Ética, Pesquisa, História: desafios na produção do conhecimento / História & Perspectivas / 2015

Com o n. 52, História & Perspectivas mais uma vez traz a público um conjunto de contribuições à compreensão do processo histórico, nacional e internacional. As interpretações aqui presentes representam uma rica mostra do que se debate e se produz na historiografia atual.

O tema central deste número é “Ética e pesquisa no campo da História”, questão atemporal e que envolve todos os campos investigativos e não apenas a História ou o macro campo das Ciências Humanas e Sociais. E isso remete à necessidade de reflexão, tanto sobre a implementação propriamente dita da pesquisa como sobre a responsabilidade sócio-acadêmica dos que a praticam e dos usos que são feitos dos resultados que, desde muito, fazem parte do cotidiano de todos nós.

É nesse horizonte que o binômio ética e pesquisa tem sido um tema recorrente nos debates da área de Ciências Humanas e Sociais, especialmente se considerarmos o contexto das mudanças significativas que resultaram na sociedade do século XXI, decorrentes da intensificação dos processos de globalização das relações econômicas, culturais e científicas.

Ao longo do tempo, os humanos foram passando da condição de coletores para a de produtores de seus alimentos, de nômades para sedentários, de grupos dispersos para sociedades organizada. Aprenderam a curar suas feridas e a se utilizar da riqueza natural que os cercava, enveredando pelos mares, subindo as montanhas, dominando as florestas e as regiões áridas; enfim, passaram a ter domínio sobre suas condições de sobrevivência, num mundo a princípio inóspito, mas que gradativamente foi sendo submetido. Ao mesmo tempo, geraram regulamentos que garantiam condições variadas de sociabilidade, permitindo o planejamento de sua hegemonia e a das gerações futuras neste mundo, além de registrar e dar sentido à sua trajetória por meio da construção da História.

Esse é um processo longo e doloroso, só possível pela habilidade do homem de observar, registrar, lembrar, fazer relações e tirar conclusões sobre o que acontece à sua volta. Característica que, respeitadas as diferenças, o acompanha desde priscas eras e que passamos a chamar em certo momento de investigação científica ou simplesmente de ciência. Nos moldes em que a conhecemos hoje, passou a tomar forma nos tempos modernos, marcados pelo uso metodizado e contínuo da razão, do experimento na busca de melhorias que garantissem cada vez mais condições de conforto ao homem ou, até, a busca da felicidade.

Muitos percalços foram enfrentados – o confronto com a religião, a luta pela garantia das liberdades –, usos condenáveis do conhecimento foram disseminados – tecnologias de guerra, de tortura, de manipulação das vontades –, mas, ao mesmo tempo, descortinaram-se benefícios infindos por intermédio da prática científica. E, com a dependência cada vez maior do homem em relação à ciência e à técnica, a reflexão sobre os usos, os procedimentos, as consequências das transformações geradas fora do circuito “natural”, gerando impactos e consequências para o meio ambiente para os quais nem o próprio homem estava preparado, geraram uma necessidade de se pensar não apenas os horizontes, mas também os riscos que se abriam e se abrem por conta da preeminência científica que a cada dia se avoluma. E essa reflexão se dá no âmbito da razão, em sociedades que respeitam regras comuns, que aceitam os direitos como patrimônio coletivo e que necessitam de assegurar tanto a convivência como a sobrevivência de todos, vislumbrando na ciência tanto a edificação de um futuro radioso como de uma catástrofe iminente.

Como superar esse impasse? Como conciliar os avanços da ciência com a preservação de valores, com o respeito ao ambiente que nos hospeda e à dignidade humana que construiu esse mundo que nos abriga? Em suma, ainda que seja unânime o reconhecimento do valor e da necessidade da ciência, também se consolidou uma visão comum da importância de se refletir sobre a prática investigativa e sobre a necessidade de se estabelecer parâmetros para sua implementação. É nesse espaço que a ética se apresenta, contribuindo para a reflexão sobre a relação do homem com o conhecimento científico. E é aí também que a História entra, ao inserir a perspectiva histórica nessa reflexão, a relação do homem com a produção e o usufruto do conhecimento ao longo do tempo.

Os textos deste dossiê não pretendem oferecer respostas ou soluções para esses e outros dilemas que assolam o ambiente acadêmico-científico brasileiro. De resto, todos nós sabemos que soluções desse tipo não existem. No entanto, contribuem significativamente para a ampliação da reflexão e para o embasamento teórico-metodológico dos pesquisadores e estudiosos sobre o debate recente em torno das resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Saúde regulamentando os procedimentos de avaliação e controle da prática da pesquisa no Brasil, sobre a formação do pesquisador nas universidades e nos institutos de pesquisa, sobre a pertinência da elaboração de códigos de ética para diferentes áreas, sobre a prevalência atual da bioética sobre as atividades investigativas, etc. O simples enunciado desses temas já permite ao leitor avaliar a dimensão da riqueza e do alcance dos argumentos esgrimidos pelos autores aqui reunidos, especialistas experientes tanto no tema como na prática da pesquisa, bem como na análise do processo histórico.

O presente dossiê, além disso, tem o mérito de oferecer estudos que desvelam os limites e as possibilidades da discussão em torno da regulamentação do agir investigativo, ao sinalizar para outros vetores da ética e da pesquisa, mas tendo em vista uma profícua reflexão sobre critérios centrados nas especificidades das Ciências Humanas e Sociais, em especial no campo da História, principalmente quando a relação pesquisador / objeto é matizada pela atuação intencional e planejada do cientista social. Assim, os textos do dossiê oferecem um fecundo panorama das condições de formação do pesquisador, da produção e divulgação dos conhecimentos científicos, colocando em relevo a forma pela qual a sociedade pode usufruir dos resultados da ciência sem que “prejuízos éticos” se manifestem ou reduzindo os riscos de sua ocorrência.

Repassamos agora ao público não só importantes resultados de pesquisa, mas também a responsabilidade pela leitura, pela avaliação e pela crítica, assim como pela continuidade do debate e da reflexão sobre as relações do homem com a natureza e com seus pares, mediados pela ciência.

Conselho Editorial


Ética, Pesquisa, História: desafios na produção do conhecimento. História & Perspectivas, Uberlândia, n.52, 2015. Acessar publicação original [DR].

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