Poucos anos atrás, invariavelmente começávamos uma palestra ou aula sobre os temas deste dossiê, (re)afirmando os poucos trabalhos existentes, principalmente baseados em pesquisas empíricas sólidas. A palavra invisibilidade era reiteradamente usada para mostrar o descompasso existente entre a histórica presença da população afro-descendente e a pouca relevância da análise deste segmento populacional nos ambientes acadêmicos, principalmente regionais.
Hoje em dia a situação já é bem outra, principalmente quando ao primeiro tema elencado. Graças à emergência dos programas de pós-graduação em história nos últimos anos, temos uma razoável produção sobre o nosso passado escravista, apesar das inúmeras lacunas ainda existentes.
Quando ao pós-emancipação, convenhamos que as dificuldades que temos encontrado na organização de Simpósios Temáticos específicos sobre este tema se refletem nos poucos artigos que recebemos para este dossiê. Dos 11 artigos que compõem este dossiê sobre Escravidão e Pós-emancipação, apenas três investigam o pós-emancipação.
Cristiane da Silveira, em seu artigo “A Partir do Olhar Interpretativo de Manoel Bomfim”, analisa os discursos sobre o negro construídos no Brasil nas primeiras décadas republicanas, elegendo como sujeito discursivo Manoel Bomfim, que rompia com uma certa homogeneidade negativa que pairava sobre os indivíduos recém egressos do cativeiro. Já Fabio Dantas Rochas, numa profícua proposta historiográfica (“Entre embates e contendas: um balanço historiográfico sobre a cidadania no pós-Abolição”), selecionou sete trabalhos defendidos nas pós-graduações da UNICAMP, entre 2000 e 2007, percebendo as influências teóricas que os nortearam. A professora doutora Magna Lima Magalhães, no artigo “Mulheres e o associativismo negro em Novo Hamburgo (RS)”, relaciona gênero e etnicidade, procurando compreender a criação de clubes negros nos pós-1888, tomando como foco uma região de histórica colonização européia.
Cinco artigos deste dossiê tratam das últimas décadas do período escravista, evidenciando um marco cronológico que tem chamado muito a atenção dos pesquisadores nos últimos anos, quiçá procurando estabelecer uma base investigativa sólida que permita vôos posteriores em direção ao pós-1888!
O professor da UFSM Júlio Quevedo e a mestre em história Renata Oliveira, manejando documentos judiciários, escreveram “O Tiro que saiu pela culatra: Comportamentos e expectativas de escravos, libertos e imigrantes europeus nas proximidades da abolição (Charqueada do Paredão – Cachoeira / RS)”. Trata-se de um exercício micro-analítico que mostra a complexa interação de projetos naquele momento carregado de expectativas sobre a sociedade que se estruturaria no pós-abolição.
Na cartografia que ainda precisamos construir sobre as experiências escravas nas várias regiões do Brasil, contamos com a contribuição de Ygor Olinto Rocha Cavalcante, com o artigo “Solicito meios para obter a liberdade: histórias e lutas no ocaso da escravidão (Brasil, Amazonas, séc. XIX)”. Tentando entender a sociedade escravista amazonense, principalmente em seu momento de desintegração, o autor recorre ao entendimento dos nexos existentes entre resistência cativa e a conquista/concessão de alforrias, percebendo a composição de redes sócio-familiares, visando proteção e abrigo. O autor salienta o papel das estratégias femininas e dos batismos dos ingênuos, categoria criada pela Lei de 28.09.1871.
Também considerando as últimas décadas da sociedade escravista, Marileide Lázara Cassoli redigiu o artigo “As leis e a liberdade: senhores, escravos e práticas jurídicas. Mariana, 1850-1888”. Solidamente ancorada nas contribuições historiográficas dos últimos anos, a autora também manuseia fontes judiciárias, captando percepções díspares sobre “noções de direito e de justiça que foram construídas por senhores, por escravos e por libertos acerca do domínio senhorial nos séculos XVIII e XIX”.
Focando o período entre a lei do Ventre Livre e a abolição, Luiz Carlos Laurindo Júnior é autor do artigo “Maré de mudanças, continuidades latentes: a comercialização de escravos através da imprensa periódica na Belém de fins do XIX (1871-1888)”. Pensando nas rupturas, mas também nas continuidades, encontradas neste período de profundas transformações, o autor recorre aos anúncios de fuga, aluguel e venda de escravos, publicados nos jornais de Belém, mesclando análise quantitativa e qualitativa.
Também interessado nas vésperas da abolição, Juliano Custódio Sobrinho acessou fontes policiais em sua investigação sobre os “Caminhos da liberdade: rastros da abolição em Minas Gerais (1880-1888)”. A ideia é entender os movimentos de resistência escrava e abolicionistas, numa produção calcada na produção agropecuária, com considerável população escrava e com uma economia voltada para o abastecimento interno.
Já a contribuição de Fernanda Mara Borba (“Escravos na Vila de São Francisco do Sul no oitocentos: funções, famílias e habitações”) baseia-se em uma mescla de fontes históricas, incluindo arqueológicas, enquadrando a presença escrava naquela região e estabelecendo traços da cultura material vigente.
Os doutorandos Leandro Goya Fontella e Marcelo Santos Matheus, em seu artigo “Estrutura de posse escrava na província do Rio Grande de São Pedro: um apanhado historiográfico (c. 1820 – c. 1870)”, desenvolvem um esforço de síntese historiográfica extremamente pertinente. Considerada por muito tempo uma província com pouca presença escrava, nos últimos anos as pesquisas históricas reverteram completamente esta imagem. O que se evidencia nas pesquisas sistematizadas por estes dois historiadores é uma paisagem marcada pela presença de senhores de poucos escravos, ou seja, a disseminação da posse cativa foi uma constante nas diferentes paragens agropastoris investigadas.
Encerrando este dossiê, temos o artigo “Homens africanos, mulheres crioulas: origem e sexo dos escravos em Caçapava, (primeira metade do século XIX)”, de André do Nascimento Corrêa. Usando inventários post-mortem, o autor quantifica a população escravizada local, percebendo a disseminação da posse cativa e as características deste segmento populacional, em termos de origens, sexo, etc.
Os onze artigos são variados em seus escopos analíticos, nas fontes que manejam, nos períodos que abordam, nas propostas teórico-metodológicas que seus autores se propõem a usar e nas suas bases histórico-geográficas. Mas são unânimes em apontar a importância destas temáticas não só para a investigação histórica, como para as lutas reivindicatórias contemporâneas. Na emergência das histórias reivindicações que percebemos hoje, muito tem os historiadores a contribuir, nas suas investigações, para o esclarecimento das pretéritas e atuais desigualdades.
Aproveito o espaço para saudar o Conselho Editorial pelos dois anos de atividades da Revista Latino-Americana de História; trabalho que em pouco tempo já conseguiu ser reconhecido pelo Sistema Qualis/CAPES de avaliação, que a colocou entre os melhores periódicos acadêmicos da área de História do Brasil. Vida longa à RLAH!
Ótima Leitura!
Organizador
Paulo Roberto Staudt Moreira – Historiador com Graduação (UNISINOS), Doutorado (UFRGS) e Pós-Doutorado (UFF) em História. Coordenador do PPGH – UNISINOS. Bolsista de Produtividade do CNPq. Editor da Revista Latino-Americana de História.
MOREIRA Paulo Roberto Staudt (Org d), RLAH (RLd)
Referências desta apresentação
MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Apresentação. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.2, n.9, p. 6-9, 2013. Acessar publicação original [DR]
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