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Eugenics: a very short introduction | Philippa Levine

Eugenics: a very short introduction, de Philippa Levine, publicado pela Oxford University Press em 2017, tem dimensões modestas, mas presta um belo serviço ao tratar de assunto tão controverso e espinhoso. Os recentes estudos sobre o tema no Brasil e a constante associação entre eugenia e nazismo fazem com que o debate não seja novidade e a publicação de livros que abordem os movimentos eugênicos não seja uma surpresa. Mas, em tempos de radicalismos, intolerância de gênero, racial, social, posições políticas exacerbadas, polarizações e extremismos, a eugenia, toda a rede construída ao redor de seu movimento, seus usos, sua aplicação, suas conseqüências e suas permanências, torna-se assunto de extremo interesse e é essencial que seja sempre revisitado e discutido.

O livro faz parte da coleção “A very short introduction”, publicada desde 1995; atualmente com cerca de 450 títulos, tem como proposta a apresentação dos mais variados temas, de forma “acessível e estimulante”, bastante semelhante à série “O que é” publicada no Brasil pela Editora Brasiliense. Philippa Levine é professora do departamento de História da Universidade do Texas, com vasto currículo e experiência em pesquisa sobre eugenia e temas correlatos.1

Com cerca de 150 páginas, em linguagem simples e didática, o livro é dividido em cinco capítulos bem costurados entre si: “The world of eugenics”; “Eugenic intelligence”; “Eugenic reproduction”; “The inequalities of eugenics”; “Eugenics after 1945”. Ao longo deles são discutidas as principais questões do movimento eugênico e suas permanências no contexto internacional, contribuindo, dessa forma, para a argumentação da autora. O livro conta com uma pequena lista de ilustrações, referências bibliográficas clássicas e atuais sobre o tema, divididas pelos cinco capítulos, e um índice bastante útil, em especial para consultas rápidas.

O livro se propõe a apresentar a eugenia como um movimento científico e social, de abrangência internacional, com influências e efeitos potentes e duradouros nas políticas públicas de diversos países. Para Levine, a eugenia se apresentou como a solução para os problemas causados, bem como para os problemas revelados, pela Primeira Guerra Mundial. Nesse sentido, o alcance da ciência eugênica foi longo e englobou a antropologia física, a genética, a psiquiatria, a psicologia, a criminologia, para citar alguns exemplos.

Inicialmente, a autora explica a eugenia, suas origens sociais e científicas, as principais questões que permearam o debate sobre hereditariedade desde o século XIX, mas em especial como a eugenia conquistou tantos adeptos nas primeiras décadas do século XX. Para ela, parte dessa explicação reside naquilo que chama de “paradoxo da eugenia”: os princípios que motivaram os eugenistas a se engajarem no movimento, geralmente, eram bem intencionados e relacionados ao desejo de melhoramento da sociedade, ao mesmo tempo que o movimento foi associado com as principais políticas coercitivas e punitivas durante o século XX. Outra parte da explicação está relacionada à promessa de um mundo melhor, um futuro melhor, socialmente mais justo, à perspectiva da erradicação de doenças, más-formações, degenerações. Essas crenças foram capazes de seduzir uma ampla gama de cientistas, intelectuais e políticos, tanto na Europa, na Ásia, quanto nas Américas do Norte e Latina, para as fileiras dos movimentos eugênicos. Apesar de todas as promessas, Levine deixa claro que a eugenia e seus usos – políticos, econômicos, sociais e culturais – reforçaram as diferenças e ampliaram as desigualdades.

Um dos principais argumentos de Eugenics: a very short introduction diz respeito ao alcance e à persistência da eugenia durante todo o século XX. Segundo Levine, uma forma de compreender o amplo espectro de influência da eugenia é observar como as ideias e pressupostos eugênicos foram absorvidos pela cultura: o tema da eugenia pode ser encontrado em filmes, livros, peças de teatro e nas artes? Sim, e uma lista de exemplos é apresentada ao leitor, mas sem o aprofundamento em questões que seriam pertinentes para uma melhor compreensão de como propostas de uma ciência e de um movimento social podem ser assimiladas de diferentes maneiras.

Levine centra sua análise no que afirma serem as duas questões básicas para o debate sobre a eugenia: inteligência e reprodução. A inteligência foi um dos quesitos mais importantes para os eugenistas e passou a ser medida pelos famosos e disseminados testes de inteligência ( Intelligence Quotient , QI), a partir dos anos 1910. A autora mostra ainda quais os usos dos testes: criar estereótipos e a estrita relação entre eugenia, moral e inteligência. O estudo da reprodução foi uma das principais atividades dos eugenistas, e o casamento – o incentivo ao casamento eugênico e o impedimento do “mau” casamento –, uma cruzada eugênica. Nesse sentido, a autora afirma, ainda, que aconteceu um movimento global pela regulação e regulamentação dos matrimônios.

Ao tratar da reprodução no terceiro capítulo, Levine toca em assuntos ainda controversos nos dias atuais: educação sexual, inseminação artificial, controle de natalidade, aborto, eutanásia e esterilização. Assuntos que retornam no Capítulo 5 e ganham ares da contemporaneidade para provar a permanência das proposições eugênicas com novos contornos e, principalmente, com novos nomes no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Aliado a isso, o desenvolvimento das pesquisas em genética humana e biologia, em biologia celular, a possibilidade do aconselhamento e rastreamento genético, a preocupação em diversos países com as altas taxas de natalidade, o desafio de alcançar a ideia de civilização e a busca incessante pelo melhoramento humano contribuíram para políticas de exclusão e controle populacional, por exemplo. Para Levine (2017, p.118), é correto afirmar que a eugenia não desapareceu depois da Segunda Guerra Mundial.

O livro coloca a América Latina, e o Brasil em especial, na rota dos movimentos eugênicos organizados. Entretanto, o argumento parece ser bastante generalista, entendendo-se aqui que o livro não busca uma análise da eugenia em terras tropicais. Levine associa a eugenia latino-americana diretamente ao lamarckismo e à ideia dos caracteres adquiridos,2 quando, na verdade, a historiografia tem mostrado, desde os anos 1990 – sobretudo a partir dos anos 2000 –, que os países tiveram suas peculiaridades e que contextos nacionais são imprescindíveis para a compreensão dos processos da eugenia em cada país. Em se tratando do movimento eugênico brasileiro, recentes pesquisas apontam para uma aproximação tanto da eugenia positiva quanto da eugenia negativa.3 No sentido que Levine apresenta a eugenia na América Latina, os países perdem não apenas suas particularidades sociais, culturais, políticas e econômicas, mas principalmente a possibilidade de refletir profundamente sobre questões essenciais que dizem respeito à construção da identidade nacional durante o século XX.

Notas

1Philippa Levine é uma das organizadoras de um importante volume sobre eugenia. Ver Levine e Bashford (2010).

2Um dos livros seminais sobre a história da eugenia na América Latina e no Brasil, The hour of eugenics: race, gender and nation in Latin America , de Nancy Stepan, publicado em 1991 e traduzido para o português em 2005, apresenta a relação entre a eugenia latino-americana e neo-lamarckismo, ao mesmo tempo que apresenta a organização desses movimentos eugênicos.

3Dois exemplos recentes de pesquisas sobre a eugenia e o movimento eugênico brasileiro que apontam para novas perspectivas de abordagem são Muñoz (2015) e Souza (2006).

Referências

LEVINE, Philippa; BASHFORD, Alison. The Oxford handbook of the history of eugenics . Oxford: Oxford University Press. 2010.

LEVINE, Philippa. Eugenics: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press. 2017.

MUÑOZ, Pedro Felipe Neves de. À luz do biológico: psiquiatria, neurologia e eugenia nas relações Brasil-Alemanha (1900-1942). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2015.

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A política biológica como projeto: a “eugenia negativa” e a construção da nacionalidade na trajetória de Renato Kehl (1917-1934). Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro. 2006.

STEPAN, Nancy Leys. A hora da eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2005.

STEPAN, Nancy Leys. The hour of eugenics: race, gender and nation in Latin America. London: Cornell University Press. 1991.


Resenhista

Paula Arantes Botelho Briglia Habib – Professora. Universidade Federal Fluminense. orcid.org/0000-0002-5503-5134 E-mail: pbrigliahabib@uol.com.br


Referências desta Resenha

LEVINE, Philippa. Eugenics: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2017. Resenha de: HABIB, Paula Arantes Botelho Briglia. A eugenia de ontem e de hoje. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.26, n.2, abr./jun. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

Itamar Freitas

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