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Estilo moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre | Marcelo Balaban

Integrante da coleção História Illustrada da Editora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é o segundo livro de autoria de Marcelo Balaban, professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB).1

Estilo moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre concede centralidade à discussão dos sentidos da modernidade para Tigre e seus pares literatos. As primeiras décadas do século XX foram marcadas por transformações e indeterminações diversas, inclusive sobre a própria definição do que seria o moderno. Ascendia um novo tipo de gênero literário relacionado aos novos tempos: o humor trocadilhesco, o calemburgo, a sátira politicamente informada, o risonho em substituição ao choramingo da literatura tradicional.

Para Bastos Tigre, personagem central da análise de Marcelo Balaban, o riso era coisa séria, instrumento para o progresso, para a quebra com um passado menos desenvolvido e desejável. O humor torna-se parte central da realidade histórica e social. Neste sentido, os sujeitos históricos aqui preconizados são os homens de letras e suas concepções, que evidenciam conflitos, diferenças, valores, preconceitos. O mote do livro não é a analise pura dos conceitos – modernidade, humor, belle époque, dentre outros –, mas sim a experiência histórica de sujeitos que buscavam definir a modernidade e, de certo modo, diretrizes para o futuro da nação brasileira.

Em torno de tal discussão, o livro é estruturado em dez capítulos cujos temas principais, tratados em cada um, exponho brevemente a seguir.

O primeiro capítulo, intitulado Muito talento, aborda a centralidade da noção de talento, definido como um tipo de elo que diferenciava os homens de letras de outros grupos sociais. Contudo, fica claro que não é possível falar em uma classe de literatos una e coesa. Nesta parte do livro, somos informados, também, sobre o contexto que recepcionou Tigre naqueles primeiros anos do Rio de Janeiro do século XX. É uma época marcada pela concepção do letramento como condição fundamental, de acordo os homens de letras, para emancipação e progresso do Brasil e de seu povo, a partir da construção de uma literatura nacional moderna.

Outra noção central do capítulo (e do livro) é a de modernidade, que recebia sentidos múltiplos. Nas disputas em torno de tentativas para significá-la, os conflitos e as diferenças de pensamentos ganhavam forma. Junto a tentativas de construção de um Brasil como país moderno e da própria ideia de modernidade, os homens de letra buscavam construir, também, seu lugar de atuação. Eleição de lugares específicos para reuniões restritas – os diversos cafés espalhados pela capital federal de então –, cujo mais famoso expoente é a Cafeteria Colombo, e diferentes maneiras de vestuário são exemplos de estratégias que os literatos usavam para se diferenciarem dos demais e, muitas vezes, também entre si.

O segundo capítulo, intitulado O bom Don Xiquote, apresenta o ano de 1902 como fundamental à carreira literária de Bastos Tigre. É o ano de lançamento de seu primeiro livro, Saguão da posteridade, onde assina com o seu mais famoso pseudônimo: Don Xiquote. Neste livro ocorre a convergência entre concepção de literatura e atuação política do escritor. Balaban analisa detidamente o poema “Os moinhos”, presente no livro, para demonstrar a união entre o sentido político da literatura e o novo, o alegre, o humorístico como oposto ao pedantismo (relacionado aos tempos antigos). Em 1902, Bastos Tigre publicava em diversas revistas recebendo destaque com sua sátira política, que buscava conquistar e educar o povo. Concomitante aos avanços na carreira de literato, ele continuava seus estudos de engenharia. Em 1905 formou-se engenheiro.

Pontos que recebem destaque no capítulo são, ainda, a mistura das atividades jornalísticas e literárias, de modo que a imprensa era a principal forma de acesso dos literatos ao público, além de lugar de reconhecimento para além das rodas dos cafés.

O terceiro capítulo, Depressa! Depressa!, faz uma pausa na análise dos versos de Bastos Tigre e preconiza a intervenção urbana no Rio de Janeiro no período 1902-1906, episódio conhecido como Bota-abaixo. Trata-se do conjunto de reformas propostas por Pereira Passos objetivando melhoramentos diversos na cidade.

Demolições, falta de água, saneamento da cidade e das pessoas, intervenções de Oswaldo Cruz e representantes da saúde pública no cotidiano (cujo grande expoente é a Revolta da Vacina), são explorados no capítulo que mostra que o processo de remodelação urbana do Rio Janeiro, tido como forma da modernidade, evidenciou uma série de tensões entre classes sociais. Em meio a toda essa agitação, Tigre se tornava engenheiro e atuava como literato. Via na ação do governo Passos a esperança de implementar o novo, que também deveria fazer parte da arquitetura da cidade.

O capítulo seguinte, A nossa civilização, dá seguimento as considerações do capítulo 3, demonstrando como o Bota-abaixo influenciou a vida dos literatos, inclusive a personalidade literária do escritor em destaque. Vivendo em meio à poeira das reformas pelos cantos da cidade do Rio de Janeiro, os homens de letras sustentaram diferentes concepções sobre as transformações urbanas. O civilizado, o belo e o progresso eram temas recorrentes à época, tanto que recheavam as páginas da diversas revistas e jornais. Marcelo Balaban argumenta que junto às transformações, Bastos Tigre também se transformava. Por meio de seu humor trocadilhesco manifestava o apoio às reformas, desejando figurar ele mesmo, entre as novidades.

Pontos como importância e técnicas para melhoria da propaganda, como forma de atração, capricho, arte e negócio comercial, bem como sentidos raciais da noção de progresso, são abordados na explanação sobre o episódio da chegada de Santos Drummond ao Rio de Janeiro, em 1903. O inventor era a imagem que se desejava ao país: branco, inventivo, educado, bem vestido, cientista, era exemplo de que era tangível pensar num Brasil civilizado, moderno. De acordo Balaban, a chegada de Drummond foi episódio importante à formação identitária de Tigre.

O quinto capítulo, Musa boêmia e vadia, fala do calemburgo como gênero difícil que era bem executado por poucos, ainda que muitos se lançassem à tarefa. Paulo Cordeiro, importante literato da época, considerava Bastos Tigre um desses eleitos que faziam o calemburgo sem abandonar as boas normas da língua ou deixar de lado a agilidade de pensamento, características presentes na literatura tradicional. Além do dilema de comprovar que o novo gênero não era inferior à literatura tradicional, os literatos enfrentavam outro problema: o da defesa de sua classe. Os boêmios eram tidos por muitos como desocupados, vadios, além de vistos como promptos, ou seja, desprovidos de muitos recursos financeiros. Foi em meio a este panorama, permeado por indefinição, que Tigre lançou seu segundo livro, Versos perversos, onde teve por intuito o fazer rir ao mesmo tempo em que relevava o que precisava ser corrigido naquela sociedade. O objetivo era alcançar um riso politicamente informado, demonstrando sua utilidade, bem como a seriedade dos literatos que o escreviam.

O sexto capítulo, Maxixe For Ever, presta continuidade ao tema da legitimação do humor como gênero literário aceito pelos pares e pelo público, a partir da ênfase concedida à relação entre literatura e jornalismo. As opiniões estavam divididas entre os que apoiavam e os que não apoiavam que a imprensa era útil e necessária ao reconhecimento da literatura e de seus autores. Marcelo Balaban faz uma análise detida da peça com a qual Bastos Tigre se lança ao teatro. Além da legitimação do calemburgo e de sua atuação para além das folhas, temas como construção de símbolos nacionais, desigualdade racial, montagem teatral e importância da propaganda na imprensa, são mote do capítulo.

O sétimo capítulo, De volta a Estaciópolis, fala de um Bastos Tigre recém-chegado de uma viagem na qual passou por Paris e pelos Estados Unidos – onde, em 1906, foi estudar para finalizar sua formação em engenharia elétrica. As experiências dele no exterior teriam influenciado sua personalidade e identidade literárias. Ao regressar ao Brasil, mui bem recepcionado por periódicos diversos, encontra um Rio de Janeiro em pleno processo de transformações e novidades: mudanças urbanas, construção do teatro nacional, reestruturações arquitetônicas, chegada dos instantâneos e cinematógrafo, entre outras. Literato e engenheiro, tendo em vista que a primeira ocupação não garantia o pão de cada dia, vivia em meio a controvérsias que ascendiam das novidades. Bastos Tigre defendia que junto às reformas urbanas, o povo deveria ser educado de acordo com os parâmetros da elegância e da modernidade. Uma das tarefas da literatura deveria ser a de guiar as pessoas em meio àquela “cidade volúvel”.

Sátira parnasiana é o oitavo capítulo. Ele nos informa sobre o lançamento, em 1913, do terceiro livro de Bastos Tigre: Moinhos de vento, que aparece poucos anos após o escritor se tornar engenheiro no funcionalismo público, marido e pai. A obra é objeto de análise particularmente interessante tendo em vista que nele nosso Don Xiquote expõe algumas de suas concepções de humor. Além disso, são perceptíveis os objetivos de agradar ao público e aos pares. O livro foi amplamente noticiado pela imprensa e alcançou uma façanha à época: rendeu lucros ao autor, ainda que não o tenha enriquecido. Diversas críticas de pares sobre Moinhos de vento evidenciam o valor partilhado de relacionar o moderno com a poesia alegre, quebrando com a tradicional literatura melancólica de choramingos. Balaban aborda, ainda, a questão da seletividade temática de Tigre, que noticiava temas diversos, dentre os quais negros e mulheres eram ridicularizados e operários não apareciam. A classe profissional defendida era a dos literatos, que deveriam ser levados a sério e serem bem remunerados.

O capítulo seguinte, O feijão e a carne fresca, aborda o tema da profissionalização do escritor como questão central da belle époque. Noticia diversas tentativas de Bastos Tigre para diversificar sua atuação, inclusive o lançamento de seu quarto livro, em 1919, intitulado Bolhas de sabão. Dois episódios preconizados na análise de Marcelo nesta parte do livro são as criações da Sociedade Brasileira dos Homens de Letras e da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. As iniciativas faziam parte das reivindicações por melhor remuneração, união de classe e luta contra ações abusivas de editoras e empresas teatrais. Tratava-se dos homens de letras agindo de forma semelhante à classe da qual buscavam distinguir-se, a dos trabalhadores. O objetivo era redefinir o ofício de literato e, assim, a própria literatura. Tigre foi tesoureiro em ambas as associações.

O décimo e derradeiro capítulo, Gritando espalharei por toda a parte, aborda a estreita relação entre a publicidade e a literatura, a partir da investigação de algumas propagandas encabeçadas por Bastos Tigre, que desde 1913 se debruçava sobre a atividade. Para o literato, que preconizava a boa relação entre conteúdo e forma, a propaganda era atividade apropriada aos homens de letras, ainda que não se equiparasse à literatura. Bayer, Brahma e outros anúncios fazem parte de seu arsenal criativo, que também compunha músicas em plena ascensão do rádio na década de 1920. A propaganda era tida como “senhora onipotente do mundo”, revelando disputas diversas em torno de suas maneiras de criação e propagação.

Por fim, um epílogo narrando a morte e algumas frustrações de Bastos Tigre, cuja luz do reconhecimento já não brilhava tanto nos tempos de sua morte.

O livro de Marcelo Balaban trata o humor para além de sua função popular de fazer rir. Este era forma de informação e posicionamento político, além de instrumento de legitimação social, revelador de relações entre grupos, noção ligada a valores de modernidade, raça, status, nacionalismo, progresso, civilização e outros das primeiras décadas do século XX. O riso, que buscava seu lugar de legitimação perante a literatura tradicional, era coisa séria, relacionada aos novos tempos, repletos de indeterminações.

A centralidade do personagem de Bastos Tigre nos permite compreender como suas escolhas e sua obra sofreram e exerceram influência na sociedade em que viveu. As indefinições dos novos tempos apareciam na atuação de Bastos Tigre, que ainda assim não abriu mão do propósito de mudar pessoas e coisas a partir de sua sátira política. Em meio a seus desejos de mudança, o literato partilhava da necessidade de reconhecimento da classe dos homens de letras, sem abandonar sua profissão de engenheiro, afinal, precisava ganhar dinheiro para sobreviver e sustentar sua família, como as demais pessoas do Rio de Janeiro no século XX.

O livro é rica ferramenta de auxílio no que concerne a debates que possibilitam alocar a literatura, bem como a imprensa, no campo da história social, principalmente quando se percebe que ambas mantêm relações diversas e são obras dos sujeitos históricos que as produzem e dependem de outros sujeitos históricos que as recepcionam. A historiografia ganha em muito quando do uso desses tipos de fontes que, além de história do jornalismo e da literatura, são história da própria História.

Longe de ser uma biografia pura, personagem e questões de seu tempo aparecem relacionados na obra de Marcelo Balaban, que não adota uma abordagem contextualista que limita as ações dos sujeitos a seu contexto, mas evidencia conflitos, percepções e, inclusive, questionamentos dos sujeitos aos valores de seu tempo.

Merece destaque o formato digital em que o livro foi publicado.2 As imagens, bem como fonogramas presentes na obra, tornam a leitura, além de mais prazerosa, vasta e fluida. Permitem ao leitor momentos mais profundos de inserção na leitura.

Notas

1 Além de: BALABAN, Marcelo. Poeta do lápis: sátira e política em Angelo Agostini no Brasil Imperial 1864-1888. Campinas: Ed. UNICAMP, 2009, o primeiro do autor, e do que figura nesta resenha (2017), Balaban é também organizador da edição crítica de: BALABAN, Marcelo (org.). Instantâneos do Rio Antigo: Bastos Tigre. Campinas: Mercado de Letras, 2003.

2 O livro faz parte da Coleção Históri@ Illustrada, da Ed. UNICAMP. Tal coleção publica livros digitais com resultados de pesquisas situadas nas áreas da História Social e da Cultura que utilizam documentos textuais, iconográficos e sonoros.


Resenhista

Vanessa de Jesus Queiroz – Mestranda em História Social pela Universidade de Brasília – UnB.


Referências desta Resenha

BALABAN, Marcelo. Estilo moderno: humor, literatura e publicidade em Bastos Tigre. Campinas: Editora UNICAMP, 2017. (Kindle Edition). Resenha de: QUEIROZ, Vanessa de Jesus. Escrita da História, v.4, n.7, p.214-219, jan./jun. 2017. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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