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Estudos africanos: novas perspectivas historiográficas / Dimensões / 2019

Em meados do século XIX, Hegel (1995, p. 174), em sua Filosofia da História, exprimia uma percepção extremamente pessimista em relação à História da África: “[a África] não faz parte da história do mundo. Não tem […] progressos a mostrar, movimentos históricos próprios”. A visão de Hegel acerca do continente, sobretudo de sua parte subsaariana, negava a possibilidade de sua historicização, colocando-o na posição de figurante de um passado centrado na Europa. Ecos da perspectiva hegeliana ainda repercutiam nos meios acadêmicos em pleno século XX, como demonstra Fage (2011, p. 8-9), ao reproduzir a fala do famoso professor de Oxford, Sir Hugh Trevor-Roper, que afirmara, em 1963, não haver uma História da África, mas tão somente a dos europeus no continente.

Carlos Lopes (1995), em seu clássico artigo A pirâmide invertida: historiografia africana feita por africanos, explicita a existência de três grandes correntes historiográficas associadas aos Estudos Africanos, cada qual, segundo ele, ligada a um contexto político / acadêmico próprio: a denominada corrente da inferioridade, identificada com o período colonial em África; a da superioridade, associada ao pan-africanismo e à descolonização; e o que o autor guineense intitulou de novos estudos acerca do continente, que se aproximam, em grande medida, de perspectivas interpretativas pós-estruturalistas.

A corrente da inferioridade africana, fruto de décadas de dominação colonial, seguia os marcos teóricos do paradigma hegeliano, marginalizando a África como apêndice da História Universal. Contrapondo-se a esta visão, os historiadores identificados com a corrente da superioridade, emergente no decorrer do processo de descolonização do continente, buscaram promover a valorização dos Estudos Africanos, sem, contudo, romper com categorias caras aos seus predecessores, reproduzindo, a partir de novas argumentações, a antiga dicotomia colonizador / colonizado, europeus / africanos. Não à toa, Lopes associou os historiadores da corrente da superioridade africana ao que ele representou como uma pirâmide invertida, uma vez que refutavam o discurso colonial, substituindo-o por um similar nacionalista e pan-africano.[2]

Nas três últimas décadas, novas perspectivas, menos “politizadas” e influenciadas por um viés pós-estruturalista, ganharam força na africanologia, destacando-se autores com investigações relacionadas a temáticas multifacetadas e identificadas com a Nova História Política e Cultural, atuando em pesquisas concernentes às mais diversas cronologias. Pode-se destacar, no conjunto de uma historiografia cada vez mais extensa, nomes como Paul Gilroy (2001), John Thorthon (2004), Linda Heywood (2017), no que tange aos períodos moderno e contemporâneo; e David Mattingly (1994; 2003), Claude Lepelley (2016) e Elizabeth Fentress (2018), com trabalhos devotados à Antiguidade africana. Grosso modo, é possível identificar, como ponto de convergência destas variadas análises, o papel ativo e dinâmico ocupado pelos africanos na construção de sua história, enfatizando o continente como fundamental na constituição do passado da humanidade.

A atuação dos africanos na História serviu de fio condutor das discussões levadas a cabo neste dossiê. O atual número da revista Dimensões, devotado aos Estudos africanos: novas perspectivas historiográficas, é, sem sombra de dúvida, fruto de um contexto de grande impulso da africanologia no Brasil. Nos últimos 16 anos, com a promulgação da Lei 10.639 / 03, que tornou obrigatório o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira nas escolas, a historiografia africanista se consolidou como uma área de vanguarda nas pesquisas acadêmicas, dando vazão a uma série de livros, coletâneas, artigos, dissertações e teses. No decorrer deste crescimento editorial, os historiadores vêm redefinindo o papel e a participação dos africanos e de seus descentes na História, revelando uma demanda crescente por novos conhecimentos acerca do continente, fato que, inevitavelmente, auxilia na consolidação de um campo do saber histórico antes relegado ao esquecimento.

Notas

2. A despeito das críticas de Lopes (1995), os historiadores filiados à corrente da pirâmide invertida, com destaque para Diop, Ki-Zerbo e Niane, foram responsáveis pela constituição de uma campo historiográfico dinâmico e autonômico, levando a cabo, ademais, a publicação de um importante projeto editorial patrocinado pela UNESCO, ou seja, a coleção História Geral da África, que, em oito volumes, esquadrinha a história do continente, da Antiguidade à época contemporânea.

Referências

FAGE, J. D. A evolução da historiografia africana. In: KI-ZERBO, J. História geral da África: metodologia e pré-história da África. São Paulo: Cortez, 2011, p. 1-23. v. 1.

FENTRESS, E. Volubilis après Rome. Boston: Brill, 2018.

GILROY, P. O Atlântico negro. Rio de Janeiro: Edições 34, 2001.

HEGEL, F. Filosofia da História. Brasília: UnB, 1995.

HEYWOOD, L. Njinga of Angola: Africa’s warrior queen. Harvard: Harvard University Press, 2017.

LEPELLEY, C. Os romanos na África ou a África romanizada? Arqueologia, colonização e nacionalismo na África do Norte. Heródoto, v. 1, n. 1, p. 418-437, 2016.

LOPES, C. A pirâmide invertida: historiografia africana feita por africanos. Colóquio Construção e Ensino da História da África. Actas… Lisboa, 1995, p. 21-29.

MATTINGLY, D. J. Tripolitania. Michigan: The University of Michigan Press, 1994.

MATTINGLY, D. The Archaeology of Fazzan: Synthesis. London: Society for Libyan Studies, 2003. v. 1.

THORNTON, J. A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400- 1800). Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Belchior Monteiro Lima Neto – Professor de História da África do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo, Coordenador e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas (Ufes). Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano, seção Espírito Santo (Leir / ES), tendo pesquisa financiada pelos Editais Universais do CNPq e Fapes.


LIMA NETO, Belchior Monteiro. Apresentação. Dimensões. Vitória, n.43, 2019. Acessar publicação original [DR]

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Itamar Freitas

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