Estágio em História na Quarentena | João L. S. Souza, Juliana A. Andrade, Mário E. O. Ramos e Sofia R. C. Vilela.

Estagio em Quarentena detalhe de capa Estágio em História
Estágio em História na Quarentena – Detalhe de Capa

O livro eletrônico intitulado Estágio em História na quarentena foi organizado por João Lucas dos Santos Souza, Juliana Alves de Andrade, Mário Emmanuel de Oliveira Ramos e Sofia Roberta da Costa Vilela, publicado pela Editora Universitária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, neste ano de 2021. O texto é fruto das atividades e reflexões da disciplina Estágio Supervisionado para formação de licenciandos na mesma instituição. Conta ainda com a participação de [45] autores, entre professores, formandos em História e cursistas da disciplina de Estágio Supervisionado. Esse grupo viveu, refletiu e escreveu sobre a experiência de atuar em uma das disciplinas dedicadas ao contato com as escolas da Educação Básica e em momento tão especial e específico como o da pandemia da COVID-19.

1 Estagio em Historia Estágio em HistóriaA publicação está dividida em três partes. A primeira agrega textos que condensam entrevistas realizadas com os professores da Educação Básica, atuantes como supervisores dos Estágios. Na segunda parte, são apresentados roteiros para construção de aulas, utilizando tecnologias diversas. Na última parte, os autores discutem temas focados no fenômeno das fake news.

São 71 páginas que valem pelo registro de impasses antigos da formação de professores de História. Valem também como testemunho dos desafios trazidos ou potencializados pelo período pandêmico e que expõem as dificuldades, necessidades e problemas ainda não enfrentados totalmente pela produção do conhecimento histórico acadêmico em relação à cultura escolar.

Como documento do momento vivido por professores e estudantes, tanto do ensino universitário quando dos ensinos fundamental e médio, o livro é um assentamento importante e assim deve ser elogiado pelo esforço. O empenho se demonstra na escrita – tarefa pouco enfrentada pelas disciplinas nos cursos de formação de professores –, na dedicação para elaboração de atividades que atendessem aos interesses dos alunos das escolas e os motivassem para aderir às aulas remotas síncronas e as atividades assíncronas. Toda essa diligência faz o leitor ser indulgente quanto aos erros de grafia, digitação e um ou outro equívoco de informação.

Para o domínio do ensino de História é necessário categorizar alguns problemas elencados pela publicação. São problemas que, talvez, possam se transformar em novas reflexões pelos autores e organizadores desta, mas também pelos mais de 40.000 professores de História que atuam no imenso, diverso e contraditório país chamado Brasil.

Em outra ocasião (Oliveira, 2020), apontei o quanto a necessidade das aulas remotas fez os professores universitários se incomodarem com as condições dos seus alunos. Aquilo que defendia como elemento obrigatório no planejamento de ensino – assim ensinamos aos futuros professores – é raramente apropriado pelos professores universitários. Apesar da abundância de dados expostos pelo ENEM e pelas Pró-Reitorias de Graduação das instituições de ensino superior, os professores formadores não empregam esses dados para elaborar seus planejamentos e pensar coletivamente sobre o significado da ascensão à um curso superior ou  a escolha por uma licenciatura.

Considerando as várias oportunidades de adentrar com nossas câmeras pelas casas dos nossos alunos ou ao percebermos a recusa sistemática de alguns desses alunos ao modelo imposto pelas necessidades sanitárias é, ao mesmo tempo, estranho que tantos docentes desconheçam as fragilidades econômicas e dificuldades sociais dos discentes. O livro renova a esperança de que esse tema seja incluído de forma sistemática, séria e que possa causar modificações significativas na forma de organização dos cursos de formação de professores.

Nesse sentido, é urgente que enfrentemos esses problemas, como afirmei, categorizando-os, pois, alguns são estruturais da sociedade e outros dizem respeito diretamente aos cursos universitários. Não que os dois tipos não devam ser enfrentados, mas requerem atuações diferenciadas.

Na Parte I do livro, onde se processam as entrevistas dos professores-supervisores, aparecem afirmativas que dizem respeito às exigências dos pais para cumprimento de um currículo específico e a BNCC. A imposição da centralidade do professor em sala, devido ao modelo de aula remota, as relações conflituosas das gestões escolares com as novas tecnologias e as dificuldades de adequação de conteúdos ao ensino fundamental são algumas dessas declarações. Sobre cada uma delas, há um mundo de possibilidades de discussões, mas os docentes da Educação Básica mostram-se desprovidos do apoio intelectual e logístico dos colegas formadores de professores no enfrentamento dessas dificuldades no cotidiano escolar.

Para muito além da frase: “na academia a teoria é uma, na  escola a prática é diferente”, o que publicações desse tipo apontam com veemência é a necessidade de refletirmos nas universidades como problemas que perduram nas escolas podem ser enfrentados na formação de professores. Sem dizer que está tudo errado na escola e dialogando efetivamente com docentes e discentes presentes nas escolas, com todas as suas potencialidades e limites, que problemas poderíamos enfrentar a partir do que foi exposto nesta publicação?

Além do já referenciado, persiste a ideia de que as metodologias de ensino têm a função de facilitar o aprendizado. Em nenhum momento da publicação se referenciam aprendizados de História como o objetivo das atividades (formulação de perguntas, localização espaço-temporal, coleta de informações por meio de vestígios, aprendizados de conceitos, construção de narrativas). Embora estejam presentes – e supomos que também fizessem parte dos objetivos – suas aparições são no sentido de facilitar a aprendizagem, interessar os alunos, transmitir informações.

Apresento tais observações não para dizer que o os autores estão equivocados, mas para pensarmos juntos – em novas experiências e pesquisas – sobre os modos de organização da cultura escolar frente a uma miríade de referências e necessidades. Por essa razão, não nos cabe aproximar dessas realidades para julgá-las, mas compreendê-las e enfrentá-las por meio de novas pesquisas e da proposição de formações alternativas.

No livro, também é notória a excessiva valorização das atividades de ensino-aprendizagem no sentido de contextualizar os fatos estudados e de esses trabalhos e a sua respectiva concentração na exposição dos professores-supervisores ou dos estagiários. Chama bastante a atenção que algo que, em tese, poderia ser desenvolvido por atividades de pesquisa dos alunos e a construção de informações que estão acessíveis nos livros didáticos e na rede mundial de computadores ainda seja majoritariamente apresentado, como um saber do professor. Fica, então, os necessários questionamentos: trata-se da persistência de uma tradição do ensino de História, da formação de professores, das dificuldades de tempo para planejamento de outras atividades, das dificuldades de leitura e/ou acesso à informação dos educandos ou de todas essas causas juntas? Para enfrentar cada uma dessas questões, como podemos atuar na formação de professores?

Ainda há mais três questões expostas por esta publicação que gostaria de elencar. Uma diz respeito às dificuldades de participação das famílias na integração com as atividades escolares. Um docente constata que os grupos de whats app proporcionaram, minimamente, esta integração. Concordamos com a necessidade de envidar esforços para falar a língua da comunidade e acolhê-los. Não é possível nem desejável que não consigamos nos comunicar com as famílias e, com elas, construir ambientes educativos. Imputar todo o problema dessa falta de diálogo ao desinteresse das famílias é replicar um modelo de buscar culpados em vez de compreender o que causa o afastamento e tentar sua diminuição.

A segunda questão diz respeito ao fato de uma das atividades referenciar “ciclos econômicos” no Brasil. Não discutirei as críticas à ideia de ciclos ou a persistência dessa categoria em alguns autores acadêmicos, mas o fato de a cultura escolar necessitar combinar anacronismos, análises já criticadas pela academia, senso-comuns e tantos outros elementos para atingir os seus objetivos. Quando a pesquisa acadêmica enfrentará essa realidade e em vez de tratá-la exclusivamente como erro? Quando procuraremos entender os seus meandros?

Por fim, mas de total importância, o tema a que se dedica toda a terceira parte do livro: o fenômeno das fake news e o desafio da sua presença por meio do questionamento dos alunos. O Mestrado Profissional em Ensino de História – PROFHISTÓRIA – produziu muitos trabalhos nesse sentido e a alternativa para combater as notícias falsas, invariavelmente, caminha na direção de uma adequada leitura e interpretação de textos, na aplicação de princípios e procedimentos do método científico e histórico educando para a criticidade. O desafio, contudo, é refletir sobre complicadores dessas soluções, pois, convencionalmente, tratamos desse problema como se fosse uma questão somente de desinformação ou característica das classes subalternas. Penso que essa atitude é uma nova forma de culpabilizar os populares, como infelizmente tem sido o tom dominante das análises sobre a sociedade brasileira.

Os senões apresentados sobre a obra nada mais são que um indício da permanência de problemas formativos, apesar de toda a pesquisa acumulada nos últimos 30 anos, no Brasil. A publicação de uma obra com o sugestivo título de Estágio em História na quarentena ressalta a importância de registros dessa natureza. Por isso deve ser lido, principalmente, pelos professores universitários, já que alerta para o quanto a academia ainda está a dever no atendimento às demandas sociais.

Referências

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Formação dos professores de história os desafios de uma profissão em processo de reinvenção. In: Franck Ribard. (Org.). Os usos políticos do passado: debates contemporâneos. Cidade: Sobral, 2020. p. 213-222.


Resenhista

Margarida Maria Dias de Oliveira – Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRN. Publicou, entre outros trabalhos, Dicionário do Ensino de História (2020), em coautoria com Marieta e Morais Ferreira, e Formação dos professores de História: os desafios de uma profissão em processo de reinvenção. E-mail: margaridahistoria@yahoo.com.br


Para citar esta resenha

SOUZA, João Lucas dos Santos; ANDRADE, Juliana Alves de Andrade; RAMOS, Mário Emmanuel de Oliveira; VILELA, Sofia Roberta da Costa (Org.). Estágio de História na Quarentena. Recife: Editora da Universidade Federal Rural, 2021. Resenha de: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Crítica Historiográfica, Natal, v.1, n.1, nov. 2021. Acessar publicação original [IF].

 


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