Estética e política em tempos sombrios | Revista do IHGPA | 2017
Mergulhar nos textos que compõem esta edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará é lançar-se em um rizoma de afetos, na possibilidade de transcender as zonas de discussão que os integra e banhar-se nas linhas e entrelinhas. Os autores aqui reunidos, propuseram-se a escrever sobre experiências, análises, críticas, ensaios em intersecção com a temática “ESTÉTICA E POLÍTICA EM TEMPOS SOMBRIOS”, reflexões sobre o momento atual em que vivemos de verdades ilusórias, de “Ilusões sem Ilusão” e de “Políticas apolíticas”, nesses tempos de crueldades melancólicas, em que não se desenvolvem mais projetos, vivemos em tempos de desilusões destrutivas.
Acreditar na palavra enquanto linguagem e ferramenta de resistência é o que move os escritos que aqui se desenvolvem. Um movimento de levante contra as forças silenciosas que maquinam e torturam em uma incessante ganância e opressão. Expor seus mecanismos, identificá-los e combater, aqui a palavra ganha mais que o formato das letras, elas gritam e penetram onde talvez o próprio homem atualmente não consiga adentrar. Neste ambiente, propomos discutir sobre estas armas que perpassam por uma política / estética colocando à mesa estas duas vertentes que se encontram de forma sublime nos textos aqui apresentados.
Alyne Alvarez Silva e Maria Cristina Gonçalves Vicentin para tratar destes tempos sombrios em que vivemos, adentram em um manicômio judiciário e nos apresentam uma reflexão sobre o medo como estratégia de governamentalidade do Estado. Munidas com os pensamentos de Michel Foucault sobre a criminologia crítica e no campo estético, como vetores de dessegregação e abertura à alteridade Félix Guattari e Rancière. No texto Micropolítica do medo e dispositivos estéticos: atravessamentos entre arte e política para outros efeitos de subjetivação estas duas autoras atravessam as zonas de confinamento com o objetivo de pôr em ação diferentes dispositivos de desinstitucionalização a partir de agenciamentos que perpetram nas subjetividades e sensibilidades na tentativa de reconhecimento do outro em sua singularidade como mecanismo de subversão tendo como referência a arte como experiência-limite.
O levante de resistência que há no texto de Elisandro Rodrigues e Luciano Bedin da Costa, nos conduz a uma compreensão das forças neoliberais que intervém na vida do sujeito contemporâneo, também dito como neoliberal que neste espaço de convívio com estas forças assume uma disputa subjetiva que o controla. O escrito Gestos e Resistência: imagem e montagem do pensamento, destes dois autores, embrica-se nas concepções de Didi-Huberman, em sua exposição Soulevements (Levantes) e algumas imagens da exposição e da obra “Carta ao Pai”, de Elida Tesslar, estes dois pontos de partida que alimentam o percurso discursivo de Elisandro e Luciano dialogam com a ideia de desmontagem do neossujeito anunciadas por Dardot, Laval, Negri e Hardt.
O autor Raimundo Nonato de Castro em seu texto Cenário político e caricaturas de oposição em Belém do Pará – 1920-1927, desbrava o período tenso marcado pela troca de governos, o movimento de extração da borracha que fortaleceu a economia de Belém, a fuga de migrantes que adentravam o estado do Pará e os políticos que figuravam o cenário da época. Todo este panorama é posto em evidência às margens das linhas traçadas a “lápis endiabrados” – como o próprio autor diz – dos caricaturistas. O seu texto é uma denúncia ao formato político cristalizado que reforçava a perpetuação do poder sendo revezado nas mãos de um mesmo grupo de personagens, ao mesmo tempo é um documento que discute e intensifica o papel das artes enquanto forma de resistência às estruturas opressoras, neste caso os caricaturistas que no início do século XX desempenharam um papel essencial tanto no contexto político quanto artístico. Pautado na concepção de Eagleton (2005) sobre a arte, os caricaturistas tornaram-se peça importantíssima no aspecto de trazer em suas imagens uma representatividade da opressão política que era exercida na época e de possibilitar aos belenenses uma reflexão a respeito de sua realidade.
No texto Uma Democracia em Colapso: O Esgotamento do Possível e a Experiência Ética escrito em formato de conto por Édio Raniere e Cleci Maraschin, nos apresenta de início a sua personagem principal, a qual sua trajetória será destrinchada nas páginas que o compõem Demokratia.br da Silva, nascida no Brasil em 05 de outubro de 1988, alusão representativa à democracia brasileira, atualmente com 28 anos, o que localiza o leitor exatamente no ano de 2016, ano do mais recente golpe político no Brasil, ano em que a democracia começa por entrar em colapso e desfazer-se nas mãos de políticos que tentam controlar e oprimira população brasileira, assim como também iniciar um movimento de retrocesso de todos os direitos que foram alcançados até então. Em meio a protestos fervorosos, ocupações generalizadas e pedidos na busca de resistência da democracia, Demokratia.br assiste a tudo pelas redes sociais, pela TV que não desliga e não para de despejar o pensamento castrador e sujo da organização política que se instaurou, mesmo quando a tomada é retirada da rede elétrica, assiste a tentativa de seu homicídio e sente-se esgotada. Após este percurso de início do colapso, Édio Raniere e Cleci Maraschin traçam um diálogo entre a experiência do esgotamento da democracia e as concepções de Gilles Deleuze e Francisco Varela, o que posteriormente segue-se é a sobrevivência de Demokratia.br em meio às lembranças de outros levantes, de alento no largo de sua história junto a humanidade,onde ela resistiu. Esta percepção nos leva a compreensão de queo momento em que a democracia vive um colapso, possa ser mais um momento em que ao mesmo tempo a própria democracia, em um devir democracia, encontra suas forças e suas potências traduzidas através de manifestações que se posicionam a favor de sua re-existência.
Com base na filosofia foucaultiana, Robson Wander C. Lopes, em seu texto O sujeito ético: que se cuida e se sabe, aborda sobre a concepção ontológica do sujeito ético enquanto subjetivação e trata do próprio sujeito no momento em que este está presente em “tempos sombrios”. A sua análise discorre a partir de uma percepção sobre os elementos constitutivos do sujeito e as práticas de si. Neste ponto de observação, o autor analisa a ideia relacionada ao “cuidado de si” com o intuito de perceber a passagem que se dá para o “conhecimento de si” do sujeito. Nos tempos atuais a moral está posta de lado e é rejeitada perante uma relação dialética, ético-política, na qual o Estado contraria as menções morais perante a sociedade. É nesta profusão que Robson Lopes desenvolve sua escrita na busca de discutir a respeito da noção de sujeito ético.
A tradição dos não-herdeiros. Considerações sobre literatura e engajamento a partir de Bertolt Brecht e Virginia Woolf, Jordi Carmona Hurtadoexamina a expressão dos “tempos sombrios” na obra de Brecht, traçando um diálogo com o nosso presente e traz a autora Virginia Woolf que analisa a postura de Brecht como poeta engajado. Hurtado tece uma análise sobre a figura do poeta que atravessa, perambula por “tempos sombrios” estando também inserido no contexto histórico-social de sua época.
Em Um encontro possível – Jean Luc Nancy e Maurice Blanchot em torno da comunidade sem comunidade. O autor nos apresenta um diálogo em torno de duas grandes obras do referidos pensadores franceses La communauté inavouable, Blanchot e La commuanuté desoeuvréede Nancyapresenta de que maneira o conceito de comunidade é desconstruída e irão se ancorar no conceito de comunidade sem comunidade cunhado por Georges Baittaile para nos explicar que uma comunidade literária torna- se um gesto político. Objetivo este que Alberto nos apresenta como ato de resistência para os dias atuais, evocando vozes de resistência para se pensar os Tempos Sombrios.
O corpo enquanto instância de produção epistêmica, que se realiza de forma pedagógica e de comunhão de experiências. É nesta linha de pensamento que a autora Denise Espírito Santo apresenta o seu texto CorposMídia: juventude, arte e política, que aborda sobre o movimento Ocupa São Paulo de 2015 e os demais levantes que surgem em outros estados nos meses e anos subsequentes. A autora aborda os diversos aspectos existentes dentro destes movimentos que tem o corpo como ferramenta principal neste panorama. Aqui o “tempo sombrio” caracteriza-se pela crise instaurada no sistema educacional e nas propostas degeneradoras do currículo escolar disfarçadas de reforma. Vistos de perto, os atos performáticos que perfazem todos os manifestos são analisados pela autora e prefiguram a discussão de corpo & imagem como uma chama inaugural dentro do cotidiano da cidade, e no centro desta discussão sobre os caminhos da educação a concepção de Mestre Ignorante de Jacques Rancière lhe dá força para discutir sobre o entendimento da lógica embrutecedora e a lógica emancipatória.
Os autores Pedro Felipe Moura de Araújo e Marcelo Santana Ferreira em seu texto intitulado Subjetividade, montagem e ética no cinema documentário: pistas metodológicas entre Eduardo Coutinho e Walter Benjamin propõe uma construção do pensamento ético, estético e político a partir da análise sobre o filme documentário de Eduardo Coutinho “Boca de Lixo”, em um constante diálogo com o pensamento de Walter Benjamin e Gilles Deleuze que contribuem para direcionar o leitor às instâncias de zonas filosóficas no âmbito estético e político da corrente cinematográfica que apresenta um discurso tão atual mesmo tendo o filme sido gravado em 1992.
No texto Museologia e acervos particulares: o caso das famílias da chacina de Belém, de Andrey Leão e Hugo Menezes Neto encontramos uma discussão pertinente sobre a função do museu enquanto ferramenta substancial de preservação e registro não apenas de objetos “inofensivos”, mas com objetos que contenham o registro de acontecimentos caracterizados por revoltas, movimentos sociais e manifestações populares a fim de discutir os problemas que afetam a sociedade, porém quando isso não ocorre é identificado que o museu passa a servir de silenciador das mazelas sociais. Esta mudança de paradigma funcional do museu é proposta pelos autores através de outros tipos de acervo, o doméstico, por exemplo, que se aproxima de uma realidade que pode levar à reflexão da vida real.
Eduardo Pellejero, em seu texto A humanidade incômoda: Arte e resistência em tempos infernais, em um primeiro momento apresenta três autores que abordam sobre o caminho percorrido pela arte, passando por Hugo Ball, Sartre e Adorno. Nestes três vê-se o confronto entre a obra de arte e a sociedade, este ímpeto segue em uma discussão crítica às obras de arte postas em museus, que deixaram de erguer problemas vivenciados na sociedade e que de alguma forma sirva para tratar de acontecimentos e inquietações importantes como disputa política etc. Pellejero nos convida a refletir sobre a própria potência do ato reflexivo que a arte libera, seja ela amalgamada nas mãos, no olhar, ou na experiência de vida do artista, ou ressignificadas pelos olhos que às fitam. Aqui mostra-se a arte enquanto poder estético-político-filosófico, debruçada em sua trajetória de vida, se reconhece nela a resistência do homem, muitas vezes contra ele mesmo.
Nos textos que aqui apresentamos e que estão dispostos nas páginas seguintes percebemos que a prática da resistência não está e talvez nunca esteja sós, assim como também não é de hoje que a Arte resiste e re-existe, assim como também não é de hoje que a humanidade se depara com “tempos sombrios”.
Caro leitor, folhear estas páginas é lançar-se em uma imensidão de experiências de encontros e reencontros. Assim concluímos apresentando um convite para que você possa estabelecer trocas e nelas, quiçá, reencontrar-se e ressignificar- se nos textos, lançando sobre eles o seu próprio olhar. Se o que vemos também nos olha (DidiHuberman, 2010), então que esta dialética seja prenhe de confrontos e questionamentos e que estes lhe conduzam em sua jornada.
Alberto Amaral (Centro Universitário do Pará)
Francisco Cavalcanti (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará)
Diego Rocha (Universidade Federal do Pará)
AMARAL, Alberto; CAVALCANTI, Francisco; ROCHA, Diego. Apresentação. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Belém, v. 04, n. 02, jul. / dez., 2017. Acessar publicação original [DR]