Estudos medievais / Territórios & Fronteiras / 2011
Pela primeira vez, em mais de uma década de publicações, a revista Territórios & Fronteiras apresenta um dossiê de estudos que ultrapassam o recorte cronológico da História do Brasil, trazendo ao público um conjunto de artigos versados nos Estudos Medievais. Constituído pelas contribuições dos professores Dr. Mário Jorge da Motta Bastos (Universidade Federal Fluminense / Translation Studii), Dra. Fátima Regina Fernandes (Universidade Federal do Paraná / NEMED), Dra. Maria Filomena Coelho (Universidade de Brasília / PEM) e Dra. Maria Simone Marinho Nogueira (Universidade Estadual da Paraíba / Principium), e organizado por mim, no âmbito do Vivarium – Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo da Universidade Federal de Mato Grosso -, este dossiê é emblemático, de diversas maneiras.
Composto por pesquisadores de diferentes regiões do país, ele representa, fidedignamente, a escala nacional de nosso medievalismo, que, cada vez mais, abarca a dimensão continental de nossa malha universitária continental e uma diversificação de objetos de estudo. Em segundo lugar, esta mesma amplitude do dossiê Estudos Medievais indica a crescente abrangência do leque de interlocução acadêmica cultivado pelo Vivarium, e como tal a contínua ampliação dos horizontes de pesquisa e atuação intelectual do Programa de Pós-Graduação em História da UFMT.
Todavia, o traço mais notável a ser destacado deste conjunto de estudos – traço que sintetiza todas as características mencionadas acima – consiste em sua constituição como apelo prático à contínua renovação temática e auto-reflexão no âmbito dos estudos históricos e do próprio medievalismo brasileiro. A exortação à renovação temática fica patente através da leitura do artigo da professora Maria Filomena Coelho, A Territoriarização de “Mosteiros Nobres”: experiências de assentamento e de domínio (Leão, séculos XII e XIII). A temática em questão – a instituição discursiva e prática do domínio territorial de três mosteiros de fundação nobiliárquica do antigo reino de Leão – é explorada de uma maneira que demonstra o quanto ainda podemos ser surpreendidos por problemáticas que muitos historiadores, precipitadamente, consideram superadas: a constituição e a dinâmica efetivas das instituições. Mantendo uma salutar distância crítica de uma coordenada comum ao conhecimento histórico, a autora demonstra que o institucional não é sinônimo de “impessoal” ou “relações sociais burocratizadas”, uma vez que uma das mais basilares formas institucionais da Idade Média – as redes monásticas – mantinha a regularidade de estruturação e territorialização a estratégias familiares e políticas de patrimonialização do poder.
De modo semelhante, mas sob uma perspectiva marcada por nuances irredutíveis, apresenta-se o artigo da professora Fátima Regina Fernandes, intitulado Dinis, o Infante, e Nuno, o Condestável: dois modelos de nobre na época de Aljubarrota. Neste caso, o texto mantém como temática de fundo – mas inserida no cerne das discussões – a centralização das monarquias ibéricas no século XIV, outra temática considerada “clássica” no estudo das instituições políticas medievais. Neste caso, a autora problematiza os dois personagens em questão como protagonistas de dois perfis nobiliárquicos distintos, que seriam apropriados pelas gerações seguintes na forma de modelos ideais de atuação política, respaldados e perpetuados por trabalhos cronísticos em posteriores lutas pelo controle e legitimação das relações de poder na história portuguesa.
O estímulo à renovação temática pode ser depreendido da publicação do artigo da professora e filósofa Maria Simone Marinho Nogueira, Conhecer e Amar na Carta a Albergati de Nicolau de Cusa. A autora debruça-se sobre um filósofo fundamental para a constituição do chamado Canône Filosófico Ocidental, cujo pensamento frequentemente é situado como idéias nascidas na fronteira de duas épocas: o declínio da Idade Média e os primórdios da Modernidade. O texto se detém no estudo da carta escrita pelo Cusano a Nicolau Albergati, epístola comumente considerada como um testamento filosófico-religioso do pensador do século XV, na qual são tratadas as relações intrínsecas existentes entre o amor e o conhecimento.
Por fim, o artigo do professor Mário Jorge – texto que tem como título Conflitos Sociais e Processo Histórico na Alta Idade Média – dita o tom do apelo à auto-reflexão dos historiadores. Em uma discussão calcada na proposição de uma História Global dos conflitos sociais durante a Alta Idade Média, premissa comumente estimada como superada nos quadros historiográficos atuais, o autor exorta os leitores e pesquisadores para a inadiável necessidade de oferecermos não apenas “resultados de pesquisa”, mas a efetividade de diálogos críticos sobre a explícita concepção adotada sobre o oficio do historiador. Como afirmou o professor, “a controvérsia e o debate são condições sine qua non do conhecimento científico, do seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, e é difícil até imaginar em que nível estaria o quadro geral de nossos conhecimentos se o consenso constituísse o estado normal imperante nos vários ramos do saber”. Apelo tanto mais meritório na medida em que advém de páginas calcadas não em modismos conceituais passadiços, mas em uma teoria visceral à constituição epistemológica do próprio conhecimento dos historiadores, como é o caso do materialismo histórico-dialético.
Com este rol de estudos a revista Territórios & Fronteiras sela a ampliação de sua pauta de publicações, renovando seu compromisso com a diversificação e o enriquecimento dos estudos históricos.
Cuiabá, 23 de dezembro de 2011
Leandro Duarte Rust – Universidade Federal de Mato Grosso / Vivarium
RUST, Leandro Duarte. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.4, n.2, jul / dez, 2011. Acessar publicação original [DR]