falas eloquentes. Diferente do emigrado, o exilado, mesmo aquele auto exilado, é obrigado a vivenciar um sofrimento solitário, no qual as novas relações afetivas, difíceis de serem conquistadas, não substituem a mágoa da ausência das anteriores.
O exilado, não raro, é obrigado a se reinventar completamente, sem esquecer os padrões de cultura que são mantidos pela saudade. Essa palavra intraduzível que, no falar de Lévi-Strauss, remete à rememoração de seres, coisas, lugares, e que é uma tomada de consciência impregnada do sentimento agudo de sua fugacidade. Um aperto no coração que a lembrança de certos lugares, físicos ou da memória, nos mostra que não há, no mundo, nada de permanente e nem de estável em que possamos nos apoiar. Somos, portanto, exilados em potencial.2
Este número da revista Projeto História nos apresenta, neste segundo número da temática “Exílio”, uma importante polifonia de assuntos e interpretações substanciosas de autores que nos fazem vivenciar o significado do exílio.
O dossiê Política, Cultura e Resistência: Exílios é composto por uma gama de estudos que possibilitará a reflexão do pesquisador. O Investigador Titular do El Colegio de la Frontera Sur, Enrique Coraza de los Santos, abre o dossiê com uma visão conceitual em perspectiva comparada sobre o exílio através dos casos na Espanha, México, Argentina e Uruguai. Com o mesmo olhar, a especialista em estudos latino-americanos, Silvia Dutrénit Bielous, identifica nos anos 70 observações pautadas entre México e Uruguai, estabelecendo uma importante reflexão sobre as encruzilhadas do exílio.
Na esfera conceitual, o especialista em história intelectual, Maurício Parada, destaca as várias possibilidades entre esse meio com o exílio, estabelecendo uma vasta relação entre a história, exílio, política e intelectualidade, buscando analisar três trajetórias em especial, Otto Maria Carpeaux, Villém Flusser e Stefan Zweig.
No âmbito do contexto varguista e hitlerista, Marlen Eckl, analisa os efeitos do Decreto-Lei n° 383, de 1938 para os alemães. Partindo desse princípio, no artigo Entre resistência e resignação – as atividades políticas do exílio de língua alemã no Brasil, 1933-1945 é possível verificar os obstáculos que os exilados encontraram no Brasil.
Concluindo a primeira seção, Luis Roniger, destaca a importância analítica do exílio como uma experiência geradora de aberturas conceituais, institucionais e de sociabilidade. No artigo, o pesquisador da Wake Forest University, estabelece algumas reflexões, demonstrando a singularidade do caso brasileiro em uma perspectiva transnacional.
O dossiê conta com Alfredo Moreno Leitão e Geny Brillas Tomanik na seção Projetos, que apresentam resultados de suas pesquisas. O primeiro com aspectos em torno do salazarismo e a segunda com interpretações sobre o exílio espanhol.
Há ainda a resenha de duas obras ligadas a temática do dossiê. Francisco Osvaldino Nascimento Monteiro, apresenta ao público, a obra de Victor Barros, Campos de Concentração em Cabo Verde: As Ilhas Como Espaços de Deportação e de Prisão no Estado Novo, enquanto Estela Cristina Mansilla, apresenta a obra de Silvia Dutrénit Bielous, La Embajada Indoblegable. Asilo Mexicano en Montevideo durante la Dictadura.
Para fechar o número, os editores e organizadores, apresentam três artigos na seção livre. Partindo do Método Documentário de Análise de Imagens, Vinícius Liebel, busca o exercício de análise de uma charge do semanário nacional-socialista Der Stürmer. Luis Carlos dos Passos Martins, objetiva analisar como a imprensa carioca abordou o crescimento acelerado e desordenado das cidades brasileira durante o Segundo Governo Vargas, causando o aumento das “favelas” na Capital Federal e fechando o número Silvia Liebel estabelece uma importante análise, destacando à chamada “guerra dos sexos” nos inícios da impressão na Europa moderna.
Desejamos uma ótima leitura e boas reflexões historiográficas!
Notas
1 “O exilado olha para o passado, lambendo as feridas; o imigrante olha para o futuro, disposto a aproveitar as oportunidades a seu alcance”.
2 LÉVI-STRAUSS, Claude; MENDES, Ricardo. Saudades de São Paulo. Companhia das Letras, 1996.
Leandro Pereira Gonçalves (PUCRS)
Yvone Dias Avelino (PUC-SP)
GONÇALVES, Leandro Pereira; AVELINO, Yvone Dias. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.53, 2015. Acessar publicação original [DR]
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