A pesquisa em história social do pós-abolição ampliou-se consideravelmente no país nos últimos anos. Expoente dessa historiografia são os trabalhos do autor resenhado. Petrônio Domingues aborda diversos temas ligados ao estudo do pós-abolição, como o associativismo e a imprensa negra, os projetos educacionais da Frente Negra brasileira, além de diversas biografias e trajetórias (coletivas e individuais) de sujeitos que lutaram, resistiram e escreveram a história negra desse Brasil. Apesar do país continuar racista, os sujeitos revelados pela escrita do historiador Domingues ganham vida ao saírem dos documentos investigados e trazem à tona a pluralidade de personagens históricos: homens e mulheres negros que participaram de diversos e distintos movimentos políticos na sociedade brasileira. Este é o ponto auge da obra de Petrônio Domingues em Estilo Avatar, na qual aborda de maneira relevante a trajetória do ativista afro-brasileiro Nestor Macedo, conhecido como o “Rei do Baile” e fundador da Ala Negra Progressista. Também atuante como cabo eleitoral de Adhemar de Barros, um populista da nossa República democrática nos anos 50 e 60. É crível que Domingues aborde de maneira muito competente e articulada a história dos afro-brasileiros na sociedade pós treze de maio com o tema sobre o populismo. Pode soar estranho aos leitores essa simbiose, mas não o é, pois Petrônio Domingues tem um trabalho expressivo de cruzamento de fontes, tais como: documentos policiais, jornais e atas do clube negro, evocando a participação dos negros na construção da democracia brasileira no período político marcado pela tônica populista.
A história do negro neste país emerge não só pelo biografado Nestor Macedo, mas por uma polifonia de participação de afro-brasileiros disputando pleitos políticos amalgamados pela ideologia populista. Afinal, era necessário analisar como esses sujeitos jogavam com os recursos disponíveis para sobreviverem em uma sociedade marcada pelo racismo e pela desigualdade social para além de uma massa de manobras. A obra de Petrônio evoca a singularidade de projetos de políticos negros que almejavam, com a bandeira do populismo, angariar propósitos de cidadania para si e para a comunidade negra. Se o partido populista de Adhemar de Barros oportunizava a concretude desses anseios, esse então era o caminho para participar da democracia e escrever a história com a luta do povo negro.
É por intermédio da trajetória política de Nestor Macedo e da agremiação Ala Negra Progressista que o historiador Petrônio Domingues resgata a história social do negro, a qual teria ficado inviabilizada por muito tempo. A obra do historiador coloca em voga para a História social do pós-emancipação a luta do movimento desses políticos negros em prol da discussão sobre educação, construção de uma identidade coletiva para a comunidade negra brasileira, por justiça social e cidadania para os seus, que tanto eram (e são) alijados dos direitos políticos e sociais da sociedade republicana brasileira. O autor não critica o seu biografado Nestor Macedo e a agremiação da Ala Negra Progressista ao ter se aliado ao populismo em várias campanhas eleitorais. Pelo contrário, Domingues procura investigar e apontar a versatilidade de Nestor Macedo e da própria organização no campo das possíveis negociações políticas e os vários projetos defendidos por tais sujeitos. Mas o historiador não pontua isso de uma maneira maquiavélica ou de dicotomia dos indivíduos estudados. Analisa essa aliança política para compreender as reinvindicações da comunidade negra, destacando que a mesma lutava por pautas em benefício de sua comunidade racial. A construção de coalizões e de um partido político para os afro-brasileiros se dá na linha tênue de tentar angariar maiores direitos sociais e políticos para a comunidade negra sem jamais deixar de questionar a democracia racial que os excluía da vida orgânica política do país.
Por intermédio da criação da agremiação política da Aliança Negra Progressista e da figura de Nestor Macedo, nos anos de 1940 a 1960, retrata a importância da atuação coletiva tanto do ativista ligado à figura populista de Adhemar de Barros quanto do coletivo de seus aliados (que frequentavam os aclamados bailes de Macedo na agremiação) para discutirem sobre os problemas que atingiam em cheio a comunidade negra no cenário nacional naquele passado de outrora. É notório salientar que a Aliança Negra Progressista não faz um discurso veemente sobre a questão latente do racismo brasileiro; no entanto, os bailes em comemoração alusiva à data do treze de maio, da proclamação do advento da República nacional e da própria independência do Estado brasileiro no espaço da agremiação negra dava alusão de que o coletivo tinha ideia sim do processo de exclusão da população negra dentro do cenário político da república populista. Os bailes e os festejos não eram meros divertimentos da comunidade afro-brasileira. Eram muito além disso. As festas dançantes promovidas pelo “Rei dos bailes”, Nestor Macedo, elucidavam a agenda coletiva da agremiação negra de que era necessário construir políticas sociais que melhorassem a vida de homens e mulheres negros do país. Indubitavelmente, que os festejos aliados com a participação notória de políticos populistas tinham no âmago da questão uma estratégia de mobilizar uma identidade política para os afro-brasileiros para lutarem por conquistas políticas e sociais para a comunidade negra que se via excluída de todos os seus direitos de cidadãos desde que o cativeiro acabara.
Ao menos se todas as reinvindicações da população negra não eram atendidas, algumas conquistas eram arrancadas pela luta dessa agremiação e desse personagem ambíguo que fora tão bem pesquisado pelo autor: a figura de Nestor Macedo, o qual dá nome e vida à obra resenhada. Nestor Macedo era ativista da agremiação Aliança Negra Progressista em São Paulo. A trajetória dele é marcada por muitas intrigas, conflitos e denúncias políticas. Muitos desses imbróglios eram pautados por interesses pessoais, mas esse sujeito foi um protagonista político no mundo populista e negro que agenciava com sua perspicácia projetos e coligações variadas durante a participação política que teve na experiência democrática dos anos 1940 a 1960.
O biografado Nestor Macedo também era conhecido como o “Rei dos bailes” que promovia para a Aliança Negra Progressista. Uma organização que não se resumia a festejos comemorativos; muito pelo contrário, era um espaço que tinha um recorte de luta racial com a tônica da aliança em torno do movimento populista encabeçado por Adhemar de Barros. O leitor não pense ou não se engane que a experiência democrática com lampejos de ordem populista pretendia angariar apoio da comunidade negra paulista de maneira simplista. Obviamente, o partido de Barros queria a dominação plena desse segmento populacional para ganhar os pleitos eleitorais. Mas a história desse capítulo da história social do negro na sociedade brasileira não é uma via única de possibilidade de construção. Se por ora foram vistos como massa de manobra e como sujeitos a serem dominados pela subordinação política, é indelével asseverar que os negros paulistas também tiveram suas pautas atendidas através de muita negociação. Mesmo em um campo de forças desiguais, souberam jogar com os recursos possíveis para conquistarem direitos importantes à comunidade negra. A história dessa aliança não foi apenas pela representação da dominação pura e simples, mas de resistência e conquistas para os seus irmãos de cor.
Nestor Macedo era um populista e foi fundador do Partido da Aliança Negra Progressista. Foi um político e personagem histórico negro que misturou a luta do coletivo afro-paulistano com as nuances da política populista. Uma das facetas da história social da população negra no país foi trazida à tona pela escrita de Petrônio Domingues, explorando um conjunto de fontes diferentes, dialogando com um arcabouço teórico sólido no campo do pós-emancipação e que elucida mais uma página de como a comunidade afro-brasileira explorava as possibilidades (ou se apropriava do jogo das relações) na democracia republicana e populista para alcançar melhores condições de sobrevivência e cidadania para o coletivo negro. Tudo isso feito em jogo de relações (mesmo que desiguais) para negociar por direitos concretos ou não para a luta do povo negro. O livro é ímpar em desvelar tanto Nestor Macedo e a agremiação a que estava afiliado, como o surgimento de tantos outros políticos negros que tentavam barrar a igualdade racial que atingia os seus irmãos. É a história vista de baixo para cima com seus nuances e com todas as controvérsias possíveis. É uma página da história do país sendo contada pelo lado dos vencidos e não dos vencedores, com Nestor Macedo e a agremiação da Ala Negra Progressista na política do Brasil construída pelos negros.
Resenhista
Natália Garcia Pinto – Doutora em História pela UFRGS. Docente do Curso de História em Licenciatura em EAD da UFPEL (2021).
Referências desta Resenha
DOMINGUES, Petrônio. Estilo Avatar: Nestor Macedo e o populismo no meio afro-brasileiro. São Paulo: Alameda, 2018. Resenha de: PINTO, Natália Garcia. O movimento populista e a participação dos afro-brasileiros. Crítica Histórica. Maceió, v. 12, n. 23, p. 495-498, julho, 2021.
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.