Escola nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship | Rafaela Silva Rabelo, Diana Gonçalves Vidal
O livro “Escola Nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship” foi uma das iniciativas de publicização dos resultados investigativos do projeto temático “Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…)1”. Nessa publicação congregaram-se textos não somente da sua coordenadora, a professora Dra. Diana Gonçalves Vidal, como também dos seus integrantes em suas mais variadas etapas formativas, da iniciação científica ao pósdoutorado. Trata-se, portanto, de um livro cuja organização e composição ilustrou movimentos de pesquisa diversos em relação à mesma problemática. Ademais, ele se insere em uma perspectiva transnacional2 para o entendimento da história que vem ganhando, paulatinamente, tônus conceitual, metodológico e espaço em pesquisas, ainda que não se trate de uma perspectiva recente (STRUCK; FERRIS; REVEL, 2011).
A publicação veio fazer coro aos livros “Movimento Internacional da Educação Nova” (VIDAL; RABELO, 2020) e “Sujeitos e artefatos: territórios de uma história transnacional da educação3 ” (VIDAL, 2020). Em comum, elas têm não só a similaridade das temáticas e do arsenal teórico-metodológico mobilizado, mas também a tentativa reiterada de aprofundamento e sistematização dos esforços de pesquisa. Todavia, a “Escola Nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship” trouxe de novo o questionamento a respeito das origens e condições de emergência dessa organização como um movimento marcado pela longevidade sob o marco da transnacionalidade, entendendo-a “como uma rede que tanto articulou sujeitos quanto orquestrou diversas iniciativas editoriais, congressos e conferências internacionais e regionais ou, ainda, estimulou a criação de grupos e seções em vários países” (SILVA, 2021, p. 8). Dessa forma, o livro permitiu pensar sua emergência e permanência em continuidades e rupturas, matizando apropriações de modelos educacionais, deslocamentos de sujeitos e debates, e repensando as noções de fronteiras e territorializações (Ibidem). A proposição e aplicação de uma virada epistemológica sob o marco da transnacionalidade para cercamento do tema permitiu ainda aos pesquisadores mobilizar duas lentes de observação: “uma que mira a constituição das redes do ponto de vista macro e, […] outra que enfoca o micro e se interroga sobre os percursos tramados pelos sujeitos, as apropriações/subversões efetuadas e os laços criados” (VIDAL, 2021, p. 22). Ainda nesse esteio, foi possível considerar a porosidade das fronteiras nacionais sem desconsiderar a configuração da nacionalidade, o que permitiu o entendimento da New Education Fellowship (NEF) como “uma rede a congregar educadores provenientes de vários países” (Idem, p. 15).
Para tanto, o livro se organizou em duas partes. Na primeira, quatro capítulos traçaram o movimento de aproximação à problemática. Nela, os autores Rafaela Rabelo, Giorgia Agostini, Nara Pinheiro e Vinícius Monção interpelaram o tema mobilizando diferentes aportes metodológicos e perspectivas teóricas que, pela diversidade das investidas, complementaram-se. Na segunda parte, foi disponibilizado um apêndice com os sumários da revista The New Era, organizado por Rafaela Rabelo e Vinícius Monção. Foi, ademais, a proposta de oferecer um apêndice manuseável que conduziu a escolha do formato da publicação em ebook. Ele, além disso, foi distribuído gratuitamente como forma de divulgação “[…] condizente com o espírito da open science e da open data (Idem, p. 17)” e coerente com o meio de acesso a algumas das principais fontes utilizadas para desenvolvimento das pesquisas que compuseram a publicação.
No primeiro capítulo (“As redes a partir dos rastros: entrelaçamentos entre Brasil, Estados Unidos e a New Education Fellowship”), Rafaela Rabelo ocupou-se de uma apresentação parcial dos resultados de sua pesquisa de pós-doutorado. Nela, a autora partiu da hipótese de que uma das formas de contato dos educadores brasileiros com as discussões da NEF se deu via Estados Unidos, o que a permitiu perceber “[…] a existência de várias conexões em arranjos bastante complexos em um cenário composto por múltiplas redes em que as intersecções e […] sobreposições eram frequentes” (RABELO, 2021, p. 19 – 20). O capítulo, organizado em quatro blocos – a saber: “sobre o itinerário de pesquisa: algumas considerações teórico-metodológicas”; “Conexões entre o Brasil e a New Education Fellowship”; “Conexões entre a New Education Fellowship e os EUA”; “Conexões entre os EUA e o Brasil: circulação da NEF no continente americano” – demorou-se não somente sobre o itinerário de pesquisa mobilizado, mas deu pistas sobre seus possíveis desdobramentos em novas frentes de investigação.
Também nele, Rafaela Rabelo mapeou os deslocamentos geográficos, teóricos e metodológicos que habitaram as diferentes etapas de pesquisa. Nesse sentido, a natureza do seu objeto de análise deu o tom do andamento da investigação, já que foi necessária a ida a uma diversidade de arquivos e a recorrência ao arsenal metodológico mobilizado por Carlo Ginzburg (1980; 2016 apud RABELO, 2021, p. 22) e Eckhardt Fuchs (2007). Dessa forma, destacou a natureza fragmentada da documentação, bem como a intermitência e informalidade das interlocuções como dois desafios potentes de pesquisa. Para seu enfrentamento, lançou mão da tentativa de reconstituir as redes a partir de rastros, fazendo uso do paradigma indiciário para enfrentamento do tema e cercamento das conexões (Idem, p. 39). A esse respeito, constatou que, “[…] se um dos principais desafios da análise de redes históricas é a fragmentação das fontes, então é preciso lançar mão de abordagens experimentais criativas” (RABELO, 2021, p. 40).
Em “Iniciação científica na graduação – New Education Fellowship e acervos da cidade de São Paulo”, Giorgia Agostini reportou sua experiência e sua tentativa de compreender como o Brasil e a NEF se conectavam em torno da Escola Nova, mesmo sem estarem diretamente relacionados. Para tanto, estabeleceu relações a partir de periódicos específicos veiculados pela NEF e que circularam na cidade paulista. A autora teve também o objetivo de inventariar e listar os materiais encontrados, elencando novos e possíveis locais de busca documental. Como resultado, listou os procedimentos disparados para composição da série documental no exercício de pesquisa e apontou para a circulação constatável de material em São Paulo, em locais com acesso público e que se constituíram como centro de referência educacional e de pesquisa (AGOSTINI, 2021, p. 57).
O terceiro capítulo, “Viagens, parcerias e a circulação dos estudos de Washburne via congressos da New Education Fellowship”, de autoria de Nara Pinheiro, intentou reconectar as redes relacionais de Carleton Washburne para compreender seu papel na circulação multidirecional de suas ideias. Para tanto, utilizou como fontes as publicações The New Era e Por l’Ere Nouvelle. Nesse esforço, a autora percebeu que o trânsito de suas ideias deveu-se a uma rede não governamental e prescritiva, o que assinalou para vínculos cooperativos entre colegas e do trânsito de professores. Ademais, o itinerário da inserção de Washburne no movimento internacional da educação nova fez ver o estabelecimento de conexões vitais para a difusão de experiência, permitindo “[…] conectar as tramas que unem a Progressive Education Association e a New Education Fellowship na divulgação da educação progressiva” (PINHEIRO, 2021, p. 82). Trataram-se, pois, de ações que dependeram de linhas de atuação difusas e que nem sempre foram unidirecionais, mas “[…] entrelaçadas a uma rede, cujos discursos e práticas foram incorporados por indivíduos e instituições” (Idem, p. 85).
Por fim, em “Uso de software na pesquisa em história da educação: a revista The New Era sob a ótica da história digital”, Vinícius Monção esmiuçou sua investida de pesquisa usando o software Atlas.ti4 para análise qualitativa, operacionalizando a perspectiva da história transnacional da educação. Para tanto, tomou como fonte e objeto de análise a Revista The New Era, considerando que a publicação sinaliza para a produção e circulação de saberes, conteúdos, serviços e informações. Vale destacar o aporte metodológico utilizado, que permitiu ao pesquisador alternar a lente de análise em um movimento macro/micro por meio do uso da supracitada ferramenta digital como parte da ação interessada do historiador. Sendo assim, ele intentou compreender a circulação dos pressupostos da Educação Nova entre as décadas de 1920 e 1930, dando destaque aos “[…] rastros deixados e [aos] cruzamentos entre ideias, sujeitos e instituições sobre os mais variados assuntos ancorados pelo viés escolar e educativo de (re)construção da sociedade através da educação” (MONÇÃO, 2021, p. 106). Por fim, considerou a revista The New Era como suporte e hub5 (Idem, p. 107) para rastreamento de trajetórias e redes “[…] tecidas no interior e paralelas à NEF, nas seções nacionais, na interação entre contextos locais e global que pode ser pensada sob a perspectiva global” (Ibidem), sendo, então, possível pensar as tramas que enredaram a produção e circulação de saberes e modelos educacionais.
Na segunda parte do livro, os sumários da Revista The New Era veiculados entre 1920 e 1939 foram organizados por Rafaela Rabelo e Vinícius Monção. O apêndice, elaborado a partir de comparações de sumários e índices e de reiteradas verificações de páginas, é apresentado como uma ferramenta de pesquisa capaz de operacionalizar mapeamentos iniciais a respeito do tema. Ainda acerca disso, vale dizer que a versão disponibilizada obedeceu a padronizações na apresentação de artigos, seções, resenhas, propagandas e imagens.
Dessa forma, a publicação traz o ganho de pensar a New Education Fellowship em suas permanências, intermitências e perenidades e de, ao mesmo tempo, apresentar trajetórias de pesquisa diversas, ainda que coincidentes na problemática. Atua, portanto, afastando-se da noção de “impacto educacional” e do entendimento das trocas culturais como organizadas em torno de um centro, considerando a diversidade de atores e contextos que atuam no trânsito das propostas pedagógicas (VERA; FUCHS, 2021, p. 10). Como ganho, para além das outras visadas a um objeto potente para novas análises, o livro trouxe o inventário teórico e metodológico de trajetórias investigativas distintas em seus objetivos e etapas, como também a ênfase nos trânsitos, apropriações e deslizamentos efetuados em torno da instituição abordada (Ibidem). Trata-se, pois, de uma publicação generosa não somente pela ampla distribuição, mas também pela disponibilização de um apêndice manuseável como ferramenta de pesquisa e pela elaboração compartilhada de percursos de investigação teórica e metodologicamente ricos e diversos.
Notas
1 O projeto, inscrito na perspectiva da História Transnacional, teve como objetivo investigar a circulação de sujeitos, artefatos, saberes e práticas no Brasil e no exterior dentro do recorte temporal estabelecido (Conferir: https://sites.usp.br/educacaoemfronteiras/).
2 Para o entendimento das distinções e usos das nomeações “história internacional”, “global” e “transnacional”, bem como para o mapeamento das narrativas mobilizadas sob a última, conferir Vera e Fuchs (2021, p. 8-9).
3 Para um panorama do livro “Sujeitos e artefatos: territórios de uma história transnacional da educação” (VIDAL, 2020), conferir a resenha “História da Educação em Perspectiva Transnacional” (SILVA, 2021, p. 1 – 5).
4 Software para análise de dados qualitativos capaz de efetuar leituras e cruzamentos de conteúdo textual, gráfico e audiovisual (Conferir: https://atlasti.com/).
5 O autor operacionalizou a noção de hub tal qual delimitada por Vidal e Rabelo (2019, p. 13), para entendimento da NEF. Nessa investida, as autoras consideraram a organização como um nó delimitado por trajetórias diversas, o que permite pensar a circulação de práticas e ideias para além de um centro produtor.
Referências
FUCHS, Eckhardt. Networks and the History of Education. Paedagogica Historica, v. 43, n. 2, p. 185-197, 2007. DOI: https://doi.org/10.1080/00309230701248271.
SABERES e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-…). Educação em fronteiras. S/p. Disponível em https://sites.usp.br/educacaoemfronteiras/. Acesso em: 10 nov. 2021.
SILVA, Carolina Mostaro Neves da. História da Educação em perspectiva transnacional. Cadernos de História da Educação. v. 20, p. 1-5, e032, 2021. DOI https://doi.org/10.14393/che-v20-2021-32
STRUCK, Bernhard; FERRIS, Kate; REVEL, Jacques. Introduction: Space and Scale. Transnational History. The International History Review, v. 33, n. 4, p. 573-584, 2011. DOI: https://doi.org/10.1080/07075332.2011.620735.
VERA, Eugenia Roldán; FUCHS, Eckhardt. O transnacional na história da educação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 47, e470100301traduções, 2021. https://doi.org/10.1590/S1517-97022021470100301trad
VIDAL, Diana; SILVA, Rabelo, Rafaela (orgs). Movimento Internacional da Educação Nova. Belo Horizonte [MG]: Fino Traço Editora: 2020.
VIDAL, Diana (org). Sujeitos e artefatos: territórios de uma história transnacional da educação. Ebook – Belo Horizonte [MG]: Fino Traço, 2020.
Resenhista
Carolina Cechella Philippi – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. E-mail: carolinacechella@gmail.com
Referências desta Resenha
RABELO, Rafaela Silva; VIDAL, Diana Gonçalves (Orgs). Escola nova em circuito internacional: cem anos da New Education Fellowship. Belo Horizonte: Fino Traço, 2021. Resenha de: PHILIPPI, Carolina Cechella. Redes e rastros: Escola Nova, sujeitos e transnacionalidade. Linhas. Florianópolis, v. 23, n. 51, p. 391-397, jan./abr. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]