Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no campo intelectual, 2018 | Alexandra Lima da Silva
A obra Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no Campo intelectual é escrita por Alexandra Lima da Silva. Nela, a autora problematiza as estratégias de legitimação a partir da viagem realizada pelo educador Rocha Pombo ao norte do Brasil, em 1917. Vislumbra, dentre as diversas facetas de Rocha Pombo – intelectual, historiador, professor de história, escritor de livros de história –, interpretar sua face de viajante. Na introdução do livro, narra seu encontro com este sujeito ainda enquanto estudante de graduação. Destaca sua busca por pistas, seguindo as pegadas desse homem, realizando uma vasta pesquisa em arquivos e instituições de guarda da cidade do Rio de Janeiro e em outras cidades.
José Francisco da Rocha Pombo nasceu em Morretes, cidade localizada no Paraná, em 4 de dezembro de 1857. Na pequena cidade onde nasceu, teve acesso apenas à educação primária, por não haver na região escolas secundárias. Em 1897, viaja para o Rio de Janeiro onde se estabelece como um prestigiado professor de história. Na cidade, tece suas redes de sociabilidades junto a Silvio Romero, Manoel Bomfim e José Veríssimo. Mesmo com o tempo ocupado nas tarefas do ensino, o intelectual dedica-se à escrita de poesias, à política e à produção de compêndios de história. Sua obra mais conhecida, alvo de críticas pelos literatos da época é o livro de história, de título: História do Brasil.
As múltiplas intervenções realizadas por Rocha Pombo através de suas práticas, já foram objeto de alguns estudos para os campos da história política e para campo das letras. Existia, até então, uma ausência de produções sobre sua prática de viagem, realizada aos seus 60 anos, quando o mesmo aventurou-se pelo norte do Brasil. Ao lançar o olhar para este sujeito enquanto viajante Alexandra lima da Silva focaliza uma face de sua trajetória que seguia (in) visibilizada. Para compor seu olhar, debruça-se nas Notas de viagens deixadas por este sujeito, além das notas, busca outros documentos como: recortes de jornais, fotos e cartas que intercruzados tornaram-se parte do corpus documental deste estudo.
A autora faz um trabalho comparativo entre as escritas de viagem e suas obras. Biografias tecidas nos necrológios e cartas são usadas para mapear as redes de sociabilidade deste sujeito, considerando às relações estabelecidas entre seus pares intelectuais, relações estas, de reciprocidade e conflitos. Esta abordagem também contribuiu para compreender as estratégias de consagração relacionadas com a viagem de Rocha Pombo. O conceito de intelectual e de redes de sociabilidade é tecido a partir do diálogo com Bourdieu (1996), que compreende os intelectuais enquanto um grupo social detentor do domínio sobre o capital social, produzido na sociedade. Assim como, Sirinelli (1996) que compreende os intelectuais enquanto atores sociais, atuantes no campo da política, letras, artes, educação e no jornalismo, por exemplo.
No primeiro capítulo, a escrita de viagem deste sujeito é focalizada. Os objetivos que levaram Rocha Pombo a registrar a viagem são questionados: “O que levou Rocha Pombo a tornar pública a experiência da viagem?” O fascínio a partir dos tempos vividos ao longo dos quase cinco meses de jornada teria levado à publicação das anotações de viagem?” Ou ainda, pergunta: “Não seria uma tentativa de por em foco os seus feitos realizados através da travessia?” Ou sua busca por legitimação no campo intelectual? A partir destes questionamentos, os próprios relatos de Rocha Pombo escritos em Notas de Viagem vão aparecendo, mostram o cuidado com que este sujeito tece as experiências vividas durante a travessia. O olhar de biógrafos e recortes de jornais sobre o feito, assim como o livro, posteriormente, lançado pelo intelectual somam evidências sobre a busca deste sujeito por notoriedade entre seus pares. Deixa claro seu entusiasmo pelo ideal republicano de unir o Brasil, de desbravar e conhecer seu próprio território, comum aos literários, entre o final do século XIX e início do século XX.
Um homem do Sul, intelectual, que buscava conhecer os lugares considerados “inóspitos” do norte do Brasil, aos seus 60 anos. O estranhamento deste sujeito em sua própria terra é percebido, os medos, as angustias e perigos são compartilhados ao leitor em sua escrita. A solidão, também, o motivava a escrever. Essas características revelam mais sobre as viagens, os motivos de viajar, assim como, os sujeitos que nela estiveram presentes como o pintor Galdino Guttmann Bicho, conhecido entre seus pares como: Guttmann Bicho.
Nascido em Petrópolis, ano de 1888, o pintor era filho de pai português e mãe descendente de alemães. Ao contrário de Rocha Pombo, já idoso, tinha 29 anos, e quando criança residiu no estado de Sergipe com sua família. O propósito do pintor na viagem era de registrar, através de pinturas e fotografias, as cenas geográficas, a cultura e o povo pelos lugares em que transitaram ao longo do percurso. A trajetória do pintor foi mapeada pela autora em diversos espaços de guarda: Museu Nacional de Belas artes, no Rio de Janeiro, o Museu Antonio Parreiras, em Niterói/ RJ, o Museu de Arte de Santa Catarina/ PR, e o Museu Guttmann Bicho, no Instituto Histórico Geográfico de Sergipe. Foram mapeadas também as memórias de seus contemporâneos e os dicionários biográficos de pintores.
O itinerário de Rocha Pombo é interpretado. Os fragmentos das notas de viagem explorados pela autora permitem que o próprio intelectual apareça para contar o que viu e viveu ao longo da travessia. As concepções de norte/ nordeste e a de sertão/ litoral são problematizadas do ponto de vista da história cultural e da literatura. Rocha Pombo, enquanto intelectual republicano tinha como objetivo unir a nação ou o Norte e Sul do Brasil, rompendo com a ideia de que o litoral era mais “civilizado” ou desenvolvido que o sertão.
Salienta, que não se tratava de uma ausência de “povo” ou civilidade, no conceito como era empregado à época onde se valorizava os traços da cultura europeia, senão uma ausência de políticas para o povo, seguida de uma má distribuição de renda. (SILVA, 2018: 100) destaca uma fala do viajante a respeito desta questão: “Esses problemas que o norte anda sentindo, bem si vê que por si mesmos já dizem que há por ali alma de povo. E é nisto que convém insistir, porque é isto que o Brasil do sul precisa saber”. (POMBO, 1918: 15)
O Plano de viagem tinha o objetivo contemplar os seguintes estados: Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Amazonas e Pará. É interessante aqui ressaltar, que na época, a concepção geográfica do que seriam os estados do Norte, difere do que compreendemos hoje. O sentido era mais amplo, abarcando também os estados fora do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, como Espírito Santo, além dos estados do nordeste do Brasil. Na maior parte do tempo o trajeto foi realizado de vapor, porém no caso de Maceió a Pernambuco e do trajeto da Paraíba ao Rio Grande do Norte utilizaram o trem, carro e bonde.
Durante a travessia, Rocha Bombo toma notas das cidades, dos hotéis em que se hospedou e da vida cotidiana dos moradores. Sobre Vitória, no estado do Espírito Santo, pondera: “aqui se acha em situação mais aprazível, porém, é aquela onde se encontram menos alterados os vestígios do regime Colonial”. Sendo assim, considerava Vitória uma cidade ainda com aparência das cidades do período colonial, em ruínas e com poucas edificações novas. No trajeto para Bahia, encanta-se com a beleza do litoral e impressiona-se com a cidade baiana, escrevendo a respeito no jornal A Tarde, onde, elogia as construções, o movimento das ruas, a gente, considerando a cidade um grande “centro de vida”. Já Sergipe, seria a seu ver: “muito pequeno em território, e modesto em fortuna, e que, portanto, só pode ser grande pela alma de gente”. O que lhe chamou a atenção em Maceió foram às dificuldades encontradas no trajeto, os riscos enfrentados pelo caminho, contudo, a surpresa ao adentrar no centro e deparar-se com iluminação elétrica e bondes.
Uma das grandes expectativas do historiador durante o caminho entre Maceió e Recife, era de passar pela Serra da Barriga, lugar célebre, onde existiu o quilombo dos Palmares. Chegando ao Recife surpreende-se pela bela cidade, com tom elogioso relata as belezas naturais e a pedraria que compunha as ruas, além da limpeza. Em Cabedelo, Estado da Paraíba, ressalta as humildes casas de palha, descreve-a como uma paragem pitoresca, mesmo contando com alguma estrutura, serviço de bondes e pontos de iluminação elétrica.
As alianças e parcerias entre Rocha Pombo também foram estudadas. Em cada cidade que passou nota-se que este sujeito e os demais viajantes, também, eram recebidos com pompas nas cidades por onde passavam. O intelectual era recebido pelos representantes do governo, além de ter a chegada noticiada por jornais. Os Institutos históricos geográficos tornaram-se lugares de sociabilidade e consagração entre Rocha Pombo e seus pares, a respeito desses lugares de sociabilidade (SILVA, 2018: 137) diálogo junto à definição do conceito estabelecida por (GOMES, 2009: 11) “eram espaços para além do geográfico, mas também afetivos, onde vínculos de amizade ou hostilidade eram demarcados, configurando “redes de relações entendidas como microclimas”
A viagem também foi utilizada por Rocha Pombo para realizar pesquisa nos arquivos, como historiador e escritor de livros didáticos, a sua busca por documentos é posta em foco. O fazer historiográfico deste sujeito é tido pela autora como um dos diversos motivos para a realização da viagem aos estados do norte. Para tanto, contou com a ajuda de seus pares, comunicou-se por cartas antes mesmo de realizar a travessia, assegurando o sucesso de suas pesquisas de cunho histórico e antropológico.
Um dos assuntos que mais lhe interessava e, que com frequência era tratado nos lugares em que chegava era a instrução, no caso a instrução pública. Além do cunho pedagógico inerente à própria viagem, buscava conhecer como funcionava a educação por esses lugares. Esta faceta é problematizada no capítulo três Sujeitos em trânsito: A Educação como Horizonte [1], nele, a autora busca compreender a dimensão da aprendizagem na prática de viajar, comparando a viagem de Rocha Pombo com a de outros sujeitos.
Rocha Pombo estreita laços com educadores, sendo alguns desses sujeitos: Helvécio de Andrade, na época diretor da Instrução Pública no estado de Sergipe; o professor Jeronymo Gueiros, lente da Escola Nornal em Natal; Isabel Gondim professora, historiadora e poetisa, conhecida na historiografia pela defesa do ensino público às mulheres. No Estado do Maranhão conhece o professor Ribeiro Amaral, a quem tece elogiosas lembranças. Em visita ao Ginásio Amazonense destaca a presença de Alfredo da Matta, Faria e Souza, do professor Mariano de Lima e do diretor da Instrução Pública Dr. Araujo Lima.
Uma das suas maiores preocupações, compartilhada também pelos intelectuais republicanos do período, era a educação para as crianças. Com isso, buscou conhecer as escolas normais de alguns estados em que transitou, preocupava-se com o ensino, as questões metodológicas e com a estrutura dos espaços educacionais. Salienta a autora, que ao contrário de alguns de seus pares que buscavam nos métodos de ensino estrangeiros, os modelos ou respostas, Rocha Pombo tinha como objetivo compreender as práticas, identificar as mazelas do ensino e buscar as melhorias em seu próprio território.
No último capítulo, a travessia de volta ao Rio de Janeiro é interpretada, considerando a dimensão da viagem e seu impacto na vida e obra de Rocha Pombo. Por luz a “bagagem de volta”, problematizar os desdobramentos do que foi vivido, das relações estabelecidas, as mudanças no olhar e nas práticas desse sujeito enquanto intelectual. Na volta para casa, nota-se como é recebido e como sua experiência difere do modo em que a maioria pensava o Norte do Brasil. A produtividade após a viagem, também foi estuda: Nossa Pátria (1917), História do Brasil para o ensino secundário (1918), História de São Paulo (1918), História do Brasil, curso superior (1925) foram alguns dos livros didáticos produzidos por este sujeito. Por fim, um dos grandes frutos da viagem História do Estado do Rio Grande do Norte é lançado no ano de 1922, em comemoração ao centenário da Independência, contando com 29 capítulos e 20 gravuras ilustrativas.
Ao mapear e problematizar as escritas de viagens, sujeitos e práticas a autora, em sua operação historiográfica, possibilita a compreensão das ideias e da educação no início da república. Na busca por legitimar-se, Rocha Pombo rompe barreiras geográficas com o intuito de conhecer seu próprio povo, sua nação. Através de seu fazer historiográfico e de suas redes de sociabilidade empreende uma luta diária em unir o povo, por meio da educação pública e do conhecimento das suas múltiplas culturas. No estudo sobre a trajetória de viajantes, observa-se uma vasta possibilidade de compreender a história por meio desses homens e mulheres que, por motivos variados e em temporalidades distintas, se propuseram a realizar viagens.
Referências
BOURDIEU, Pierre (1996). As regras da arte: gênese e estrutura no campo literário. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
CHAMON, Carla Simone (2008). Escolas em reforma, saberes em trânsito: a trajetória de Maria Guilhermina Loureiro de Andrade (1869-1913). Belo Horizonte: Autêntica.
ESCOLANO, Agostín (1997). La visita de Luis Bello a las escuelas de Madrid (1925 – 1930). In: BELLO, Luis. Viaje por las escuelas de Madrid. Edición y estudio introductório de Agostín Escolano. Comunidad de Madrid.
GONDRA, José Gonçalves (2010). Apresentação. Dossiê: Viagens de educadores, circulação e produção de modelos pedagógicos. Revista Brasileira de Educação, n. 22, pp. 13-16, 2010
MIGNOT, Ana; GONDRA, José. (Orgs.) (2007). Viagens pedagógicas. São Paulo: Cortez.
SIRINELLI, Jean-François (1996). Os Intelectuais, In: REMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV.
Nota
1. O capítulo é problematizado a partir do diálogo com autores que focalizam as viagens pedagógicas: Escolano (1997), Gondra (2010), Chamon (2008) e Mignot & Gondra (2007).
Resenhista
Jacqueline de Albuquerque Varella – Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: jacquevarella@gmail.com
Referências desta Resenha
SILVA, Alexandra Lima da. Escritas de viagem, escritas da história: estratégias de legitimação de Rocha Pombo no campo intelectual, 2018. Resenha de: VARELLA, Jacqueline de Albuquerque. Intellèctus. Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 186-191, 2018. Acessar publicação original [DR]